©santos phillip carlo
 
 
 
 
 
 
 
 
 

Vi no facebook um anúncio de limpador de vidro "caseiro e ecológico". Não quis nem olhar a receita. Se eu chegar a fazer um dia uma coisa dessas, peço-lhes humildemente, meus amigos, que me internem. Chamem urgentemente uma camisa de força, uma ambulância bem rápido. Os que me conhecem sabem que uma das minhas últimas preocupações nessa vida seria fabricar limpador de vidro, ecológico ou não. Danem-se os vidros e seus limpadores! O que são os vidros, na hora da verdade, da doença, da solidão mais absoluta, da falta insuportável? Como podem nos valer, nos momentos das dores intensas e das perdas irrecuperáveis? Continuo a ler as postagens. Agora, uma conhecida revista apresenta uma lista de 15 livros "obrigatórios" dos últimos quinze anos da literatura brasileira. Assim mesmo: não são opcionais, são obrigatórios. Não são 10, nem 20. Quinze, disseram. Não sei como chegaram a esse número, que critérios cabalísticos foram utilizados. Seria um número mágico? Alguma coisa ligada à alquimia ou aos templários? Não sei. Sem querer desqualificar os autores relacionados e seus títulos, até por que alguns são excelentes e outros eu não conheço, fico me perguntando o real valor dessas listas, pra lá de subjetivas. Está bem que A, B e C estejam presentes, mas por que X entrou e Z não? Outros acatarão justamente a entrada de X e não estarão de acordo com a de A, B e C. Ou seja: ninguém ficará completamente em paz com a seleção apresentada. Nunca haverá unanimidade. Fico meditando longamente sobre a serventia dessas listas, se vale a pena elaborá-las, se essa meticulosidade encontra resposta no público leitor. Não sou contra elas, em princípio não sou contra nada, mas gosto de pensar ao contrário, de começar pelo fim, de esmiuçar, de bancar o advogado do diabo. É a minha maneira de raciocinar e tenho de conviver com ela, afinal de contas.

Logo depois encontro um teste sobre qual seria o país ideal para mim. Esses testes vêm com uma instrução de que, ao final, deverão ser compartilhados com a comunidade. Às vezes faço alguns, mas nunca compartilho os resultados, por pudor ou por descrença mesmo. Minha cidade, segundo o teste, é Londres. Logo eu, nascida praticamente na roça, lá nas Minas profundas, que fico tristíssima quando chove e que, além disso, detesto frio intenso, que não tenho coragem de comer frango quando está chovendo por imaginá-lo ciscando na terra molhada, pois me dá gastura, deveria — sempre segundo o tal teste — viver ou ter nascido em Londres. Esse resultado é um pouquinho demais, não? Inhapim virar Londres é tão surreal quanto o sertão vai virar mar, como na música de Sá e Guarabyra.

Passo os olhos nas postagens mais cabeludas, estas sim, raivosas, em sua maioria, relativas aos inquéritos, às investigações e prisões no caso Petrobrás. Em uníssono, quase todas as pessoas se dizem passadas, perplexas, desnorteadas, pasmas com as revelações do pessoal da delação premiada. Não entendo a razão de tanto espanto. Ou será que esses anjos de candura — caídos do céu por descuido — não conhecem o país onde nasceram? Não concordo e nem defendo corruptores e corruptos, é óbvio. Corrupção é injustificável, em qualquer circunstância. Mas não reconhecer que o que surge agora é a ponta do iceberg de algo que existe e está arraigado desde os tempos do Brasil-Colônia e que só será extirpado com muita vontade política e uma verdadeira e profunda mudança de valores de toda a população do país sem nenhuma exceção, é realmente de espantar, além de revelar um perigoso desconhecimento de história. Isso sim deixa qualquer um pasmo. A questão fundamental não é o montante, o volume das operações ilegais e dos valores furtados. Diz respeito é à natureza do ato em si, é esta que tem de ser atacada, se o país realmente quer se redimir e recuperar sua dignidade como nação. Seria uma epidemia de hipocrisia a tomar conta de tudo e de todos? Uma recaída geral à moda Pollyanna? Onde estava essa gente inocente e pura, em que canto do país passava férias, em que Pasárgada particular se escondeu durante séculos, décadas? Ou estava ocupada demais entre dar um jeitinho aqui e outro ali pra se livrar de uma multa (devida) de trânsito, comprar uma carteira de motorista sem fazer exame, tentar "salvar" o filho do serviço militar obrigatório, aprender uma maneira heterodoxa de fazer declaração do imposto de renda só pra poder sonega-lo sem deixar pistas, e outras cositas mais?

 Nos anos sessenta e setenta, isso seria tachado de alienação, sem dó nem piedade. Agora, com o termo fora de moda, nem sei como nomear essa coisa que, como um espesso gel, vai enredando jovens e velhos. Morro de medo da ignorância, que costuma ser a mãe dos males irreparáveis.

Resolvo fazer novo teste, mesmo sabendo de sua tolice intrínseca. Esse de agora pretende medir a feminilidade — ou o seu estereótipo, é bom que se diga. De caso pensado, respondo às perguntas da maneira mais sisuda possível, acionando fortemente o meu lado ranzinza. E — coisa impressionante — de acordo com o resultado, sou 96% feminina, uma bonequinha, uma princesa romântica, a mulher mais mulherzinha da face da Terra, que preferiria que esta fosse rosa e não azul (palavras deles). Por pouco não me transformam na própria Cinderela, assegurando-me que vida de princesa é muito melhor que a dos simples mortais. Pós-moderna, punk demais essa Cinderela, que não usa salto alto e maquiagem quase nunca. E que não admite que lhe paguem nem sequer um sorvete de creme. Mulherzinha como, cara pálida? Mulherzinha por quê? Alguém já ouviu falar em homenzinho? E qual a razão do diminutivo mulherzinha? Coisa preconceituosa e antipática, inventada só pra golpear — ainda mais — a autoestima feminina.

Por fim, queridos leitores, espero não ter sido azeda como os limões que usamos no Brasil. Estive recentemente na Bolívia participando de um festival literário e tomei as limonadas mais deliciosas do mundo, feitas com limões suaves, diferentes, que têm gosto de rosas. Tomara que esta crônica tenha ficado assim, como uma limonada do oriente bolivariano. Ou — pra ser mais precisa — de Santa Cruz de la Sierra, cidade bela, florida, progressista e amável.

 

 

 

dezembro, 2014