Na análise competente, fecunda e erudita que Eloésio Paulo faz em Loucura e ideologia em dois romances dos anos 70 (Scortecci Editora, 2014) ou seja, publicados em plena ditadura, Confissões de Ralfo, de Sérgio Sant'Anna, e Quatro-olhos, de Renato Pompeu, ambos então estreantes na narrativa, representam diferentes soluções para o impasse da ficção brasileira sobre o período alcunhado de suposta revolução militar, a partir de 1964 até o final da década de 80.

Resultado de estágio pós-doutoral do autor de Areado no Programa de Pós-Graduação em Literatura da Faculdade de Letras da UFMG, sob a supervisão da professora Vera Lúcia Casa Nova, o livro fundamenta-se com a desconstrução do conceito de ideologia. Para o ensaísta, além de não existirem critérios indiscutíveis, todo sistema crítico é, por definição ideológico, sujeito à dinâmica que pretende conjurar (cf. Adorno/Horkheimer). De concepção marxista e freudiana, a análise do ensaísta adota, como chamou Susan Sontag, o "estilo moderno de interpretação", que antes de tudo opõe-se aos excessos na crítica de obras literárias. "Preferimos, diz Eloésio Paulo, uma "abordagem erótica", como quer Sontag, em que o discurso sobre o objeto não pretenda substituí-lo, mas apenas municiar novas leituras que se queiram menos ingênuas", evitando-se sobretudo o que Frederic Jameson definiu como "miragem" que ronda algumas críticas da ideologia fundadas nos escritos de Marx.

Fica claro, posto que bem fundamentado, que o conceito de ideologia que interessa deduzir da análise é a concernente à linguagem, à qual, segundo Denis Turner, é importante a "contradição performativa" e, conforme T. Eagleton, fazer a "descrição elucidativa de um tipo específico de ato ideológico".

O ensaísta faz por esclarecer a acepção a fortiori impingida pelos militares quanto a chamar de revolução o golpe de 64: "Relembremos que os golpistas de 1964 se apressaram em chamar seu movimento de "revolução", num claro encobrimento do real que se reproduziria na retórica do regime até a abertura — "lenta, gradual e segura" — a qual não passou de uma capitulação forçada pela vertiginosa obsolescência do modelo político-econômico implantado a força. Revolução implica abertura utópica, ditadura quer dizer garantia extrema da repetição: substituir uma palavra pela outra só foi possível com o auxílio de camadas sobre camadas de ideologia".

Nesse contexto contraditório e abusivo por parte dos golpistas, "primeiro turbulento e depois terrível", na interpretação de Antonio Cândido, de "ilusões armadas", segundo Elio Gaspari, a loucura literária resultou em "enfoques inesperados  capazes de desmontar um discurso hegemônico". É quando, compara o ensaísta, o escritor, na melhor das hipóteses, encena como Hamlet uma loucura que ele não é.

