"Young Soldiers Dream in the Garden of the Dead with Flowers

Growing from Their Heads"  |  Duane Michals  | 1995 

 

 

 
 

 

 

 

bem-aventurados os poetas que morrem cuspindo fogo

 

 

bem-aventurados os poetas que morrem

cuspindo fogo — trôpegos de indignação

luminosos de crítica e antologia

suados e frios e submundos em cartoneras

coroados gozosos e marginais — a glória a glória

poetas que aparentemente morrem pobres

[antes autografam o túmulo de wilde]

e que mandam os leitores prometidos e futuros

à puta que os parir

às danações supremas

porque poetas morrem bem-aventurados dizendo

que se fodam vocês vivos

vieram dos mortos meus cigarros

e essa jaqueta de hexâmetros

nós bem vividos mal lidos no escuro enigma

mal vendidos até que se faça o contrário — e assim será

então que o nada [que é tudo] os tenha

os bem-desaforados

os poetas de estrela e sangue à página

à pé com um estilo

benditos e saudosos e livres

do verso incompreendido — verbo de ouro

para sempre encoberto pela poeira

pela nova edição que sai em breve

perdição revista e comentada pela crítica

um título bandido e amoroso

aproveitando o dia dos namorados

o nascimento ou mesmo a morte

pois é claro: da morte se tira fortuna

e ainda mais paisagens — ah todas elas

como quis rimbaud enquanto respirava

— armas para poetas tão bem acompanhados

ao serem enterrados ou serem fiamas

e assim ou assados acesos na madrugada

puxando os pés dos acadêmicos gritando

a beleza será convulsiva ou

serenos todos puros e adversos no ofício da ofensa

tão arvorados eternos

publicados pelo vício de refazer o mundo

 

 

 

 

 

 

ladrilátero cognitivo

 

 

se define pela vértice

do texto

talhada no poder dos cantares

 

a matéria da imagem

é que retina qualquer espessura

 

um osso milimetrado pela genética

da palavra a emular as pulsações do zênite

 

talvez hecatombe — um ditado

linguístico de sustos para com o mundo-quintal

desenhado no sangue com a régua da alma

 

mas já co-ângulo

 

porque toda figura permite

o devaneio

 

daí considera a ceia no esteio

tecnicamente avarandada pela realidade

 

e então o plasma das letras

contrapartes

já apessoadas

 

escorpiana

mente encalacradas

no chão das tardes

 

observação:

serve para surtir pétalas de nitidez

na mentira do tempo

 

 

 

 

 

 

das ciências naturais

 

 

1/3

 

amores pedúnculos

largos como todo poeta: animal na ventania

hemáceas em choque

na reta das agulhas fura-se

furta-se liso nas unhas

 

um vidro de versace

vertido no olhar do grande nada:

acaba-se

 

 

 

2/3

 

amores flóreos

todo sentimento é bruxaria feito mordaça de folhas

e nervos regada a magma

 

quedar-se no abismo

arquitetura de rosas multiformes

um brinde aos envolvimentos: derme e ossatura

 

o tecido caracteriza-se

por veneno termodinâmico sem marca

a congruência a manufatura do gozo ao bater das sombras de

um abutre: orquídea negra pelos ares

 

 

 

3/3

 

amores na medula

entranhados no rio de cipós sanguíneos

traz aquele que não ceifa e tempera

a lavoura das páginas

 

imagem e semelhança que desmorre

imperando nas calles no quintal das delícias

e que se perde entre bulbos

o cérebro

células tronco de metrópole

raíz e varanda

 

o próprio antídoto

 

 

 

 

 

 

um rito floriforme

 

 

o caule entre as palmas das mãos

no atrito que consterna as pétalas

no movimento

o giro do mundo-corpo

 

impávidas

 

até o mar surgir ejaculado

espiral em câmera lenta

inundando sem volta

o jardim das cruezas

 

 

 

 

 

 

anunciação do fim da manhã

 

 

quem não tem pérgola

que tempeste os ladrilhos

 

tempere com

guelra & paz

 

pérola de sangue

cerúleo tuas artérias

à boca

 

chove nas calçadas

trinca a plumagem o logus

gotas & lutas

 

solamente

solanáceas

 

verdeja perpétua

erva que seja

o telhado ouro brujo

mas o corpo anil

 

tempo oratório

têmpora no etrusco da folhagem   

 

ranúnculo

 

temporal que inaugura o templo

meio dia adiante

 

 

 

 

 

 

queer eye for the straight garden

 

 

o pomo é

inevitável

 

mas a ele

 

cabe revisitar

a costela

 

 

 

 

 

 

extrato

à maneira de Cecília

 

 

sempre tive este rosto de gárgula

fogo fátuo assim forte

assim mármore

a símbolo criado no leite absurdo

do quintal da tarde

 

já tinha estas patas de destino

a garganta triangular na perfeição da moldura

na altura do piano da cor dos castiçais

e este coração gritado

entre pó de estrela e mandrágora

 

sou eu jaguar da mudança

tão prateado tão destroço

tanto cloro espelho e sudário

dando acesso à indagação convulsiva

da sombra tebana:

 

que compasso ousa o primeiro círculo?

                  

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Leonardo Chioda é escritor. Graduado em Letras pela Universidade Estadual Paulista, estudou literatura italiana, história do teatro e poesia portuguesa na Università degli Studi di Perugia. Escreveu Tempestardes (Patuá, 2013), integrante da Coleção Patuscada, ganhadora do ProAC 2012. Tem poemas traduzidos e estudos sobre literatura e simbologia em diversas publicações virtuais e impressas. Dedica-se à leitura de imagens e se destaca como um dos principais nomes do Tarô no Brasil.  Mais: leochioda.com