oliveiras blues

 

 

a manhã do oliveiras

se derrama em vertigens

sobre calçadas e asfaltos

discretamente blues

 

um cão triste e velho

persegue os meus passos

de peregrinas escórias

e óleos de cadafalsos

 

lentamente o sol derrete

os calos da minha tristeza

e as pedras anoitecidas

dos meus versos inúteis

 

 

12/05/2013

 

 

 

 

 

 

miko

 

 

já estava corcunda

um monstrengo, a tia

da última vez que a vi

 

fiquei em dúvida se devido

às duas hemodiálises semanais

ou à vida inteira debruçada

na overloque da elgin

 

 

12/07/2013

 

 

 

 

 

 

yoshio

 

 

clara evidência e aviso

que os prazos de validades

estão vencendo um a um

yoshio infartou ontem

e vai ter que colocar

três pontes de safena

 

desconfio que seja assim

porque dos oito irmãos

sete deles no brasil

e um dekassegui exilado

ele é o único que carrega

em suas mãos uma dádiva

que também é um castigo:

— o sol da generosidade

 

 

07/03/2014

 

 

 

 

 

 

dedo mole (2)

 

 

quando consegui perceber

na segunda de carnaval

às dez e meia da manhã

dedo mole já estava sentado

ao meu lado no banco

do balcão da padaria

rainha do oliveiras:

 

japa, pode ser

uma maria mole?

 

três marias-moles depois

uma coxinha de frango

uma porção de linguiça com cebola

três itaipavas geladas depois

ele se ofereceu antes de partir

e se perder na manhã sem fim:

 

— japa, meu bom

sei que não iremos juntos

mas se algum maluco, pá

e se você quiser, pá

eu zero o maluco, pá

 

 

04/03/2014

 

 

 

 

 

 

dedo mole (7)

 

 

bem que estranhei

o movimento incomum

nos últimos dias

mas só hoje eu soube

pelo cara do churrasquinho

que fica na porta

da rainha do oliveiras

 

houve alguns dias atrás

uma rebelião na fundação

coisa feia mesmo

(só para constar, o diretor

da instituição ainda está na uteí)

queima de colchões

queima da unidade

queima de arquivos

e uma pá de moleques

pápápá nas ruas

 

por mera coincidência

vi dedo mole de visual novo

e adequado ao padrão da fifa:

tênis da mizuno

boné do neimar

 

 

09/04/2014

 

 

 

 

 

 

choro de criança

 

 

essa noite ouvi

um choro de criança

em algum lugar

 

fui lá fora

mas não vi ninguém na rua

ninguém na noite fria

 

então quando distraí

ouvi de novo a criança:

 

— era eu chorando alto

em algum lugar bem fundo

do silêncio de mim

 

 

24/07/2013

 

 

 

 

 

 

o leite da clarice

 

 

sueli saía pra trabalhar

e eu não tinha

com quem deixar clarice

muito pequena ainda

quando ela voltava do pré

 

só tinha um jeito então:

— levá-la comigo

pra defender o seu leite

nas mesas de cacheta

e sinuca no osvaldinho

 

sempre de noitinha

quando sueli passava

pra levar clarice pra casa

ela geralmente estava

dormindo no meu colo

enquanto a sorte nas trincas

suava nas minhas mãos

 

 

05/04/2014

 

 

 

 

 

 

quentinha

 

 

eu estava de coringa bêbado

no maior bate da minha vida

no cachetão do osvaldinho

 

o maiorzinho deles

que nem vi entrar no buteco

disse-me com voz sumida:

— tio, tamo com fome

e apontou para o menorzinho

de meleca escorrendo no nariz

no outro lado da rua

 

a vaquinha deu justo

pra quentinha de picadinho

que sumiu em poucos segundos

devorada ali mesmo

no meio-fio com as mãos

junto com a tubaína

 

com o coringa bebaço

pra não ter sete anos de azar

fiz jus e honrei o tamanho do bate

recuperei as perdas do dia

e ainda salvei uns trocos

pra feira do dia seguinte

 

 

11/12/2012

 

 

 

 

 

 

noia (5)

 

 

não roda mais no gira-gira

não brinca mais na gangorra

nem sobe na casinha do tarzã

só restou o silêncio agora

 

não trepa mais nas árvores

não canta mais com pássaros

não aposta corrida com o vento

só restou o silêncio agora

 

não teme mais a morte

não teme mais a vida

não teme mais o pesadelo

só restou o silêncio agora

 

agora não existe mais dor

não existe mais espaço

não existe mais tempo

só restou o silêncio agora

 

 

26/02/2014

 

 

 

 

 

 

décio de toledo

 

 

eu desço do trem

no jardim romano

cagado de medo

subo altas horas

a décio de toledo

 

imensa solidão

pesa sobre mim

ouço meus passos

na rua deserta

na noite sem fim

 

em algumas casas

na décio de toledo

noturnos jardins

espalham perfumes

de dália e jasmim

 

 

13/02/2013

 

 

 

 

 

 

dormentes

 

 

calam-se dormentes

em seu descanso de pedras

deitados entre os jardins

helena, noêmia e romano

 

alastram-se adormecidos

em seu leito ferroviário

em completa solidão

e no silêncio mais surdo

 

dormem como uma criança

os jardins das oliveiras

e o itaim paulista completo

 

dormem em silêncio tão limpo

que não sei mais a diferença

entre silêncio e esquecimento

 

 

20/02/2013

 

 

 

 

 

 

epitáfio

 

 

quando eu morrer

escrevam na pedra:

 

era triste e alegre

ria e chorava

por qualquer coisa

e quanto mais detestava as crianças

mais era amado por elas

que não largavam do seu pé

 

era amigo dos amigos

nunca teve inimigos

e a bem da verdade gostava

de uma cachacinha mineira

então se beberem a ele

nunca esqueçam a do santo

 

não cuidem do seu túmulo

deixem que o tempo passe

os bem-te-vis cantem

e o mato cresça

 

 

25/03/2013

 
 
[imagens ©eikoh hosoe]
 
 
 
Akira Yamasaki. Poeta e ativista cultural, mora no Itaim Paulista, bairro do extremo leste da cidade de São Paulo, desde 1964, vindo de Osvaldo Cruz, cidade do interior paulista, onde nasceu em 08 de agosto de 1952. Em 2012, produziu e realizou o lançamento pelo projeto memória musical e poética em São Miguel Paulista, do seu primeiro livro/cd, intitulado Bentevi, Itaim, com poemas inspirados no cotidiano do bairro onde mora há mais de quarenta anos, e que refletem e discutem o homem simples da periferia esmagado pelo anonimato na grande cidade, postados em seu blogue — o Blog do Akira —, no período de dezembro de 2009 a junho de 2012. Na Cia. do Metropolitano de São Paulo – Metrô, onde trabalha desde 1987, idealizou e responde pelo projeto "Metroclube", em que desenvolve atividades artísticas, culturais, recreativas e esportivas para os metroviários e seus familiares.