sem título | leonora weissmann | monotipia | 30x24 cm | coleção particular | belo horizonte, mg | 2002
 
 
 
 


 

O conto [trecho]

 

 

A inevitabilidade de esse acontecer assim por essa forma surgira de um lugar incerto. Nele nela, num quando e circunstância que antecipava os dois. Nascera n'algum estranho, desarvorado mito. Não era, portanto, como se jamais tivesse duvidado de que aquilo era preciso. Da necessidade, da inevitabilidade, daquilo, é o que digo. Pensar pensava, e pensava mais ainda, sobre se era preciso, se era inevitável e necessário que viesse a ser. Ou não, se não era nem necessário, nem inevitável nem preciso. Passava assim os dias a equilibrar-se, ou desequilibrar-se, no mesmo pêndulo. Era ou não era, evitável, inevitável, certo ou errado, normal ou absurdo, preciso... Impreciso. Totalmente impreciso, é o que era. Mas vinha, sim, viria, assim mesmo, tanto que veio.

 

 

 

Razão

 

 

Para mim algumas vezes é preciso que cada texto que eu escreva inscreva dentro de mim mesma uma necessidade. Assim veio à luz o conto "Na escada", como algo que precisava dizer, ou dizer-se a si mesmo, a escrita criando a sua realidade e a sua carne na própria enunciação. Talvez os linguistas chamem a isso de linguagem performática. Mas a única certeza que tenho é de que tinha certeza do que precisava ser feito, ou dito. Cada palavra eu pesava na mão como se fosse um seixo. Não sei se é assim que o texto é percebido pelo leitor, mas foi exatamente assim que o escrevi.

 

Já escrevi, há muitos anos atrás, com a necessidade expressa de deixar aflorar o lirismo. Mesmo que alguns contos tivessem me agradado bastante, achava que andava à caça ali da bela imagem e não é essa a minha ideia do fazer literário. Com o tempo essa necessidade gastou-se a si mesma sem que eu tivesse tido de publicar os seus resultados.

 

Agora escrevo com a necessidade oposta à do primeiro conto. A de não dizer. Essa história que escrevo não quer se contar a si mesma. Não sei o motivo. Algum trauma, talvez. Fica difícil escrever assim, razão pela qual não tenho feito muitos progressos tentando dizer o não querer dizer. Os paradoxos são pedras no meio do caminho. São eles que nos fazem parar para olhar com cuidado o percurso ao invés de querer sempre, de qualquer maneira, alcançar um fim. Só o que nos embaraça é o tempo breve.

 

 
março, 2014
 
 

 

 
Sueli Cavendish (Recife/PE). Doutora, pesquisadora e professora de Literaturas de Língua Inglesa (UFPE), editora de Eutomia — Revista Online de Literatura e Linguística, autora de traduções de textos ficcionais (vários inéditos de William Faulkner — "Carcassone", "Havia uma Rainha", "Aquele Sol do Anoitecer", "Ad Astra", "A Tarde de uma Vaca", etc.) e ensaios em Teoria Literária e Filosofia.