Novas Revelações do Príncipe  do Fogo



(poema inacabado comentado)

Para Febrônio Índio do Brasil

Primeira parte: Melancholia


Eu sou a árvore,
feche os olhos,
primeiro você vê as armas
do Sol: As manhãs
e eis a beleza terrível se movendo
na pele do antisonho
e na do mar também,
eis as nuvens de sangue,
cavalos selvagens da luz
cavalgados pelo vento,
este corpo do espírito geral,
eis o céu
que jamais será
como os campos
porque é incorruptível,
apesar do rugido dos aviões,
evocando a raiva dos pássaros,
depois você verá o espetáculo
das montanhas de ossadas,
quase tocando o céu,
isso jamais terá seu poder nomeado,
será como o Sol.
Um Poder que estava em nós,
mas não pertencia a ninguém.
Agora, você verá a escuridão dourada,
não é um grito do céu
como o indecifrável canto das mônadas
caindo em ondas
imperceptíveis, humilhando
todos os místicos
que irão correr em sonho por cima do mar
até chegar na África Geral,
eles e nos, anestesiados
pela conversa silenciosa das ossadas,
que sussurram na hora do despertar:
"Não basta você flutuar por aí,
na margem etérea do sonho, meu Irmão!"
e depois começam a cantar...
E eis que Ele retorna das Áfricas Reunidas,
a beleza das chacinas
é como a das explosões solares,
Ele pensa
A expansão solar rindo por último
e depois a gargalhada dos mangues e das florestas
 e a dos países oceânicos também,
diz a Estrêla-do-Mar.

O desaparecimento da tua infância
te saúda através do desaparecimento das manhãs.

O desossamento dos bebês de oito meses
te saúda, através do fogo dos espinhos.

A rosa congelada cantará o nome de todas as coisas.

Tudo cantará o triunfo imaginário do pó humano,
antigas simulações e distrações
até a esperada extinção, já sem nenhum peso na memória
das coisas.

Os insetos demoníacos em trégua com os insetos angélicos

Os grandes blocos de granito, sonolentos
se espreguiçando, como os místicos,
vomitando abismos.

De nada adiantou
o lamento da môsca,
inútil a confissão das poças de sangue
secando debaixo do Sol.

Inútil o riso das sementes
flutuando na brisa,
inútil o riso do dente de Leão saudando o pó
ajoelhado diante do olho d' água,
como Robespierre,
como Gandhi,
como Voltaire.

Ah, a eternidade se contorcendo de tédio
dentro das pedras,
se afastando violentamente de nós.
E séculos antes a pírâmide de livros
refletida no riso de Mona Lisa de todos os mortos.

Ah, as equações da harmonia
anuladas pelo balé das águas-vivas.

Ah, os cavalos marinhose  as abelhas
 sem nenhuma saudade
do pó humano.

Ah, agora podemos sentir o Sol
cansado de nossas ficções
fitando a célula comos e ela fosse Ícaro.

E eis que as nuvens mergulham no mar
e os peixes devoram os pássaros.

E agora, Centauros sem a parte humana
correm em todas as direções.

Sereias sem a parte mulher
nadando em círculos como seus neurônios,

Sr. Dante.

Fim da primeira parte.

Comentário: A mais profunda selvageria é o desejo perpétuo do fim do mundo, comum nas crianças de dez anos dos séculos 21 e 22.  O amor este vírus espacial inoculado pelas explosões solares através da corrente elétrica em nossos neurônios, pode ser imensamente sonhado pelos ciborgues dos séculos 21 e 22, estes hiperseres que certamente conseguirão manter o rastro harmônico da poesia. A mais profunda selvageria será a comparação entre um ciborgue e um humano, em detrimento do humano, os ciborgues serão extraordinariamente superiores, como o Rosa Real feita de matéria reciclada de cadáveres fabricada pelos laboratórios do Google Biologic, Rosa que dura mais de mil anos sem perder jamais seu perfume. Este não é meu melhor poema, o melhor poema de um poeta é seu corpo explodindo no fundo do mar, um bloco de gelo pegando fogo, uma pilha de cachimbos de crack do tamanho de um arranha-céu pegando fogo com dez mil crianças dançando em volta e etc...