Para que o leitor possa melhor discernir sobre a produção romanesca brasileira do período ditatorial, Eloésio Paulo faz uma revisão nos principais estudos que dela emanaram: começa chamando a atenção para o Osman Lins de Guerra sem testemunhas e Avalovora, cujo cenário literário  evoca a uma também forçada entrada do Brasil no capitalismo pós-industrial, para em seguida recordar a análise de Antonio Cândido na qual são citados Rubem Fonseca e Roberto Drummond como críticos do regime, argumentando o crítico da Usp que o golpe militar havia provocado uma nova "ideologização" da narrativa, que culminaria no que chamou de "literatura da repressão". O ensaísta inclui, como analista desse "gênero", também o crítico Benedito Nunes, para quem o melhor da ficção dos anos 1970 fez uma "retomada da prosa modernista interrompida pelo engajamento político regionalista e a partir da década de 30, uma retomada cuja multiplicidade tinha seus denominadores comuns no recurso frequente à fragmentação do enredo e na alegorização da narrativa", o que está presente nas opções formais de Confissões de Ralfo e Quatro-olhos. Renato Tapajós é lembrado por causa do censurado Em câmara lenta em cujo prólogo lê-se que " ninguém pode escrever com um mínimo de honestidade sobre política em nosso país, nesse período, sem falar de tortura e de violência policial — tão marcante que foi a presença da repressão na formação desse Brasil em que vivemos hoje". Davi Arrigucci Jr. vem à baila por ter concentrado na ficção do boom editorial a tendência ao retorno à "literatura mimética", detectável em romances como Cabeça de papel, de Paulo Francis, Reflexos do baile, de Antonio Callado, e Lúcio Flávio, de José Louzeiro, nos quais já havia também a intenção de se cumprir uma "função vicária" em relação às notícias censuradas pelo governo e tentativas "malogradas" de alegorizar o momento histórico — "nisso pagando seu tributo à reprovação lucasiana da tendência alegórica de representar o real por meio de abstrações". Tânia Pellegrini é citada pelas análises de Incidente em Antares, de Érico Veríssimo, Zero, de Loyola Brandão, e O que é isso, companheiro?, de Fernando Gabeira; enquanto Renato Franco por resumir o panorama da ficção pós-64, que inclui A festa, de Ivan Ângelo, Quarup, de Antonio Callado, Pessach, a trravessia, de Carlos Heitor Cony,  Os novos, de Luiz Vilela, e a partir dos anos 70, Armadilha para Lamartine, de Carlos Sussekind, Quatro-olhos, de Renato Pompeu, estes últimos cognominados "romances de resistência". Outra amostragem apontada é a feita por Regina Dalcastagné, que dividiu, segundo Eloésio Paulo, os romances em três tendências, com critérios formais e temáticos em vez de cronológico: a primeira dos romances estruturados fragmentariamente, em diálogo com a linguagem jornalística, caso de Reflexos do baile e A festa, considerados superiores aos depoimentos ficcionalizados, obras vinculadas à tradição iniciada por Memórias póstumas de Brás Cubas, por incorporar a "mímese das articulações literárias utilizadas para a composição" como elemento essencial do processo de representação do real". No segundo grupo alinham-se romances ambientados em cidades pequenas "onde o anonimato é impossível e a opressão se configura sem disfarces", caso de Incidente em Antares, Os tambores silenciosos, de Josué Guimarães, e Sombras de reis barbudos, de J. J. Veiga. No terceiro grupo estão os romances em que os protagonistas são mulheres: As meninas, de Lígia Fagundes Telles, A voz submersa, de Salim Miguel, e Tropical sol da liberdade, de Ana Maria Machado, nos quais, diz o ensaísta, "a sutileza da visão feminina é capaz de iluminar aspectos menos óbvios da violência ditatorial, sendo os enredos firmemente plantados no chão da História". Eloésio Paulo, contudo, destaca que o mais amplo desses estudos é o de Malcolm Silverman, por ter resenhado cerca de 200 livros publicados entre o golpe militar e o final dos anos 1980. E que, com o percurso analítico descrito procurou-se por em evidência "três denominadores comuns a grande parte do romance escrito sob a ditadura militar:a fragmentação, a alegoria e a referência constante aos problemas políticos-ideológicos".

 

 

A literatura no hospício

        

A luta com os antagonismos da própria literatura no universo (in)coerente dos lados de fora e de dentro do hospício, que definem a força expressiva de seus protagonistas, se Ralfo, que não é oficialmente louco, mas que sofre de uma "peste dentro da alma" que vai justificar sua estigmatização e sua inadequação às definições consensuais de literatura, - reúne em si "o comportamento amoral, a heresia e a subversão em graus superlativos"; por sua vez em Quatro-olhos tem-se um autor testemunha da própria insanidade, que constrói ficção literária na qual a loucura se instala a pretexto de recuperar "o domínio sobre sua vida" através de "um monólogo racional, imaginando nele a literatura personificada em prostituta estereotípica".

