Acordei com
o chamado de palmas ao portão. Como em outras ocasiões em que tentaram
acordar-me a essa hora, coloquei mais um travesseiro sobre o outro
ouvido e cuidei de voltar a dormir. O pretenso visitante, no entanto,
mostrou-se muito mais insistente do que eu esperava, tornando-se
impossível conciliar o sono novamente. Profundamente irritado,
levantei-me e abri a janela. O sujeito magro e de bigodes vastos, terno
verde-claro, camisa branca de colarinho bem alto, gravata azul e chapéu
de pano vermelho com bolinhas brancas (!), dirigiu o olhar para o alto,
em direção ao segundo andar do sobrado, onde se localizava meu quarto,
abriu um sorriso exagerado e gritou um "Muito bom dia!". A primeira
reação foi de mandá-lo para o inferno. Não há, porém, como afrontar um
sujeito que se traja daquela maneira.
— O que o
senhor deseja?
— Vendo
anos-novos! — foi a resposta sonora.
Epa!
Interessava. Tinha perdido dois dias da semana anterior pesquisando na
Internet onde poderia adquirir um ano-novo barato e que fosse diferente
desses que acontecem gratuitamente. Para minha surpresa, todas as
páginas que antes vendiam a mercadoria de fim-de-ano tinham parado de
funcionar. Soube depois que o comércio de anos-novos havia sido proibido
pelo governo porque os fornecedores e a Receita Federal não conseguiram
firmar um acordo sobre os impostos. Daí, numa solução tipicamente
nacional, a questão foi resolvida com a proibição da comercialização do
importante serviço. Como sempre, a população que se conforme com as
arbitrariedades.
Vesti uma
camiseta, dei uma ajeitada rápida no cabelo e desci as escadas correndo.
Ao abrir a porta, quem já exibia um sorriso escancarado era eu. O
sujeito aproximou-se com um andar dançarino — e coerente com os trajes
festivos. Estendi o braço em direção ao interior da casa, indicando-lhe
que entrasse. Sentou-se à mesa. Ofereci um cafezinho, que foi aceito.
Enquanto cuidava de deitar o pó no filtro de papel e água no recipiente
da cafeteira elétrica, fui indagando:
— Quanto o
senhor está cobrando?
— Bem —
respondeu-me, após um ligeiro pigarro —, tenho de muitos preços. Tudo
depende do tipo de ano-novo que o senhor deseja.
— Sua
resposta tem muita lógica — brinquei, sorrindo —, mas não corresponde ao
meu pouco dinheiro. O senhor vende ano-novo de seis
meses?
Aí foi a
vez de ele achar graça. Riu muito, contudo, reagia assim apenas porque
ainda não tinha tomado conhecimento de minha situação de penúria. Depois
que expus minha condição financeira desfavorável a altos investimentos,
concordou em vender-me um ano-novo de apenas três meses, com direito a
namoro novo no primeiro mês, aumento de ordenado no segundo e uma quadra
de mega-sena no terceiro. E acabou confessando que, mesmo vendendo sem
nota fiscal e, portanto, sem taxa de imposto, não estava conseguindo
despachar a mercadoria, encontrando-se na contingência de enfrentar a
virada do ano ainda abarrotado de anos-novos sem compradores. Para
piorar, tinha sabido que o governo, para atrapalhar ainda mais o
negócio, estava prevendo que o ano-novo a que todos têm direito, o
ano-novo gratuito, seria um dos melhores dos últimos tempos, com
progressos na saúde e diminuição no índice de desemprego.
Imaginei
que, se fosse verdade, havia feito um ótimo negócio, pois teria três
meses maravilhosos e, de quebra, gozaria mais nove meses promissores.
Isto é, se os políticos dessa vez estiverem mesmo dizendo a verdade. O
vendedor sorveu com prazer o último gole de café, agradeceu e, após
receber o pré-datado da entrada, despediu-se solenemente e foi embora
gingando no mesmo ritmo em que havia chegado.
Bem, não
foi o ideal, mas penso ter assegurado pelo menos alguns meses razoáveis.
No entanto, não foi por ter resolvido meu caso que esqueci de vocês. Eu
desejo e tenho a mais absoluta certeza de que todos, mesmo os que não
tiveram condição de garantir com antecedência um pedacinho de ano-novo
sonhado, terão um 2015 muito feliz. Apesar de que a
gente nunca deva confiar muito nas promessas do governo.