*

 

É preciso do sim, além

o eu-consigo devo dizer-te:

órgão de estrela partilhavas

no assombro das brancuras.

 

Sabê-lo de vermelhecendo,

calado em vozes de gramofone:

ainda, ainda eu e eu

entre as bordas de tua memória.

 

Pássaro na axila gestante

em cinza-de-fênix cristalino

— terias a cor de teu nome

que pensas não pensar.

 

 

 

 

 

 

*

 

A pérola, amanhã,

designa a crueza do céu.

 

A pérola fluido-dizer,

ouvindo ao além se alumbra

ao mar, aquém.

 

Postulado em que inexista,

fotografa: ossos se vibram vívidos

no amplamente fluindo.

 

O escuro lago desde a pluma

— a pluma fremindo

decide o imo da pérola:

um ápice chuvoso.

 

Frontes em diante fogueando,

aqui de tu se emparelha

um vértice celebrino, esponjoso:

 

não olhas de peso,

passeias o fino capilar

do olho-no-olho.

 

Ontem, eras toda esperar-me,

ontem, crias de ontem.

 

 

 

 

 

 

*

 

Escreves distância,

de que pude sonhar uma frase.

Haveria no eclipse

tuas todas direções?

 

O pêndulo das folhas

no outono-à-outono trêmulo,

que evaporastes vazia

em tua desmudez.

 

Como um sono abrasado

em braços de rio de palavras

despetaladas de línguas:

 

a decisão das floras, o

alí de tua escrita,

assim e eternamente

assim: o próximo próximo

— prazer de avessos, um

côncavo de eus e tus.

 

Eras como outra ninfa

cavalgando um ciclo de vogal.

 

 

 

 

 

 

*

 

Contornos, dois.

Traços de montanha

encontram a origem.

 

Um mesmo sal das almas,

em fluxo oposto      

o sabor da luz selada

na ruptura de um sopro

— um outro movente.

 

O cessar do tempo, em cada retina,

cada gesto andarilho,

turvou-se no pó da fala:

escarlate, anunciadora.

 

Fez um elo salta-voz

à parte dos lábios,

a visão: papel-palavra.

 

 

 

 

 

 

*

 

Adiante, que cintila tua estrela!

Fel e flor, visão da aurora,
embora cedo despertemos.


À hora estúpida, passada 
tarde para caminharmos, um
outro agora: nossa morada.

De mim mesmo naufrago
se te tornas com a palavra,
olhos de âmbar e mito

que me aportam o espelho:

e dormiremos sobre o nada,

e serei eu o teu barqueiro.

Te aprendo mais de cor
que um inverno de oferendas,
ainda que sobre tuas mãos
estivesse eu-jorro derramado


e me tivesses por promessa
sempre um outro insabido.

 

 

 

 

 

 

*

 

E descemos,

velas no horizonte,

teias de estrelas se inflando

rumo àquela fonte,

como a fibra dos remos:

 

língua, seda aquosa,

ponta carvão na folha,

e não a perfura,

única em brancos

desatados de nossa estória.

 

Entre-atos e tinturas:

um jorro moldado no lar,

espesso, esguio, espaço

fora, dentro e sempre

desenho-signo de brevidade,

sob ondulações machadas.

 

Recolhemos lume em penumbra,

transplatamo-lo em vozeadas

repletas de vazios vibrantes,

como cegas cortinas compondo-se

sobre o deslize do casco,

eternos no éter lunar.

 

 

 

 

 

 

*

 

I

Meia-pérola,
ouço sinos & oboés
— livre na letra:
enigma.

Flor espraiada
na retina larga,
sopros à brisa:
voz.


II

Agora, ensemble:
deliras sobre o pano
bruto,

ou pano de gravidade
— gravidez? —
acústica-oca
no compasso-caminho.


Mesclas céu e cimo,

grã-notas;
este eu
que se tenta forma,
escama, cristal, no ar
se evola.

 

 

 

 

 

 

*

 

 

para Piero Eyben

 

És o que sucede ao fogo bruto,

um instante eterno, houveste

de dissolver o Segredo.

 

À forma, fortuna dos viventes,

és insígnia de virtudes,

habitas teu núcleo.

 

De memorar-se poema,

rumorejas uma herança, vazio

espaço de teu nome.

 

Deslizam a ti constelações,

É tempo! Tens o silêncio,

Escama da página.

 

Outros de ti, o espírito

Alerta: é outono, poeta, herói,

Fixa teu espelho alhures.