A loucura decorrente desses livros se manifesta literariamente, muito mais que propriamente como casos patológicos de alucinações de quem "perdeu a cabeça", mas de quem tem princípios éticos com a própria função literária de não se omitir ante a opressão, o silêncio, a pressão ideológica, o absurdo existencial imposto sob o estigma da perda da razão. É supimpa, posto que consentânea e enriquecedora da visão do leitor, a análise que Eloésio Paulo faz da loucura em obras e autores de referência.

Ambientados parcialmente em instituições manicomiais, Confissões de Ralfo (1975) e Quatro-olhos (1976) tematizam a loucura de modos diferentes e exemplificam duas opções, apud Monique Plaza: "testemunhar a respeito da própria insanidade ou construir uma ficção literária onde a aventura da loucura se instala e se desenrola". Se Quatro-olhos busca, segundo o ensaísta, a lucidez, incluindo as loucuras própria e alheia num monólogo racional, Confissões de Ralfo projeta na própria narrativa uma aventura metalinguística em que se entrechocam vários estilos discursivos. Eloésio Paulo considera a loucura como anti-ideológica, "em razão de ser essencialmente discordante do consenso social", mas admite que ambos os romances "se referem de modo transparente ao cenário político-cultural brasileiro durante a fase mais dura da repressão militar".

Na acepção do ensaísta, não é possível abandonar o conceito de ideologia, mesmo pelo fato "de os impasses do marxismo, complicados pela reivindicação do termo pela Sociologia, terem criado uma excessiva abertura semântica [que] não cancela a existência de um fenômeno que deve apropriadamente ser chamado de ideologia". Por isso, argumenta, "a ideologia ganhou no mundo contemporâneo uma centralidade que só pode ser negada por quem adota uma compreensão muito restrita dos fatos, ou muito comprometida com interesses ideologicamente encobertos". E, no contexto de sua contraditoriedade, "a literatura é uma das muitas práticas por meio das quais a ideologia pode operar", ainda que no mundo contemporâneo seu alcance diminui na proporção em que "o tráfego de uma incalculável produção simbólica é feito por veículos de comunicação de massa e mais abrangentes e homogêneos estética e ideologicamente". 

Em Confissões de Ralfo e Quatro-olhos os romances têm respectivamente a loucura como "esclarecimento" e "experimento existencial imaginário", e ambos recusam "a verdade fechada, faz da sátira das ficções que sustentam a grande ideologia do consenso" e oferecem opções de paradigmas para a compreensão de uma época "sob a multiplicidade aparentemente democrática e dialógica da indústria cultural".

 

 

 

 

mateus soares de azevedo

  

  

A frase que dá título a esta crônica é de S. Tomás de Aquino e refere-se àquele que não lê e ao que limita sua visão de vida a uma única leitura. O livro Homens de um livro só, de Mateus Soares de Azevedo, renomado especialista em filosofia das religiões, dá bem a ideia do que seja o fundamentalismo e de como ele afeta uma boa parte da sociedade contemporânea, por ser esse regime religioso sinônimo de sectarismo, intolerância e violência, além das muitas e complexas implicações políticas dele decorrentes. 25 de julho foi dia do escritor e além de passar sempre batido em significação para a maioria das pessoas traz, contudo, à reflexão sobre que importância tem o livro para sedimentar o desenvolvimento humano e a racionalidade ética da civilização.

