©jerry uelsmann
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 

Havia púrpura, amarelo-ouro e rosa em sereno excesso no horizonte. Eu voltava a uma cidade que conhecera em estado de sonambulismo por apenas um dia, mas não a via, apenas sabia que era ela, sem a menor possibilidade de engano. O esplendor sumarento e leve do céu me acendia em sensação de triunfo e certeza. Em meio à grande confusão do sonho, à turbulência incoerente e maníaca de milhares de imagens, a Grande Aurora. Não esqueço. Impossível esquecer um fragmento de harmonia perfeita destacado dos pesadelos que são a realidade mais constante das minhas noites.

 

E então eu creio: haverá um dia em que toda esta prolixa dissolução, todo este mar de fertilidade exasperada e dispersão suplicante, toda esta inúmera dor, se resolverá numa ordem tranquila, superior, em nuvens de ouro sóbrio num horizonte de pós-fim de mundo.

 

Em outro sonho, outro esplendor de ressurreição, o frescor de uma aurora paradisíaca emergindo do horror puro. Nesse eu me erguia como um monumento, a cabeça humilde, o tronco guerreiro, banhado de afirmação e certeza. Não um deus, nunca um deus, mas um homem finalmente inteiro, síntese de graça, virilidade, orgulho, humilhação, dúvida, conquista, abdicação, triunfo, erigido em estátua límpida, o coração em pé, o sexo vivo, a cabeça coroada de vento, uma reverência final a tudo quanto existe, uma blasfêmia redimida em benção.

 

Para onde irão estas embarcações de leve luz, esta expedição de barcos de papel comandada por um Jasão sem faro marinho e sem amparo dos deuses, essas velas de adeus permanente e permanente indecisão de partida, essas cascas de nozes expostas a maremotos, esses despojos de naufrágio incoerentes e sem esperança de a mão do Acaso organizar-lhes em sentido, esses veleiros soçobrados e orgulhosos, esses desafiadores inconvictos da arrebentação? Para onde irão as incertezas de mim com seu frágil heroísmo, sua audácia penitente, seus princípios por conquistar e seus fins por intuir?

 

Não sei. E sinto que o chão de meu cotidiano oculta o grande oceano de Netuno, o que me faz tremer de ansiedade e desejo e apostar numa redenção que poderá vir de um tremor de terra. Assim me encaminho para a Grande Aurora, tendo de seguro apenas o poder de formar e adivinhar, empolgado pela travessia e cego como todo visionário ardente. O medo é amparo, a incerteza é guia.

 

 

 

dezembro, 2015