 

 

 
 

A Segunda Morte de Herberto Helder

 

Para Cláudio Willer, Valdineide Dias e para o autor de Photomaton & Vox.

 

 

"A mão na pena vale a mão na enxada"

 

— Rimbaud

 

 

 

 

Canto 1

 

Sim

ao acordar,

Ele pode ligar o lugar

que será a irradiação do tempo

ao que começa e morre nos sonhos

pode assim se vestir

de luz e de mortos

furiosamente

silenciosos

furiosamente

ausentes

para o paradoxo

acidentalmente

imaginados

do lado de fora que é dentro

como exercícios objetivos

de uma poderosa presença entrando

pela porta

do orvalho  dentro da geleira

 ou acordando em uma cama—savana,

em transparências que fomos

quando respirávamos sendo

 parte das explosões

solares e das vegetais também

árvores nos nervos

armadas com a beatitude louca

de respirar tudo,

"acordaremos"

para a transformação

da manhã em  velocidade

do infinito

e para o ruído

onipresente

das imagens,

para esse cálculo visual do verbo

da manhã

que nos fazia mergulhar

na compulsividade

do ato criativo

de certos expressionistas

abstratos,

que projetavam na paisagem

impulsos cegos

de mãos

deixando para um segundo momento

a inequívoca compreensão estilística

do impensável, ao vento igual a uma emoção

ligaremos sempre isso

ao começo do não-lugar

ao começo do não-infinito

das imagens resvalando

no sonho

onde agora sabemos

realmente nascia

o tempo,

anteriormente sempre

ali onde o Sol

jamais se levanta,

se espreguiçando semieternamente

em sua cama escura,

o Sol e sua infância

sim, era a sua

recomeçando dentro de um pseudo-sono

inquieto de espuma absoluta

de um mar absoluto,

nós, também, os peixes menores

pescados pelo que nunca e

jamais poderemos ser

como um reflexo luminoso nadando

dentro dele,

na parte do Sol que nos sonha,

incandescentes por dentro

desse pensamento

que agora sabemos

foi o êxtase gratuito,

principalmente o da destruição

do antigo corpo

do amor

antiga casa temporal

onde nenhum eu entrava vivo,

até a destruição do templo-teatro dos raios solares

nos campos

do cérebro

mergulhando

no fundo do rio das veias,

construindo o mar  vermelho

de um lado do corpo para o outro

 o que mergulha nos séculos dos séculos,

o lado sem nome,

acordando para contornar

a tristeza cada vez  mais abstrata

da verdadeira ausência de tudo,

do vermelho que louva a força

da sombra apenas humana,

que louva o fato incompleto

da evaporação da consciência,

onde também sonhamos com a nossa mãe

nascendo em nosso lugar,

chamando de volta

os dois lados do corpo

que havia nos emprestado,

chamando as nuvens azuis

para dentro do vermelho

que canta a força da estrela do não-tempo

acordando para a explosão do ex-tempo,

veremos o nascimento

da nossa mãe através da nossa morte,

para que a nuvem que fomos

possa arder,

veremos o amador transformado em criança de água

e em tempo do anti-tempo,

recomeçando onde a mulher recomeça,

veremos a luz nascendo com ela

como uma ave

do Paraíso indomável,

veremos através 

da nossa morte estes finos galhos

que foram veias

se convertendo em vento

e novamente em veias

no olhar louco da nossa mãe

com oito meses

e seu coraçãozinho sorrindo na superfície

do Sol,

sorrindo para o silêncio maravilhoso

que faremos

quando nosso olhar

se apagar na superfície dos fogos

ouviremos a trombeta que toca no sangue

ressuscitando  a misteriosa conquista do antieterno,

nosso olho esquerdo

finalmente sorrindo para o direito.

