primeiro presságio

 

 

comida caseira, oásis restaurante n-

um campo de cinzas

 

tempestades de saudades de casa rodam Atmosfera Cerrado

caminhoneiros almoçam treze reais à vontade

insetos de areia circulam a construção protegida por uma tela

 

de céu azul,

 

a comida: fibra da carne negra — aço no caldo feijão grosso,

sustenta corpos o resto do dia, enquanto enormes

são as procissões no pátio da Bunge

 

: rebites são devorados com café

as melancias tira-gosto

 

 

 

 

 

 

regresso à viagem

 

 

entrelaçados de capins ressequidos deslizam no asfalto

regresso à viagem rumo outra Atmosfera

a claridade e o horizonte profundo de uma plantação de grãos

dissipam umas últimas lembranças urbanas

 

as trêmulas e embaçadas imagens de 400 km distantes

 

Outro pressentimento

cores super-vivas e criaturas elétricas

exigem carona no posto de combustível fantasma,

o mesmo dos estragos latentes (com

caminhões enamorados

estacionados

e cavalos repousos de capôs levantados)

 

prosseguimos hectares ao sul

 

réstias do sol finalizada a tarde

atravessam o para-brisas com adesivos empoeirados

despachamos assim os últimos espectros, seguimos

adiante paralém

 

 

 

 

 

 

nenhuma sereia serena

 

à margem do rio, terra vermelha — noite açafrão

aceito o convite proposto pelo céu

um caminho de constelações acesas Meu corpo,

vaga-lume das estrelas

uma embarcação à deriva

à procura dos mistérios envoltos nas cercanias do capinzal

A noite adensa provocações e convites

embalo das águas, sobe-e-desce das canoas

cricrilar dos grilos

 

nenhuma sereia serena

 

baldio entre brumas,

namoro os aspectos fugidios

assombros vaporosos atrás de arbustos

assobios de seres estranhos imaginários

ninfas vulneráveis zanzando névoa Eu selvagem,

córrego de signo esfomeado pela quinta

sofrendo com alheia beleza da terceira

margem — onde as galhas ferem meu curso

semiárido de quebradiça

pele-agreste

 

 

 

 

 

 

quarto dos aracnídeos

 

 

No fundo da casa o quarto dos aracnídeos

de cascos vazios emborcados

de emboscadas caminhos de teias

de segredos embaulados: um bosque

 

A memória depositada num cômodo

abandonado

um museu de louças quebradas

com pôsteres encardidos

 

e avaliações semestrais

 

 

 

 

 

 

Sunday Parnayba Beach

 

 

curumins bronzeados equilibrados nas beiradas

penetram boias vaginas de pneus

 

[desaparecem determinado instante

 

O rio cristalina veeiros de saudade

devir de águas passadas,

náufragos de canoas na Ilha do Amor

Caminhões vermelho-trovão dilaceram na paisagem

outra ponte-divisa Piauí-Maranhão

 

garotos bronzeados reaparecem, trigueiros

como que mais graves após um rito primitivo

 

piaus fritos festejos com limão

surf-music embalos do coração

 

 

 

 

 

 

*

 

sobre a cama

livros lençóis e almofadas, forjam

domésticas dunas oníricas:

dois corpos lassos coreografam

a paisagem do aconchego

disto tudo:

dos mundos impressos nas páginas — voo das aves matutinas

dos galos cristalinas manhãs,

 

da calma sedutora de um copo de leite

sairemos ilesos?

ou será uma demanda do tempo, tic-tac

dos ponteiros do peito...

 

 

 

 

 

 

a cidade revisitada

e seus leões

 

I.

 

 

tambores e fumaça

inauguram a dança do fogo

 

os filhos-do-sol

convidados ao meio-dia

riscam a praça em chamas

 

banhados de suor

bronzeados com pólvora

 

 

 

II.

 

neon HOTEL

 

 

consertaram as lâmpadas queimadas

Tabuleta, não te quero mais L.A. Woman

 

tuas garotas topless vermelhas, teu bilhar solitário

 

os riscos nos muros danificados

meus beijos adocicados

 

 

 

III.

