©tommy eliassen
 
 
 
 
 
 

 

Acordei com o chamado de palmas ao portão. Como em outras ocasiões em que tentaram acordar-me a essa hora, coloquei mais um travesseiro sobre o outro ouvido e cuidei de voltar a dormir. O pretenso visitante, no entanto, mostrou-se muito mais insistente do que eu esperava, tornando-se impossível conciliar o sono novamente. Profundamente irritado, levantei-me e abri a janela. O sujeito magro e de bigodes vastos, terno verde-claro, camisa branca de colarinho bem alto, gravata azul e chapéu de pano vermelho com bolinhas brancas (!), dirigiu o olhar para o alto, em direção ao segundo andar do sobrado, onde se localizava meu quarto, abriu um sorriso exagerado e gritou um "Muito bom dia!". A primeira reação foi de mandá-lo para o inferno. Não há, porém, como afrontar um sujeito que se traja daquela maneira.

— O que o senhor deseja?

— Vendo anos-novos! — foi a resposta sonora.

Epa! Interessava. Tinha perdido dois dias da semana anterior pesquisando na Internet onde poderia adquirir um ano-novo barato e que fosse diferente desses que acontecem gratuitamente. Para minha surpresa, todas as páginas que antes vendiam a mercadoria de fim-de-ano tinham parado de funcionar. Soube depois que o comércio de anos-novos havia sido proibido pelo governo porque os fornecedores e a Receita Federal não conseguiram firmar um acordo sobre os impostos. Daí, numa solução tipicamente nacional, a questão foi resolvida com a proibição da comercialização do importante serviço. Como sempre, a população que se conforme com as arbitrariedades.

Vesti uma camiseta, dei uma ajeitada rápida no cabelo e desci as escadas correndo. Ao abrir a porta, quem já exibia um sorriso escancarado era eu. O sujeito aproximou-se com um andar dançarino — e coerente com os trajes festivos. Estendi o braço em direção ao interior da casa, indicando-lhe que entrasse. Sentou-se à mesa. Ofereci um cafezinho, que foi aceito. Enquanto cuidava de deitar o pó no filtro de papel e água no recipiente da cafeteira elétrica, fui indagando:

— Quanto o senhor está cobrando?

— Bem — respondeu-me, após um ligeiro pigarro —, tenho de muitos preços. Tudo depende do tipo de ano-novo que o senhor deseja.

— Sua resposta tem muita lógica — brinquei, sorrindo —, mas não corresponde ao meu pouco dinheiro. O senhor vende ano-novo de seis meses?

Aí foi a vez de ele achar graça. Riu muito, contudo, reagia assim apenas porque ainda não tinha tomado conhecimento de minha situação de penúria. Depois que expus minha condição financeira desfavorável a altos investimentos, concordou em vender-me um ano-novo de apenas três meses, com direito a namoro novo no primeiro mês, aumento de ordenado no segundo e uma quadra de mega-sena no terceiro. E acabou confessando que, mesmo vendendo sem nota fiscal e, portanto, sem taxa de imposto, não estava conseguindo despachar a mercadoria, encontrando-se na contingência de enfrentar a virada do ano ainda abarrotado de anos-novos sem compradores. Para piorar, tinha sabido que o governo, para atrapalhar ainda mais o negócio, estava prevendo que o ano-novo a que todos têm direito, o ano-novo gratuito, seria um dos melhores dos últimos tempos, com progressos na saúde e diminuição no índice de desemprego.

Imaginei que, se fosse verdade, havia feito um ótimo negócio, pois teria três meses maravilhosos e, de quebra, gozaria mais nove meses promissores. Isto é, se os políticos dessa vez estiverem mesmo dizendo a verdade. O vendedor sorveu com prazer o último gole de café, agradeceu e, após receber o pré-datado da entrada, despediu-se solenemente e foi embora gingando no mesmo ritmo em que havia chegado.

Bem, não foi o ideal, mas penso ter assegurado pelo menos alguns meses razoáveis. No entanto, não foi por ter resolvido meu caso que esqueci de vocês. Eu desejo e tenho a mais absoluta certeza de que todos, mesmo os que não tiveram condição de garantir com antecedência um pedacinho de ano-novo sonhado, terão um 2015 muito feliz. Apesar de que a gente nunca deva confiar muito nas promessas do governo.

 

dezembro, 2014