©marco máximo
 
 
 
 
 

 

A mídia martela em minha cabeça que o mundo anda cada vez pior. Afirmado, provado, visto, comentado, flagrado e analisado pelos diligentes jornalistas, não há como discordar da insistente afirmação. Entretanto, há um passarinho inocente, melhor dizendo, desavisado, que cisma em cantar num galho em flor na varanda do meu apartamento, como se tudo estivesse muito bem e o mundo, apesar de maravilhoso hoje, ontem tivesse sido ainda melhor — pois é todo dia que este Cauby Peixoto miúdo vem emitir trinados cheios de felicidade aqui em casa, faça frio, faça calor.

Digo que é um Cauby porque, o verdadeiro Cauby, quando o encontro, está sempre nesse mesmo estado de felicidade perene e à prova de climas. Não deve assistir televisão. Algumas décadas atrás, talvez visse um pouco. Devia curtir os musicais. Hoje, porém, há pouquíssimas atrações desse tipo. Se ainda assistisse tanto quanto antigamente, viveria preocupado. Atualmente, não há mais um lugar que se salve no Brasil nem no mundo. Afirmado, provado, visto, flagrado e comentado, cada pedaço do planeta ou está poluído, ou em constante conflito, ou passa por crises econômicas ou morais. E, apesar disso tudo, Cauby continua recepcionando a todos de braços muito abertos, enquanto capricha na exclusiva e já folclórica saudação: "Professor!".

Por isso, duvido que assista televisão ou abra os primeiros cadernos dos jornais. Tem isso: a televisão pega a gente de surpresa. No meio da Jornada nas Estrelas, cortam inesperadamente para o motoqueiro sendo atendido no meio da rua, ou para os biguás morrendo debaixo do óleo da Petrobrás. Sem falar nas vezes em que nos serve, sem que tenhamos como não engolir, um prato principal de seqüestro acompanhado de mortes na sobremesa. Ao ler jornais, pelo menos você tem o direito de abrir apenas os cadernos que lhe interessam, e estes podem ser exclusivamente os de esporte e variedades. Não que, com isso, você vá se livrar do mundo visto pelos olhos da mídia. Não. Por mais que você fuja, de uma maneira ou de outra vai acabar sabendo que os melhores artistas, grandes modelos e, enfim, qualquer pessoa importante, geralmente é ou já foi desonesta, ou tarada, ou deprimida, ou drogada, ou simplesmente está estranha. No mínimo Angélica seria imensamente feliz se não fosse a Globo, e Xuxa seria muito mais correta se não tivesse seios de silicone.

Fazemos todos parte deste mundo sinistro, queiramos ou não. Portanto, cuidado ao sair de casa. Aquele céu lá em cima é uma ameaça. Por trás daquele sol brilhante e cheio de vida, daquele azul infinito e plácido, há um mar de azeite fervente prestes a ser derramado em nossas cabeças. Queimaremos já. Nem pense naquela mulher bonita, pois o destino dela já está traçado. Muito antes dos quarenta será assassinada, ou terá celulite, ou câncer no útero, ou, desesperada de tudo, assaltará à mão armada. No fim de tudo, o óleo que vai despencar do céu talvez nem represente uma tragédia. Quem sabe até sirva para cauterizar a Paulista, que está sangrando de sangue capitalista. Muito embora isso seja apenas uma rima que em nada combina com solução.

Sendo assim, não sei se o arremesso contra o candidato ou se aproveito o ovo. Não sei se ligo o computador ou compro um colete à prova de balas. Não sei se choro ou se rio. Não sei se vou à luta ou me suicido agora mesmo. Ou quem sabe denuncio o vizinho, que nunca foi criminoso. Chego à conclusão de que, o melhor a fazer, é pôr mais um mamão papaia lá fora, aos pés da roseira da varanda, pois que é a única maneira de calar o passarinho que continua cantando com uma potência bem maior do que se poderia crer ao calcular o tamanhinho daqueles pulmões. "Conceição, eu me lembro muito bem...", parece que entoa, e eu, no embalo, fico pensando se não devo trinar também. Ou seja, em resumo, muita vez, nos dias de hoje, não sei se ligo a tevê ou se, sorrindo acima do mundo, estendo um imenso abraço e trato apenas de imitar Cauby Peixoto. [Escrito em 2000]

 

 

 

junho, 2013