As ilhas siamesas:

Vida e Morte,

Anuladas para um Sempre mais selvagem,

e nosso olhar livre

do corpo, secando e queimando

enquanto com as ilhas afundamos,

como um canto dentro do silêncio,

como a canção do êxtase da carne

no silêncio das ossadas,

principalmente a sua

e a de Shakespeare,

principalmente a sua

e a de Marcelo Ariel,

mesmo quando o corpo

é queimado como uma floresta

o pó de tudo

 o que fomos

é ainda aquele silêncio concentrado

dos êxtases das ilhas siamesas

 que se separavam

na energia do silêncio e palavra, que jamais foram como ouro e prata

mas como luz e fogo

(O silêncio agora ilumina mais do que podemos entender

ou suportar, a palavra queima os silêncios que deveríamos ter

recuperado, queima esse oceano)

nossas mães nascendo em campos de silêncios

onde é longo o sonho

onde nos sentamos como um nevoeiro,

ao sabermos do nítido momento da nossa morte,

a criança-relâmpago

tenta em vão

 despertar o fogo na água.

 

 

 

Comentário ao primeiro canto :

 

"Porque Herberto Helder em sua POESIA TODA investiga a existência de uma voz que é audível internamente sendo 'Fora do som' uma água como o sem tempo, podemos ligar essa porta aberta com a mão morta das parcas e iniciar a irradiação invertida da razão nas enormes ressonâncias escondidas nos fatos e em outros pontos ocos que se vestem de pergunta e nomes"

 

Em http://teatrofantasma.blogspot.com/2007/05/explicao-da-alegria.html

 

 

Ora a existência desta voz como um Nume e não um nome, como um lugar anterior e ao mesmo tempo uma desterritorialização do lugar interior, com a mãe no lugar do Alter-Mundo e não o oposto, é o centro deste primeiro canto. Este não é um poema hermético como o dinheiro ou uma equação da astrofísica, mas estas duas forças simbólicas, uma limitadora do poema e outra, a mãe do futuro léxico dos poetas da atualidade, podem ser estágios necessários, entre a compreensão absoluta do nascimento e da destruição da poesia e seu renascimento, através da mente das antiquíssimas máquinas.

 

 

Canto 2:

 

Se você não está em casa

o Amor existe

nas vozes

que lentamente se tornam asas

de um pássaro

com as asas dentro da cabeça

enroladas como o silêncio dentro da pedra

do crânio,

este que bem depois imita  o vazio de uma concha,

se você está quieto,

um cobertor vermelho

cobre seus olhos fechados,

imitando o fogo

que aparecia sempre

que respirávamos

incendiando devagar

a árvore perto do coração,

O nome desse fogo

acordando as visões

que se soltavam

do interior dos sonhos

para fora do nosso poço

(assim elas também fogem para o lado visível e depois caem invisivelmente)

durante esse ato

as pupilas imitando cometas loucos

indo de um lado para o outro do céu

procurando uma aurora boreal dentro da aurora corporal.

 

Se você não está em casa

sentiremos o instante

como

uma tabela periódica da eternidade,

uma árvore-pensante,

chamando o silêncio das vozes

com seu vôo imóvel,

depois, luzes feitas com outro tipo

de matéria dos sonhos,

com paisagens

se levantando milímetros por década,

se espreguiçando,

abrindo os raios

e se afastando

até o centro multiplicado de uma nova

visibilidade,

a visão de deuses se transformando na visão de cidades

no fundo do mar,

a memória no tempo como uma formiga em uma folha,

o incêndio ao contrário

chamado nascer

se convertendo em uma estranha flor animal

com o mar dormindo dentro dela,

agora ausência e vida se misturando

como luz e água,

os mortos que eram águas que foram fogos

queimando outra vez o silêncio,

olhando espantados

a abertura

que liga os eventos congelados do mundo

ao encadeamento indestrutível

de um único fato

chamado:

Entusiasmo

que evoca a imprevisibilidade

de uma alegria inimaginável

tudo significando

a parte incontrolável

de um mar

dentro do Sol

onde o imenso barulho dos vivos

é devorado

pelo  poderoso silêncio

das ondas.