Os dados a respeito do hábito de leitura no Brasil são quase críticos. Segundo a Associação Nacional de Livrarias, o país fechou 2012 com 3.481 livrarias em operação, 49% das quais instaladas nas capitais dos Estados e no Distrito Federal, e as 51% restantes nas demais cidades. Há cerca de 1,8 livrarias para cada 100 mil habitantes. Já os dados do Índice para o Desenvolvimento da Educação Básica (IDEB), divulgados pelo MEC, mostram que as 192.676 escolas de educação básica no país atendem 50.545.050 alunos, mas que apenas 64 mil delas possuem bibliotecas. A média de leitura do brasileiro é de 4 livros por ano e somente 50% da população nacional cultiva o hábito de leitura. Na Noruega, que possui o maior Índice de Desenvolvimento Humano (IDH), as pessoas leem cerca de 16 livros por ano, na França são 12, nos Estados Unidos, 10. Dados do Indicador de Analfabetismo Funcional, divulgados também em 2012, dão conta de que 20% dos brasileiros, de 15 a 49 anos, são analfabetos funcionais, ou seja, conseguem ler as palavras, mas não conseguem entender ou interpretar a mensagem de um texto de até 10 linhas com até 3 parágrafos. Levantamento feito recentemente pôs em evidência que entre os entrevistados que estudam, o percentual de leitores é três vezes superior ao de não leitores e que há, progressivamente, desapreço do brasileiro pela leitura como hobby, que hoje é apenas a sétima opção de lazer. À frente dos livros aparecem, por exemplo, assistir à TV e vídeos, escutar música no celular ou no rádio, descansar, reunir-se com amigos e a família. Não obstante esses índices, o levantamento mostrou também que estudantes de escolas próximas a bibliotecas comunitárias obtêm desempenho superior ao de alunos que frequentam regiões sem biblioteca. E que, nesses casos, o índice de aprovação chega a ser 156% superior, e a taxa de abandono cai até 46%. Pesquisa da Fundação Educar DPaschoal aferiu que uma das razões para a queda no hábito de leitura entre o público infantojuvenil é a falta de estímulos vindos da família. Outras razões apontadas por várias pesquisas mencionam o fato de não se incentivar a leitura a partir da infância e a obrigatoriedade da leitura no processo da educação regular. Quem não lê não pode crescer.

Conforme George Eliot, o livro é uma forma de aumentar a experiência e ampliar nosso contato com os semelhantes para além de nosso destino pessoal. Além de acionar os "botões do prazer", diz James Wood, através do livro é possível  ampliar nossa capacidade de empatia no mundo real. Lemos porque a leitura da palavra é sempre precedida da leitura do mundo, da leitura crítica da realidade, ensinou Paulo Freire. O livro abre as portas do universo da cultura, materializa a experiência humana através do reconhecimento de valores. Constrói a consciência crítica. Ensina a interagir com as realidades. Plasma o cidadão para a sociedade heterogênea e impõe-se como fator de diferença. Fornece sabedoria para o discernimento das contradições. Estabelece o sentido da ética nos relacionamentos. Sublima a qualidade de vida. Porque ler é dialogar com o mundo e com as pessoas. Ler é dar vida à vida. Ler dá respostas aos desafios, portanto remove obstáculos do fracasso da cidadania.

A leitura é para o intelecto o que o exercício é para o corpo (Joseph Addison). A palavra é o meu domínio sobre o mundo, escreveu Clarice Lispector. A pessoa que não lê, mal fala, mal ouve, mal vê, refletiu Malba Tahan. A leitura nutre a inteligência, asseverou Sêneca. Sem cultura moral não haverá nenhuma saída para os homens, admoestou Albert Einstein. Muitos homens iniciaram uma nova era na sua vida a partir da leitura de um livro, concluiu Henry David Thoreau.

 

 

 

 

 

