Ulisses e seu Timoneiro

 

 

À noite do riso, a penumbra desce

É a vaga que traz a nau

E sabe o caminho até Ítaca.

Rumores, vozes abafadas e o remo

Algum vinho antigo

Ulisses acabara de sorver

O calor interior, ante o frio

Do infinito mar, é integridade

De poeta, de guerreiro, de sonhador.

O Timoneiro sustenta a flâmula

Na outra mão a lâmpada pende

Às lembranças de amigos que jazeram.

Ulisses, o que vale o navegar?

— talvez, apenas o Retorno.

E o que não vale?

— o chão, onde nenhum homem tombou

Essa terra virgem.

 

 

 

 

 

 

O rito da eterna procura

 

 

Algo em si já é dado

Completo e acabado

Não tem mais razão de ser (feliz)

Como  de um ponto de fuga

É preciso que dele saia

Uma linha de seu Carretel

Para um Ponto Infinito

Onde as vistas não alcançam

Para enfim estar eternamente

Em busca de Fio de Meada

 

 

 

 

 

 

Archē I

 

 

Por amar demais

Cada um de nós

É para o outro, sentido

Por demais amor

Em tudo sujeitos somos

Ao grau altíssimo

De adverbidade do coração

Agora, amemos sem juízo

Até onde for possível crer

Sem condição e sentido

 

 

 

 

 

 

Empatia

 

 

O enlace da memória com o mundo

É poesia.

Consciência que aflora de mim para a vida

De mãos dadas, comigo e com o mundo

[que somos unos e de amizade]

É poesia.

Essa reparação do ser da vida

Sorriso da Natureza amiga

Para humanidade que se identifica

É poesia.

Reconhecê-lo pela escrita, mesmo

Imperfeita escrita — desejo crer —

É poesia.

É poesia, é poesia a Aproximação

Da Letra e o que ela diz

Na boca do mundo.

 

 

 

 

 ©chema madoz

 

 

Diógenes, ou a sola do meu pé como calçado

 

 

Quase que o vento me leva

Por meus desprendimentos

Não tenho bens nem outras cargas

Nem almejo algum provento

Se a norma é ter prefiro ser

Para seguir sempre adiante

Sem qualquer coisa para suster

Além de um coração itinerante

Nada espero do amanhã

Em nostalgias do passado

O presente é meu afã

Ao qual jamais estou fadado

 

 

 

 

 

 

Coser diálogos

 

 

No arquétipo do sonho

Da fala e de ouvir

As palavras são gulas

E de frase em frase um mito

Tudo é lúdico e o lúdico é tudo

Eu e meu cavalo

Não paro e não calo

Toda essa palavra

Diligentemente lavra

Substantivos abstratos

Para sorvê-los no tato

De brilho e de galardão

De sentido e de alusão

De sonho e de fato

As palavras irão...

Mas um homem incompreendido

São todos os homens calados

De umbilicais cortados

Emendados em vão

Pois que o elo no homem

Anela no coração

 

 

 

 

 

 

Elegia da Imperfeição

 

 

Há sempre algo na conquista

Que no futuro inexista.

Há sempre algo na vitória

Que desvanece na História

Há sempre algo na façanha

Que se perde ou se acanha

Há sempre algo noutro dia

Como resto de folia

Há sempre algo no melhor

Que transmuta ao pior

Há sempre algo na alegria

Feito de tristeza e miopia

Há sempre algo no futuro

Que insurge de um monturo

Há sempre algo no presente

Como um coração ausente

Há sempre algo no passado

Como um pavor incubado

Há sempre algo no amor

Que se une com olor

Há sempre algo com a vida

Cicatriz sempre ferida.

 

 

 

 

 

 

Anjos

 

 

Anjos nascem frágeis

E sempre aos sete meses

E decerto desnutridos

Mal escapam dos reveses

Anjos são analfabetos

Sentimentais demasiados

Demonstram-nos o que sofrem

No semblante, estampado

Anjos não negam ajuda

Mas isso lhes é sempre negado

Vivem nas margens das margens

A injustiça é seu fado

Socialmente reprimidos

Choram em longos soluços

Presos neste mundo fingido

Morrem em sonhos avulsos

 

 

 

 

 

 

Palavras feitas de tempo

 

 

Para Hayden White

 

 

Às vezes o advérbio

Não é muito confiável

Não apenas porque mente

 

 

 

 

 

 

Eterno

 

 

Há um espírito no sangue do poeta

Em tinta de pena

Na sua lida de vir a ser

Caderno vivo

 

 

 

 

 

 

Haicai da tautologia

 

 

O que não me intriga

Me faz mas fraco

Diante da apatia

 

 

 

 

 

 

Axioma?

 

 

A vida é uma quimera

Se a alma não pondera 

  

 

 

 

 

 

Wellington Amancio. Graduado em Docência e Gestão de Processos Educativos UNEB, especializado em Ensino de Filosofia, atualmente cursa mestrado em Ecologia Humana pela UNEB/PPGEcoH. Publicou A Fisionomia das Pedras (2011) e Baragundaia (2012), ambos de poesia. Vive em Delmiro Gouveia/AL.