©francesca woodman
 
 
 
 
 
 
 
 
 

POESIA OU É A VIDA?

 

 

é só ficar

atento

e distraído:

 

tudo acontece

em fração

de instinto!

 

 

 

 

 

SOB OS LENÇÓIS

 

 

É fria a noite

e os pingos na pia do banheiro

acordam outro poema

— parceiros inseparáveis:

Eu, a Água & a Noite

e o seu Cheiro

penetrando tudo

sob os lençóis —

salivo de amor:

 

Outro Banquete!

 

 

 

 

 

CHUVA NA TARDE NÉON

 

 

de novo o amor

quer se instalar

nesta tarde.

 

chove! e logo vem

a vaga lembrança

de infinito...

 

mergulho! e te espero

 

feito o suicida

que quer tudo

nesta vida —

 

menos a morte!

 

 

 

 

 

CIDADEZINHA

 

 

cidade pequena. quase do jeito que eu gosto.

a praça o coreto a rua direita a rua da matriz

a delegacia a prefeitura o posto de saúde

outro posto dos correios e quatro agências bancárias.

escola só vi uma. gente desdentada vi várias. e

um viveiro de peixes! cidade do interior é estranho

é natural. é a minha infância! uma alma tão grande

num espaço tão pequeno. depois a gente cresce

e fica tudo vazio. um dia ainda volto e

encontro a alma gigante que eu deixei lá

na minha cidadezinha — a menina!

 

 

 

 

 

O DIA EM QUE O TEMPO PAROU

 

 

Ah, o tempo o tempo

 

Devia ter parado

Exatamente ali

Onde os meus olhos

Pousaram em teus lábios

E a terra parecia

ter invadido o céu:

eram tantos anjos

acendendo feito vaga-lumes!

E nós ali estáticos

Rindo feito loucos

Como se nunca fôssemos

Envelhecer!...

 

Ah, o tempo o tempo

Você parou sim

Agora me lembro:

 

Eu & ele

é que tomamos vagões diferentes...

 

: mas, toda vez que volta a insônia

eu preciso regressar ao dia

em que o tempo parou

 

e, éramos tão jovens que

nem soubemos perceber.

 

 

 

 

 

RELIGARE

 

 

A palavra se quebra

em todas as partes do

 

c

       o

              (r)

                      p

                            o:

 

cada fonema inteiro

me religa a Deus.

 

 

 

 

 

 

ODE MARGINAL À MUSA

 

 

Sinto às vezes que me queres

em teu ombro:

— papagaio de pirata

Pinocchio do Gepeto

cachorrinha de madame —

mas, eu sou bicho-grilo!

Falo / canto & arranho

e não gosto de mentiras:

 

— a Musa está nua esta tarde!

 

Se pensas ser isso uma crítica

é porque não viste o meu pau duro

por ti.

 

 

 

 

 

PALIMPSEXO

 

 

Sair da autofagia

afagar a fagia

A fadiga

/roda dos tempos/a rosa na ponta

dos espinhos

 

sangra

mata

goza!

 

& morre...

 

vazio                             silêncio

 

 

absoluto

 

 

Amor é a canção! muda

 

meus dedos em teus pelos

    — raízes famintas

em busca

             do líquido amniótico

 

Teu sêmen!                 Minha flor!

Minha pele                  Teu palimpsesto!

 

a escrita sagrada:

palimpsexo!

 

 

 

 

 

 

BAGAGEM

 

 

A vida não é justa

 

    é estreita quente

& úmida

    onde você penetra

o seu medo de falhar

 

Não, Amor, eu não posso carregar os seus medos

 

Estou retida na alfândega

há séculos

por excesso de bagagem

 

 

 

 

 

 

PÉTALA POESIA



Um arcanjo de pétalas

desdobra asas

 

origami de palavras

em folhas soltas

voam os sentidos

 

na leveza do verso

flutuam letras e risos...

 

Eu sonho!

 

 

 

 

 

 

UM POUCO DAS PEDRAS & DAS NUVENS

 

 

"a nuvem que de ambígua se dilui

nesse objeto mais vago do que nuvem

e mais indefeso, corpo!"

Drummond

 

 

Pedras são pedras:

coisas pesadas que evaporam.

— tim tim!

O gelo derrete

A amizade aflora

e tudo, oras!, não passa

de um panfleto

atirado ao esterco

— reciclagem! palavra moderna

que garante ao efêmero

toda a eternidade.

 

Quando todos os livros

tornarem-se pixels

nós estaremos na estante virtual:

— Das Coisas Prosaicas Do Século Passado —

destituídos de nobreza

de pedigree — ou

griffe

 

mas estaremos lá: 'os vagabundos iluminados'

em busca de alguma luz & sempre

com a conta

da energia elétrica atrasada.

 

mas estaremos lá:

resistindo

resistindo...

 

e buscando

na poesia

muito mais que o verso:

 

talvez, quem sabe, uma vida

que — verdadeiramente

valha a pena

ser contada.

 

Pedras são pedras...

lá nas nuvens

aguardando a bendita hora

de transmutarem-se

em

 

chuva a/ben/çoada

 

 

 

 

 

MOIRA

 

 

a  Carmen Silvia Presotto

 

 

Há tempos eu sonho

Com o espaço da delicadeza

Onde mais do que

Coisas

Ideias

Pessoas

Acumuladas e esquecidas

Temos um fluir de contemporaneidade

 

Esquadrias-vento

 

Que libertam

Janelas

Ventres         pensamentos

 

O destino escapa das mãos

Porque, em verdade, nem sequer existe.

 

Tudo o que há são linhas

 

Caminhos

 

Eu vejo

E escuto

E chamo

 

E oro para que não faltes

ao nosso encontro.

 

Poesia é o lugar!

A hora é sempre.

 

e o dia?

 

O amor vai nos revelar.

 

 

 

 

 

 

A GENEALOGIA DA ÁGUA

 

 

a Claudio Willer

 

 

"E sem velho livro ela vence-o".

Mallarmé

 

E então você me disse que eu posso

deixar de ser a terra crua e devo

me deixar arder

cozinhar               ferver

e me transformar!

perder a estrutura de lesma

e viajar! ao complexo das fadas

o paraíso fiscal

onde nada vai nos pertencer

ou tolher

sequer mallarmar...

 

Há de existir um mundo livre!

 

    de margens

    e de imagens

 

os cartões difamatórios do sublime e

do sagrado

 

Há de existir o homem-pás

sa(r)ro

 

o homem-fácil

   que ama

   sem precisar interface

 

o homem-sem-rosto

   todos os rostos nesse homem

 

a identidade maior

    ursa e fêmea

                        e cada

passo impreciso

 

eu aprendo! o caminho

da ebulição

com as nuvens

 

(o lado ruim do sol

depois de um tempo

    fecunda & nutre

    deixa-nos fortes

e íntegros)

 

e mutantes

como a água

 

: somos imortais!

 

 
 
junho, 2013
 
 
 

 

 
Lou Albergaria (Ponte Nova/MG). Poeta. Publicou o livro O Cogumelo que Nasce na Bosta da Vaca Profana, pela editora Vidráguas, em abril de 2011. Economista, é nas Letras e na Filosofia que encontra a melhor forma de expressão. Mais: http://loualbergaria.blogspot.com.br.
 
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