 

 

 

 

 

 

*

 

O mármore dos sonhos
remira a intensidade
das praias como luvas
envolvendo meu sono.

E endureço a plumagem
se flutua o pulso soprano
da orquestra abissal que
tornou maestro o olor.

Vertendo chuva de anis
sobre a árvore tecida
como brasa à meus pés,
longe da essência finita,

o direito à aurora emana
de mil prateados fios
na louvação que aprisiona
o eco da luz em fel.

Hóstia: delineias a sombra,
imanente lume-lágrima
e, inversa de claridade
soa teu negrume celestial.

 

 

 

 

 

 

*

 

A peregrinação da imagem
se conduz no vórtice interno
e a imagem se produz
no inverno do perfume.

A imaginação da página
seduz, na dinâmica ante
a página, a noite e reluz
cambiante o seu veludo.

A vegetação da matéria
introduz grave fortaleza
que à matéria abre a luz
da beleza metamorfoseante.

A materialização da flor
reduz à plana obscuridade
a flor sem fórmula e induz
à intimidade da imagem.

A afloração dos olores
traduz na exuberância
olores despertando nus
na constância da eternidade.

A reimaginação do sonho
andaluz se realiza no devir
de um sonho quebra-luz:
— caíste no espelho líquido?

 

 

 

 

 

 

*

 

Desvelas chumbo e oliva,

não se à foice, nua seda,

tua fita, aquém do corpo,

decepa à estrada-flauta.

 

Sofres o túnel d'amplidão

aberta — urna e feixe —

no ouro arvorado, jardim

à penumbra sem nome.

 

Sequer reverberas o leite,

teu espasmo à noite jaz

esferas em cântaro oco,

desvelas o branco-água.

 

Rouco lençol, em toques

de retorno a dar-se nu,

perfurado ao creme das 

ondas, que te esquece

 

nas colinas, bojo soante

desfrutas, magno tom,

como se a estepe, calva

e reta, abrigasse lírios;

 

o sinal, vento das almas,

segredo de terçeira parte,

em nada o verso extrai,

remonta, álamo e solidão.

 

 

 

 

 

 

*

 

Para esquecer da noite,

cem noites já brancas.

Nada mais: a flor foi

destilada, branca de sol.

 

Cega, a estória é vapor

e em seguida, ânimo,

que umedece o papel 

com seu mel mudo.

 

A cada feixe liso de duna,

corpos evaporam o gesto

antes que exploda

sob o silêncio fecundo,

 

à certeza do que é obscuro

(o inferno soa como

maçãs para a fome)

chamam de poetamenos.

 

O brilho do vazio volta

como grãos de orvalho

na noite sem noites:

finda a morte em flor.

 

 

 

 

 

 

*

 

E transvio-me à Ponte

diva irmã-de-sangue

aos espaços, vãos em 

naus de inverso fluxo

por passagens fictivas:

 

(sopro-purpúreo,

desvario)

 

Esta língua entre-soa

à poeira do mar-vibrante:

naufraga e encontra

um doce olor de acácias mortíferas

na pupila salitrada.

 

De laços desatados,

rubis bilham convexos,

arqui-potentes de insígnias,

sem nenhum descanso;

 

o hálito etéreo corrói 

de esmeralda

a abóbada profunda,

nervuras em prisma

celestial

— lume adormece palavra.

 

 

 

 

 

 

*

 

Vivo-te de imensidão
como a ostra ensina a areia,
favas de lírios nas encostas
habitando o teu roteiro;

o silêncio também cindindo
um fiapo de fogo imóvel
por nossas bocas derramava
o mel das limas em botão.

Dormia planante o espaço,
opaco ventre de teus brincos,
a luminosa escuta te abrindo
a profundez dos seixos.

 

 

 

 

 

 

*

 

Outro, cada mais te vejo 
à
transparências, teus teoremas
de cisão em cisão, e
remorsuras a inconsciência,
espírito dos mesmos.

São os dias em que vens
sobre os tantos das estantes:
como um cego,
como um luminoso escrever?


Ó frágil dilema das horas
de passagem por nós,
outro-eu impossível,
que talhas à fogo, no perfume do frio
às intempéries do devir.

Mastiga lótus, rubor tardio,
tu-silente nas bagas
defloradas sobre azul dos campos,
teu dulçor agora pressinto.

 

 

 

 

 

 

[imagens ©matthew cusick]

 

 

 

 

João Foti. Poeta e universitário de Letras na Universidade de Brasília (UnB). Bloga em www.cadernodamaisaltatorre.blogspot.com.