 

retorno às causas natais

 

 

a cidade revisitada

já abriga os fantasmas dos amigos

seres feito sombras e lembranças

mistos nostálgicos, madrugada mais difícil

a cidade revisitada

ainda habitada pelos mesmos morcegos

os mesmo bares dissolvidos sempre cedo

atalhos apagados, segredos preservados

a cidade revisitada e sua pólvora

os ônibus / os mesmos:

enfurecidos na noite vermelha

 

selvagem coração, a cidade revisitada

transitória faixa emoção

 

 

 

 

 

 

doce é a tarde dos metais

 

para Carla Machado

 

 

desvendando gavetas, veredas domésticas

atravessar a casa de pés descalços

à procura do açúcar

 

as formigas migram, entram no perímetro

das laranjas que despencam sorridentes

 

acolhidas numa bacia com versos caseiros

 

 

 

 

 

 

roteiro de nascimento da ave

 

 

14-11-2003

 

gavetas veredas domésticas

 

 

28-06-2013

 

laranjas despencam

despencam sorridentes

 

(bacia de versos caseiros)

 

 

30-06-2013

 

...formigas migram...

 

30-07-2013

 

I.

 

desvendando gavetas, veredas domésticas

atravessar a casa pé-descalço

à procura do açúcar

formigas migram

laranjas despencam sorridentes

 

 

II.

        

desvendando gavetas, veredas domésticas

atravessar  a casa de pés-descalços

à procura do açúcar

 

as formigas migram, entram no perímetro

das laranjas que despencam sorridentes

 

doce é a tarde dos metais

 

 

III.

 

doce é a tarde dos metais

 

desvendando gavetas, veredas domésticas

atravessar a casa de pés-descalços

à procura do açúcar

 

as formigas migram, entram no perímetro

das laranjas que despencam sorridentes

 

 

[+]

 

 

DESEJOS GAIVOTAM

 

[trecho excluído da versão final]

 

 

 

 

 

 

rodoviária dos corações alados

 

 

viúvos em colunas de concreto puro ou assentados desertos ao batente

os homens acreditam num expresso para o norte

(as bagagens com lembranças apanhas,

os delitos cometidos)

Quase não há movimento no único corredor empoeirado

 

quase,

 

quengas ainda insinuam derradeiras possibilidades

conduzidas por Raimunda Fulô — vendedora de bolo doce

traficante de toucinhos e açúcar caramelado

As horas dependuradas num dos guichês de bilhetes

[paralém]

é

constantemente

consultada

 

no pátio rodoviário vazio, numa crescente

revoadas, as coisas, quase, parando

 

 

 

 

 

 

tempero meu verso com sabores moídos

 

 

Aquele animal amarelo

invasor

quando a tarde cai sobre os lençóis,

que na casa silenciosa reside

 

A fumaça da brasa sensual

sonhei com Teresina Mexicana

Praça Pedro Segundo Pimenta Calabresa

 

algumas verduras brotam sem fúria

a música é qualquer som enferrujado

o barulho agreste de um despertador

que acorde a tarde

 

Os ventiladores moinhos de ventos

baratas, baratas viciadas em baygon

 

 

 

 

 

 

sons de sedução, vasta atmosfera

 

 

motocicleta cem cilindradas invade uma plantação de soja

tripulantes os corpos movediços rascunham o plantio alheio

precipícios na relva imaginária, efusivos gritos de claridade

 

nossa imagem encanecida: um trêmulo videoclipe

 

 

 

 

 

 

vermelha vila vagarosa

 

 

entre cacarejos dos galos vizinhos

correria metálica de folhas secas no átrio

alto-falante uma caminhonete anuncia

Estreia do Campeonato de Futebol Municipal

 

aderimos ao musgo,

lesmas da antiga parede esverdeada que somos

 

ventura as carnaúbas distantes

o quintal de uma casa cheia de netos:

frutas airosas, inocentes os desejos

 

tudo bem,

um pouco mais de velocidade

os meninos afoitos ao rio

as redes com renda de crochê balouçando nos alpendres

 

no aluvião dos sonhos

movimentos despropositados da argila manhosa,

dos aguapés chapados de erva

 

TODOS EXECUTAMOS O RITMO DAS ÁGUAS

 

 

 

 

 

 

Piauí Sul Experiências

 

 

ao poeta Rubervam Du Nascimento

 

 

quando escrevo cerrado digo

 

