fogareiro

 

 

preciso do verbo inteiro

do inodoro

do condimento

do contigo comigo

do adendo

 

preciso do papo

do cheio

do furado

do resolvido

do atravancado

 

preciso do movimento

do rastro

da rua

do voo

da lua

 

o burburinho

a declaração de amor

a buzina o silêncio

o grito do xingamento

de tudo isso me alimento

 

e ardo sem unguento

 

 

 

 

 

 

vicissitude

 

 

nos olhares que esquartejam

coagulam gotejos vermelhos

 

nos ouvidos que espreitam

perscrutas sem velas não velam

 

na boca cerzida franzida

insígnia lâmina língua

 

no tato sem tato

arrancada casca ferida

 

no corpo rijo árido incontrito

já não verte nem concede

 

não abdica imola ou esmola

altar de cimento perfídio

 

 

 

 

 

*

 

 

rangem teus dentes

o beijo desce em veios

veias artérias vísceras

 

e me chamas calmaria

 

 

 

 

 

 

molhada

 

 

há dias que sou poente

cisco reluzo pisco cílios

há dias que sou água

verto palavra molhada

(dis)paro (es)corro

tropeço nas calçadas

vielas rotas sou alagada

 

lá fora essa chuva quente

 

 

 

 

 

 

cobiça

 

 

concreto rumino

apeteço abstrato

 

minha memória centelha

 

 

 

 

 

 

mínimas máximas

 

 

nesse teu enredo

até a rede geme

 

e treme

 

 

 

 

 

 

cabra cega

 

 

o insólito

o crônico

o castigo

 

o ilógico

o despropósito

o purgatório

 

a escassez

o último freguês

a insensatez

 

a porta cerrada

a gaveta presa

a conta não paga

 

o beco negrume

o trem perdido

o osso exposto

 

o subjugado

o sonegado

o arremedo

 

quem passa faz que não olha

aperta o passo passa batido

palavra porrada incomoda

 

 

 

 

 

 

disritmia

 

 

tem um olho que é perfeito

vaidoso não tem vertente

vira revira nunca borra

 

tem um outro que é direito

medita borra não tem jeito

esse olho sempre chora

 

é de cor serenada

 

 

 

 

 

 

falácia

 

 

nos dentes

polpa

e caroço

no goto

esse sumo

esforço

 

quem dera

gozo fosse

 

seriam flores

 

 

 

 

 

 

linguística

 

 

cabeça cheia desatino

palavra vadia conspiro

 

cama de gato

 

 

 

 

 

 

*

 

 

dias aquosos

você e eu

tudo tão remoto

 

ampulheta

 

 

 

 

 

 

pandora

 

 

de fato(s)

poesia

não faço

 

metáforas

 

 

[Poemas da série "Carvoeiro"]

 

 

 

 

 

 

 

[imagens ©edward weston] 

 

 

Márcia Abath (Niterói/RJ). Poeta, formada em Relações Públicas pela FACHA/RJ. Publicou Arqueio (poesia, All Print Editora, 2013). Em abril de 2014, lança Molho de letras (poesia, Editora LiteraCidade), 2º lugar no Prêmio LiteraCidade 2013. Vive em Teresópolis/RJ.