Escrevendo desde a infância, Alberto Bresciani (poeta carioca radicado em Brasília, onde fez carreira na magistratura e atualmente é Ministro do Tribunal Superior do Trabalho), esperou cinquenta anos para publicar seu primeiro livro, cujos poemas foram reunidos em "Incompleto movimento" (Ed. José Olympio, Rio, 2011, 112pg, R$ 32,90). A resistência em estrear é fruto não apenas de sua obsessão pela qualidade, como também de um intrínseco senso de responsabilidade estética, algo que somente os grandes estilistas conseguem administrar sem ser atropelados pela precocidade, que muitas vezes pode revelar um escritor em estado latente, porém sem as bases que sustentem uma verdadeira construção literária.

Cioso de seu processo criativo, Bresciani vem trabalhando meticulosamente a sua poesia com a paciência de artesão e a consciência da necessidade catártica de que toda escritura não pode ser transformar em repositório de emoções nem se reduzir a mero exercício de expansão do espírito ou ainda exorcismo de dilemas e passatempo frugal, senão é o terreno em que deve prosperar a (máxima) expressão pessoal e artística, aquela que incorpora substantivamente uma visão crítica e reflexiva do mundo e das próprias relações. 

"Incompleto movimento" é espelho de uma maturidade, tanto pessoal quanto criativa, que culminou numa poesia sofisticada, de profundidade temática, requintes estilísticos e economia de meios. Tais peculiaridades são enfeixadas por uma linguagem lapidada e contida, cuja força reside justamente na concentração textual, em que o seu olhar detido e cirúrgico é capaz de comunicar plenamente as suas idiossincrasias e perplexidades, com o mínimo de recursos.

A obra, dividida em três blocos — "Dos gestos que configuram", "Dos gestos que atordoam" e "Dos gestos que paralisam" —, remete o leitor à sensação dos deslocamentos, sentidos e tensões que ensejam a própria vida, numa sucessão de projeções, imagens que impulsionam uma sintaxe própria, com uma intensa carga metafórica e semântica, enriquecida pelo ritmo e harmonia precisos.

 A poesia de Bresciani transita do lírico ao filosófico, perpassada por um sutil erotismo a uma leve ironia e estabelece um diálogo íntimo com a alta literatura e com outros autores, o que pode ser sentido também como uma ponte dialética e uma homenagem, como se percebem das epígrafes e dedicatórias. Em todo esse percurso poético há um mergulho existencial, com uma sondagem do desconforto individual e coletivo que se processa por meio de uma aguçada compreensão da nossa precariedade num mundo movido pelo pragmatismo e pela urgência, que instaura uma angústia que aparta o homem contemporâneo, deslocado nesse tempo mitificado pela tecnologia, em que sobra pouco espaço para a subjetividade e o sentimento.  

A poesia ou é fruto da intuição ou de uma apreensão intelectual. Em Alberto Bresciani conjugam-se o sentimento do mundo, de inclinação drummondiana — que floresce a partir da experiência individual e coletiva, caudatária de uma relação sensorial com o universo; e uma tendência cabralina, pelo elevado acento cerebral e intelectualizado, pois é um artista que persegue na técnica estruturante do seu trabalho o arremate de uma palavra que seja eco de uma dimensão interior, que faz uma contida, mas pungente, exegese de nossas contradições, traduzindo as "imperfeições dessa terra/ já tão antiga/ esquecida de ser outra." 

No cenário da literatura contemporânea brasileira, tão exposta a piruetas, fraudes e repetições, a poesia de Alberto Bresciani é um alento renovador. Sua palavra inquieta e inquietante não fez concessões às trapaças estilísticas ou às exacerbações de qualquer natureza para realizar a simbiose perfeita entre tradição e a vanguarda, entre razão e sentimento, e, assim, tangenciar questões ancestrais que nos atormentam, com uma nova mirada conceitual. E com uma preocupação não apenas com o lugar do homem, mas também da arte, nesse tempo de fetiches e pragmatismo, seus versos nos alimentam, como já o fez José Saramago n’A jangada de pedra: "o que seria de todos nós se não viesse a poesia ajudar-nos a compreender quão pouca claridade têm as coisas a que chamamos claras." A poesia de Alberto Bresciani é um farol — e uma redenção — nesse oceano proceloso que nos desafia.

 

 

 

 

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Resenha publicada originalmente no Jornal Diário da Manhã, em 25 de maio de 2012.
O livro: Alberto Bresciani. Incompleto movimento. Rio de Janeiro: José Olympio, 2011, 112 págs.

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julho, 2012

 

 

Ronaldo Cagiano é escritor, ensaísta e crítico literário.

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