A
mídia martela em minha cabeça que o mundo anda cada vez pior. Afirmado,
provado, visto, comentado, flagrado e analisado pelos diligentes
jornalistas, não há como discordar da insistente afirmação. Entretanto,
há um passarinho inocente, melhor dizendo, desavisado, que cisma em
cantar num galho em flor na varanda do meu apartamento, como se tudo
estivesse muito bem e o mundo, apesar de maravilhoso hoje, ontem tivesse
sido ainda melhor — pois é todo dia que este Cauby Peixoto miúdo vem
emitir trinados cheios de felicidade aqui em casa, faça frio, faça
calor.
Digo
que é um Cauby porque, o verdadeiro Cauby, quando o encontro, está
sempre nesse mesmo estado de felicidade perene e à prova de climas. Não
deve assistir televisão. Algumas décadas atrás, talvez visse um pouco.
Devia curtir os
musicais. Hoje, porém, há pouquíssimas atrações desse tipo. Se ainda
assistisse tanto quanto antigamente, viveria preocupado. Atualmente, não
há mais um lugar que se salve no Brasil nem no mundo. Afirmado, provado,
visto, flagrado e comentado, cada pedaço do planeta ou está poluído, ou
em constante conflito, ou passa por crises econômicas ou morais. E,
apesar disso tudo, Cauby continua recepcionando a todos de braços muito
abertos, enquanto
capricha na exclusiva e já folclórica saudação:
"Professor!".
Por
isso, duvido que assista televisão ou abra os primeiros cadernos dos
jornais. Tem isso: a televisão pega a gente de surpresa. No meio da
Jornada nas Estrelas, cortam inesperadamente para o motoqueiro sendo
atendido no meio da rua, ou para os biguás morrendo debaixo do óleo da
Petrobrás. Sem falar nas vezes em que nos serve, sem que tenhamos como
não engolir, um prato principal de seqüestro acompanhado de mortes na
sobremesa. Ao ler jornais, pelo menos você tem o direito de abrir apenas
os cadernos que lhe interessam, e estes podem ser exclusivamente os de
esporte e variedades.
Não que, com isso, você vá se livrar do mundo visto pelos olhos da
mídia. Não. Por mais que você fuja, de uma maneira ou de outra vai
acabar sabendo que os melhores artistas, grandes modelos e, enfim,
qualquer pessoa importante, geralmente é ou já foi desonesta, ou tarada,
ou deprimida, ou drogada, ou simplesmente está estranha. No mínimo
Angélica seria imensamente feliz se não fosse a Globo, e Xuxa seria
muito mais correta se não tivesse seios de
silicone.
Fazemos
todos parte deste mundo sinistro, queiramos ou não. Portanto, cuidado ao
sair de casa. Aquele céu lá em cima é uma ameaça. Por trás daquele sol
brilhante e cheio de vida, daquele azul infinito e plácido, há um mar de
azeite fervente prestes a ser derramado em nossas cabeças. Queimaremos
já. Nem pense naquela mulher bonita, pois o destino dela já está
traçado. Muito antes dos quarenta será assassinada, ou terá celulite, ou
câncer no útero, ou, desesperada de tudo, assaltará à mão armada. No fim
de tudo, o óleo que vai despencar do céu talvez nem represente uma
tragédia. Quem sabe até sirva para cauterizar a Paulista, que está
sangrando de sangue capitalista. Muito embora isso seja apenas uma rima
que em nada combina com solução.
Sendo
assim, não sei se o arremesso contra o candidato ou se aproveito o ovo.
Não sei se ligo o computador ou compro um colete à prova de balas. Não
sei se choro ou se rio. Não sei se vou à luta ou me suicido agora mesmo.
Ou quem sabe denuncio o vizinho, que nunca foi criminoso. Chego à
conclusão de que, o melhor a fazer, é pôr mais um mamão papaia lá fora,
aos pés da roseira da varanda, pois que é a única maneira de calar o
passarinho que continua cantando com uma potência bem maior do que se
poderia crer ao calcular
o tamanhinho daqueles pulmões. "Conceição, eu me lembro muito bem...",
parece que entoa, e eu, no embalo, fico pensando se não devo trinar
também. Ou seja, em resumo, muita vez, nos dias de hoje, não sei se ligo
a tevê ou se, sorrindo acima do mundo, estendo um imenso abraço e trato
apenas de imitar Cauby Peixoto. [Escrito em
2000]