        Augusto Nunes publica no blogue da revista Veja que "a tibieza crônica dos governantes, o cinismo suprapartidário dos políticos, a idiotia melosa das viúvas de 1968, a cegueira suicida dos chefes de redação e a cretinice engajada dos repórteres, a passividade do rebanho que tudo engole sem engasgos e outras marcas" constituem, no Brasil, a Era da Mediocridade. Claudio Weber Abramo indaga "o quê, precisamente, nossos acadêmicos oferecem para o público", uma vez que nossa elite intelectual é igualzinha à elite econômica: satisfeita consigo própria e sem ter deveres para com a comunidade que a sustenta. O português L.G.R., no artigo "O ataque dos medíocres", informa que foi o espírito da síndrome da mediocridade inoperante ativa que esteve por detrás da morte de Sócrates, dos crimes da Inquisição, da perseguição das elites intelectuais pelas ditaduras, do exílio de Freud e de Einstein, da queima de livros, da marginalização e absoluta pobreza em que morreram tantos artistas, da censura. E bem a propósito questiona o italiano Pino Aprile no seu livro Elogio do imbecil: "Será possível que estamos condicionados por uma espécie de seleção cultural que nos condena à imbecilidade?". Charles Swindoll escreveu o livro Como viver acima da mediocridade e também Geraldo Almendra questiona "como uma sociedade pode se permitir ser tão medíocre, corrupta e subornável?" O fato é que a pessoa medíocre é conveniente ao sistema no qual eleitores fracos elegem políticos fracos. E o Brasil, diz Richard Jakubazsko, é "o país da oposição medíocre", por ser também "continuísta". "Aqui temos medo de ir contra o estabelecido, temendo que isso cause o caos social, o  mal-estar intelectual, ou até mesmo a guerra civil", escreve Alexandre Figueiredo. No Brasil, há uma mídia "padrão" mantida pelos grandes jornais, TVs e revistas, além de blogues estrategicamente convenientes que cultuam o asneirol como must e pregam a mesmice como objeto de fetiche das classes dominadas pela ideologia midiática. O que não é aceito por essa mídia, não existe, não serve para consumo. É assim que essa suposta intelectualidade midiática, que endeusa as famosidades, consegue manter a mediocridade cultural e o processo de alienação das classes subjugadas pelo poder econômico dos meios de comunicação. Há, contudo, um erro crônico e histórico no país de achar que a elite social, conservadora, preconceituosa e presunçosamente ostensiva é que empresta seu status também a uma elite intelectual, a qual, por força dos atrativos criados pelas populações da periferia, acaba por endeusar a breguice e o que é originariamente decorrente da ignorância e do mau-gosto popular, transformando lixo cultural em modismos. Essa falsa intelectualidade transforma "fezes em filé-mignon" e desconhece, ou finge desconhecer que o mau gosto é comprovadamente o pior caminho para a emancipação social das classes populares. O que existe do brega popularesco (sertanejo, universitário, axé-music, funk carioca, forró eletrônico, MBPzona, tecnobrega), para citar só as tendências musicais, mostra uma intelectualidade midiática que expõe uma cultura dotada de confusões, ironias, inverdades, mentiras e desinformações, para dominar o establishment intelectual brasileiro, impondo a sua "superioridade" pela visão elitista travestida de "solidária com o povo". Por isso é muito relativa e também falsa a afirmação de que "o povo pobre só é autêntico através de 'seus' valores socioculturais mais baixos". O brega-popularesco exerce o controle social das classes pobres e assim as mantém inclusive como pobres de espírito. Isso porque a cultura midiática mantém-se também corporativista e vinculada de modo subserviente ao mercado: ela é responsável por existir uma cultura fast-food. Aqui vence tudo o que não faz pensar. E os poucos que se opõem a esse estado de coisas, que contribuem para a reflexão sobre a mediocridade brasileira são vistos como chatos, difíceis, preconceituosos, dispensáveis. A mediocridade faz do Brasil uma nação leniente, sem memória e sem consciência crítica, corrompida por poderes iníquos e corruptos, exposta a humilhações e privações econômicas e sociais. Ser medíocre é negar a excelência e é também o conformismo barato que permite ser feliz sem responsabilidade. Ser medíocre é ser os outros por pressão sem se perguntar sobre o que o si mesmo pode fazer para melhorar a vida. A mediocridade é um câncer sem dor que dizima o caráter com o sorriso da hiena. E o Brasil faz coro ao silêncio dos omissos e ao poder dos oportunistas. Até quando?

 

 

 

 

 

