[ neuza ladeira ]
 

 

 

 

 

 

 

 

Permita-nos uma licença poética para iniciar nosso comentário sobre a arte de Neuza Ladeira citando uma expressão, até passível de ser considerada clichê, porém cunhada por poeta onírico, onde vislumbramos verossimilhança a um sândalo: O sândalo perfuma o machado que o fere! O sândalo traz proteção e aumenta o poder da concentração. E vamos encontrar na obra de Neuza uma personificação semântica e tautócrona: perfumada e verdadeira. E, ao mesmo tempo, dedicada e melíflua como um anjinho barroco, ou uma penugem de um passarinho.

Com seus gestos largos e fala gutural, porém firme e cativante, em suas obras ela nos conduz a um cenário de pensamentos que refletem uma essência de luz e revela toda a sua intimidade, principalmente quando utiliza o instrumento do inconsciente ofertado através das buscas memoriais como a abordagem simbólica ideológica, ou na contra-mão e resistência das revelações falsamente tonitruantes.

Sensível e imaginativa, dona de um temperamento escancarado de encanto, ela age como uma antena sensível que capta sentimentos e se insinua pronta para se incorporar espírito de uma fantasia libertária. Tudo isso como fruto de introspecção no inoculo rigor dos pesados coturnos que lhe surrupiaram a liberdade, mas não conseguiram aprisionar sua poesia singular.

Os elementos de sua arte são manifestados pelos encontros de mitos, lendas e processos kafkianos. E neles vamos descobrir a estrutura e a dinâmica do seu estado de espírito que nos leva a encontrar pura poesia no meio da psicose de um cotidiano rico de experimentos lúdicos e criativos. De ponto, vamos ver que a espontaneidade de sua arte e de suas expressões jorram sem mágoas ou ressentimentos. E elas nos chegam como reflexo do seu passado e presente de vida revolucionária.

Só quem teve recluso nos subterrâneos da liberdade sabe como se abstrair dos horrores das incompreensões do mundo, cheio fétido verde oliva e das idiossincrasias dos insensíveis e dos impiedosos de caráter. E Neuza Ladeira não nos passa, em momento algum, as neuroses de quem foi vítima do garrote vil, onde esteve sujeita e refém ao estado de humor e às elucubrações do jogo da vaidade ditatorial.

Dissecando a obra de Neuza Ladeira não vejo, em momento algum, qualquer hermetismo nos seus trabalhos, sejam de pintura, desenho ou poesia. Apenas deixo um alerta: para entender Neuza Ladeira, temos que ter o saudável exercício do pensamento e da interpretação para saber encontrar e saber ler na estrutura desenhada pelos seus pincéis e tudo mais que é desfilado ao meio dos lírios, dos campos e dos guaches traduzidos como os pilares de sua obra refletidos pelo ftgaleriativo e pelo expressionismo retornam o significado de um instrumento de investigação do sentido íntimo, primal, do universo. Em sua manifestação artística está reproduzindo todo o conteúdo emocional e as reações subjetivas que exercem forte domínio sobre o convencionalismo e a razão. Além de tudo pelo inconsciente coletivo. E nada é por acaso. Cada traço, risco ou matriz de sua obra nos conduz a uma rede emaranhada de lembranças que nos chegam livres da reminiscência amargurada.

Não podemos ter preguiça para entender o que ela nos apresenta recondidamente. Em gotas ou em goles, seu pensamento nos chega baseado em que um dia Jung afirmou ser a estrutura da forma e que consiste em ser componente da psique, presente nela desde o nascimento, e nos chega a uma hipótese verdadeira e refinada — a existência de um substrato desconhecido de nós pobres mortais. A expressão barroca de Neuza Ladeira é pura poesia ressoante no sabor amargo e escarlate da resistência e que hoje nos chega doce e sem ressentimentos da crueldade um dia lhe atingiu...

 

 

 

 

Jurandir Persichini Cunha. Jornalista profissional e poeta amador. Crítico bissexto nascido em Amparo da Serra/MG, no século passado. Anistiado político.