 

Fim do segundo Canto.

 

 

 

 

 
 

Salmo para a Palestina

 

Uma rosa de Sal

não afunda:

Ama.

Uma rosa de cristal

não morre:

Brilha.

Uma rosa de luz

não compreende:

Vive.

Você ouvirá

todas as rosas

cantando seu nome

Palestina

No jardim

que antes estava

fechado para ti.

Palestina

A folha secando

na areia

não será mais

a morte,

mas o êxtase

da fusão

com o céu

que tu agora chamas

de chão,

Palestina

Será como um oração

este calor

desenhando um arco

em volta do teu coração

Uma auréola

de alegria e paz

ao redor

de qualquer rosto

Palestina

Amar qualquer rosto

será mais

do que amar uma Nação,

Erramos quando pensamos

Que o amor estava

Ali, o amor é este lugar

É qualquer rosto vivoe está aqui,

Não é o deslocamento do azul do céu,

Palestina

Não é o sangue derramado

não é o dinheiro, esta onda que avança

por dentro do sangue de inúteis desertos

até o fundo do oceano,destino de todo o ouro

e depois sobe.volta

até a absurda praia dos ossos.

Palestina

Eis o triunfo do amor

Secando o mar de sangue.

Teus mortos

Verão o Sol frio como a Lua

Incipit parodia

Do mais real do que o sonho.

Palestina

Cesse de cantar a canção do impossível

para a aragem

do campo das beatitudes,

que se apague

da mente dos poetas

este canto,

onde Querubins sem braço

com a cabeça enfaixada

brincam com Azrael,

O Poeta do povo

dirá

ao pisar no teu Solo:

‘ Sentimos o nascimento

Dos braços,

A queda

Das asas

E a das folhas

Da árvore do bem e do mal,

Agora nos consola

Saber

Que a palavra

Mais sublime

Não ilumina o suficiente,

Que uma língua tocando a outra

Não ilumina o suficiente

Somente o olhar dos animais pacíficos

Pastando nos teus campos

Palestina

Como a morte

E o amor

Iluminam

este silêncio

Dos mortos

Para sempre.

 

 

Do Grão dos Salmos

 

A flor do altíssimo

se escondeu na luz

dos teus olhos

 

que eles no terror

do dia

entoem o hino silencioso

 

que na madrugada

floresçam

em sonho

no teu jardim de perguntas

 

És como a árvore

de água

plantada

no fundo do oceano

 

como a árvore

de ar

plantada no vórtiçe

da brisa

 

como a árvore

de fogo

plantada

na pele

do Sol

 

Tu és

e eu sou

como

o silêncio

congelado

dentro

da árvore

de terra

 

silêncio

que

no devido tempo

oferece a ninguém

seu luminoso fruto

 

 

 

[imagens ©christian edler]

 

 
 
 
Marcelo Ariel (Santos/SP, 1968) vive em Cubatão-São Paulo. É dramaturgo, poeta e performer. Autor dos livros Me Enterrem com Minha AR-15 (Coletivo Dulcinéia Catadora, 2007), Tratado dos Anjos Afogados (Letraselvagem Edições, 2008), O Céu no Fundo do Mar (Coletivo Dulcinéia Catadora, 2009), Conversas com Emily Dickinson e Outros Poemas (Selo Orpheu, 2010), Samba Coltrane (Yi Yi Jambo Cartonera, 2010), A Morte de Herberto Helder (Sereia Cantadora, 2011), A Segunda Morte de Herberto Helder (21 Gramas Edições-Curitiba-2011) e Cosmogramas (Rubra Cartonera, 2012). É um dos coordenadores da Cia Instável de Repertório de Santos, membro do Conselho editorial do Selo Rubra Cartonera, colunista do site literário Musa Rara, membro fundador, com Nicodemos Sena, da LetraSelvagem Edições e um dos editores da revista eletrônica Pausa.