Dia desses ou(vi) o cantor sertanojo Leonardo dizer na TV, até com uma certa satisfação: "O rock está morto." Para o "mosca na sopa" Raul Seixas, o rock morreu em 1959, ritmo que determinou um novo comportamento que explodiria no mundo inteiro logo em seguida, com os Beatles de "Get Back", mas, antes, com  Buddy Holly e seus Clickets, o Little Richard de "Long Tall Sally", Bill Halley e seus Cometas fazendo a moçada dançar bonito com "Rock Around the Clock", Elvis Presley a partir de "Jailhouse Rock". Em setembro, em entrevista à revista "Esquire", o baixista e vocalista do Kiss, Gene Simmons, pôs sua cara pintada a tapa ao afirmar de maneira categórica que o estilo musical chamado rock já era. Ele, porém, não justificou sua resposta. Não se pode negar, todavia, que o rock vive na atualidade um longo período sem entrar nas paradas de sucesso, de baixas vendas de discos e CDs e pouca execução em plataformas virtuais, sobretudo em comparação com o pop e o rap, os "donos" do mercado fonográfico hoje, além do fenômeno sertanojo, no Brasil, que musicalmente é uma mistura de nada com coisa nenhuma.

O que, no entanto, explica a bad trip do rock? Talvez a melhor resposta seja: o rock representava o movimento de resistência cultural, de contestação, mas o mundo mudou, houve o esgotamento de uma certa agenda de reivindicações, analisa Michael Heschmann, da UFRJ. Mas e a genialidade dos seus músicos?

Vencendo as etapas comerciais da época "papai & mamãe" de Cely e Tony Campello, do twist de Chubby Checker, do hully-gully de Sammy Chain e os Faraós, o rock teria uma vertente primorosa, de músicos muito talentosos e criativos, sustentadores da chamada linha progressiva, da qual ficaram as bandas Yes, Jethro Tull, Pink Floyd, Marillion, Genesis, Led Zeppelin, Nirvana e tantas outras, a quase totalidade de origem inglesa. É essa linha progressiva a que mais me tocou. É claro que houve os Rolling Stones de "I Can't Get No" (Satisfaction), o David Bowie de "Space Oddity", o Queen de "Bohemian Rhapsody", o New Order de "Blue Monday", o Echo & The Bunnymen de "The Killing Moon", o Oasis de "Wonderwall." Por exemplo, só para citar algumas das canções clássicas.

As feras geniais do rock'n'roll, no entanto, ficaram velhas e seu talento não encontrou muito respaldo para dar sequência na música que mudou mesmo, pra valer, o jeito romântico do mundo ouvir e dançar. E até de pensar. É claro que há dezenas de bandas e intérpretes do rock sucessores dos pioneiros, mas quem sabe deles e podem falar de cátedra sobre cada um são os nossos amigos Leonardo Rocha, Antonio Veloso e Luís Cunha, que têm em si o DNA da r-evolução musical porque passou a humanidade, desde os anos 60, numa referência cronológica para nós latino-americanos. O que lamento é nenhum deles não publicar neste jornal um artigo, ainda que mensal, para nos atualizar sobre o rock'n'roll, consciente que estou de que ainda há muita energia vibrante nos acordes rebeldes (agora nem tanto), das "viagens" sonoras. Enquanto o seu lobo não vem, o jeito é matar a saudade do melhor com o programa Alto Falante, da Rede Minas, no qual o Enciclopédia do Rock Adriano Falabella programa os "clássicos" e suas guitarras exotéricas, suas baterias alucinantes, seus baixos profundos e perfeitos, sua parafernália de Mellotrons lisérgicos e futuristas sempre. 

Os fãs brasileiros esperaram no mínimo quatro décadas para ver ao vivo roqueiros progressivos como Rick Wakeman, Jon Anderson, Ian McCulloch, e outros como Santana, U2, Phill Collins, Metallica, Iron Maden, Sting, Paul McCartney e bandas com formações transformadas, uma vez que os mestres do rock também têm consigo a particularidade de se desentenderem entre si. Como diz Daigo Oliva, editor da "Ilustrada" (Folha de São Paulo), "a nostalgia do público brasileiro garante as frequentes apresentações de roqueiros no país", sobretudo os programados por Roberto Medina, dono do Rock in Rio, que hoje se espalhou pelo mundo afora. Tornou-se tão comum, hoje, ter aqui shows lotados que, segundo este jornalista, não será surpresa se uma banda mundialmente famosa se apresentar no programa do Faustão. Mas para um astro que vendeu 25 milhões de cópias do "Rock Around the Clock", Bill Halley não merecia morrer quase esquecido, no Texas, sepultado em túmulo sem seu nome, segundo Kenneth Maxwell, da Folha.