 

metafórica camada regional com salgadas imagens carregadas enferrujados materiais retorcidos sob as nuvens de contorno grave assombros vaporosos que invadem terreiros alheios percorrem hectares de grãos desaparecem depois desapercebidos montados numa égua cega no cio o destino sempre paralém

 

 

quando escrevo cerrado lembro

 

 

mangas verdes o cheiro de sal resto da tarde início do dia insinuações crepusculares entre os ásperos caibros com felpas transfiguras no teatro parede amarela cerâmica antiga sambraspectos sensibilizados pelo meu ser moreno fotografias sépia da infância cidade natal souvenir um viagem de férias tesouros do fundo do rio

 

 

quando escrevo cerrado leio

 

 

velhos encostados na antiga parede da casa dos temperos os sabores moídos condimentos ingredientes da tarde mistério quando cachaça e fumo tragadas com suor quando a agitação das folhas secas mortas saudades de casa quando laranjas despencam sorridentes no átrio dos antigos sobrados sem o brilho falso

 

 

quando escrevo cerrado vejo

 

 

insetos de areia duros no quarto abandonado dos aracnídeos no corredor dos passos lentos Bulbasauro um sapo que alimento ancião designado para fechar o dia amortecer desejos de corpos inclinados na rede reacender vaga-lumes ou as ninfas vulneráveis sensualizando  alho no quintal baldio

 

 

pronuncio cerrado falo

falo

 

 

 

 

 

 

bichos-madeira à beira de um incêndio

 

 

abutres que campeiam em círculos

vigiam preguiçosas cadeiras de espaguete

ao meio-dia: ermos caminhos

e o gosto do arraial quieto

o rio baixando as águas

promete praias ribeirinhas

carnavais dentro da época do fogo

algum ser desvairado, sem cavalo e desarmado

enfrenta a claridade e a umidade zero

atravessa deste modo a Rua da Areia

com salamandras assassinas em chamas

balas-olhares da quitanda agreste

ao meio-dia: emaranhados de galhos secos

e tempestades de saudades de casa

 

não há saídas para o forasteiro,

o destino primeiro é sempre o rio

 

 

 

 

 

 

alguma sereia serena

 

 

o resto da tarde insinuada entre caibros

transfigura no teatro de paredes amarelas e cerâmica antiga

(o último quarto, um porão sépia fotográfico)

sombraspectos sensibilizados pelo meu ser sereno

 

garrafão cachaça, insetos conservados

aquário, caranguejeirantes aranhas vivas

rupestres desenhos domésticos, telhas encardidas

sem verniz

 

mangas verdes cheiram sal, devaneio

já estou distante da casa — amigável numa quinta vegetal

 

bravios galhos estalam, as  frutas ao chão

gravura no corpo um segundo pressentimento

a mensagem pássaro de silêncio

 

ao encontro das águas mistério

meu olhar à toa, mal ouve ruídos seresteiros

(festejos da terceira margem) desemboca n-

um verso revisitado: Alguma sereia serena

 

 

 

 

 

 

Anúncios falantes intrometidos na cozinha

 

 

I.

 

 

informamos que: A Praia do 30 Boi

já se encontra disponível para visitação

 

 

com garotas bronzeadas

equilibristas

cipós e aguapés chapados de erva

piaus fritos festejos com limões

 

e mais

 

um parque de plantas aquáticas

com simpáticos anfíbios anfitriões

 

caso da paisagem não observares nossas imagens

entres em contato com as águas, reclames paralém

 

 

 

II.

 

 

neste sábado GRANDE SERESTA Beira-Rio

 

 

local

terceira barraca

o rumo das águas

 

 

horário

quando coaxam os sapos

e

as muriçocas

seres furiosas

 

 

 

[imagens ©jerry uelsmann]

 
 
 
 
 
 
 
 
Rodrigo M Leite (Teresina/PI, 1989). Poeta. Formado em Letras - Português. Desde 2010 edita o blogue A Musa Esquecida [amusaesquecida.blogspot.com.br]. Publicou os livretos poéticos A Cidade Frita e Zona Sub (espécie de bairro d'A Cidade Frita). Tem publicado poemas em jornais, revistas, sites e antologias. Atualmente reside na Atmosfera Cerrado [atmosferacerrado.blogspot.com.br], seu segundo livro-projeto/estético. Mais: https://www.facebook.com/AtmosferaCerrado |  https://www.facebook.com/acidadefrita.