Hoje, qualquer cantorzinho ou duplinha caipira universotária, qualquer "artista" pop ou do hip-hop alimenta com bobagens cada vez piores a juventude voltada para o consumo de roupas e bebidas, o selfie e a ostentação. O rock ficou vovô e só mesmo meus amigos para justificar que em meio as rolling stones há um diamante para sempre a brilhar nos tímpanos de toda uma geração. Yeah!

 

 

 

 

libério neves

 

Oliveira, 5 de novembro de 2014.

 

Meu caro Libério

 

Ao ler Papel passado concluo que sua poesia expõe veios telúricos, porque não tem gordura, adiposidade, adereço, palavra-puxa-palavra.

Cabralina na linguagem, mas de dicção própria, seus poemas enxugam a seca do latifúndio em verbos de conotação lírica. Ela, a poesia, é sempre mais com o menos, exercício poético de maestria que ensina a valorizar o mínimo que explode significações polissêmicas.

Nela, nessa poesia, o que é, é, sem demandas adicionais, enxutez comovente como as emoções mais puras e honestas. Corroboro seu modus faciendi original em que predominam uma sintaxe surpreendente, uma música interior, seca como um látego de folhagens que almejam água; o processo desconstrutivo em função da própria poesia; o compromisso com a linguagem como o de um filosoeta a pensar a condição humana em sua existencialidade ecológica; o concretismo com vísceras; o instinto aguçado da observação; o sentimento sem apelação; a síntese universal de quem escreve a partir do dentro.

Concordo com Fabrício Marques ao classificá-lo como "um gentleman do verso", cuja elegância dignifica — e muito — a arte de Dante.

E há o diálogo com a memória rural-urbana, cujos poemas são marcas metalinguísticas, autorizada desde a produção no Grupo Vereda.

Acima de tudo está a certeza de você ter escrito um dos mais belos poemas em língua portuguesa: "Círculo", na metida contida da comoção e referência mundial da força atômica da poesia.

Papel passado é um grande livro de um grande poeta. Em você há maturidade cheia de viço e energia.

Abraço fraternal e congratulações, seu amigo,

 

Márcio Almeida

 

 

 

 

joaquim branco

 

Meu caro Joaquim

 

Textuagens dá prosseguimento a um processo work in progress que você iniciou com inteligência nos anos 60.

O livro se materializa com recordações telúricas de uma Cataguases sempre vanguardista e vibrante, celeiro de exemplos que é, com reflexões poéticas típicas da pós-modernidade a novas incursões no poema-processo em que predomina aspectos semióticos visuais.

Há em tudo um modus discendi que lhe é próprio a exemplificar com novas experiências sua dicção já demarcada na poesia brasileira.

Se, por um lado, poemas como "Recortes pelas margens do rio Pomba", "As fiandeiras", Águas furtadas", "Cataguases — 10 graus" têm o discursivo como forma — o que não lhe é muito comum —, configurando atavismo urbano por uma cidade-ícone, por outro lado, tem seu diálogo fértil com o contemporâneo, como faz em "A morte dirigível", "Poema ocupa Manhattan", "Rios voadores", entre outros.

Há, em meio a ambas modalidades, o poeta comprometido com a denúncia, como em  "Primavera indígena", "Afreekamandela", "War games", "Poema ocupa Manhattan 1 e 2". E há poemas circunstanciais que muito dignificam o seu ofício de décadas exemplares, os que, além dos concretos e processo, mantêm a epicidade em "O mestre e a água", "A maior solidão do mundo", "Após o dilúvio", "Os campeões do mundo", "Quintais do mundo", "O tatuador e o tatuado".

Em tudo a marca Joaquim Branco e um novo livro e cingir sua produção fértil, profícua e importante para a poética experimental do país.

Abração e parabéns, seu amigo,

 

Márcio Almeida

 

 

 

 

dezembro, 2014

 

 

CORRESPONDÊNCIA PARA ESTA SEÇÃO

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