Escoras

 

há em mim

um abrigo de escorpiões

os amigos presenteiam-me

com caixas de abelhas

guardo tudo

para um futuro próximo

e infinito

os pedintes vêm

e me estendem a mão

ponho suas migalhas

em minhas teias

amarro meu coração

com arapucas

há em mim

ruínas de uma igreja

um confessionário calado

ressonando cânticos de dor

há um universo em terremoto

casas desconstruídas

nas rachaduras da alma

para o poente voltadas

todas as minhas janelas

 

 

 

 

 

 

Modo: tangente

 

Estou para a madrugada como ninguém está para mim.

 

Sentada, no modo: 'espera'

colho vãos de sono, reivindico milagres

mas não creio

 

nos que vivem um sentimento

e não sabem: não é possível

 

projeções, são

 

até que queima a luz

do projetor dos olhos

 

o painel na parede mostra

um ser desconhecido

a te gravar:

 

o escolhido

 

rebobina pecados e te atira

em várias pedras

dor

     mentes

 

ele não está mais para você

como estavam antes

um para o outro

 

no modo: 'vida flutuante'

 

não como a madrugada está para mim

triste, enferma

nunca me enganou

 

será para sempre assim

 

 

 

 

 

 

Suspensão

 

As palavras que estão

no ar

que escolheram

 

a altitude aguda

para fugir das meras

junções de letras

 

Do alto selecionam

 

O ponto certo de despencar

não é cego

 

Levam em conta o vento

o tempo que indisposto para

de vagar

 

Como um suicida

que calcula a altura

 

não pensa, já é:

eterna suspensão

 

depois de certo ponto

não há mais como

                                   não

errar

 

 

 

 

 

Mal passado

 

crua, a carne
autoflagelação diária

exposta à noite
em fatias

imor(t)ais, resistem
à tortura

das bicadas
a seco

banhadas no unguento
de saliva

dos pássaros negros

 

 


 

 

Mosaico

 

cato ladrilhos para cada
hora que não existo 

um espelho-mosaico e-

moldura figura entre-

cortes

 

retalhada até os ossos

de vidro

 

sete anos vezes

setenta mil vidrilhos

 

o azar rejuntando

cada pedaço-desvio

 

fixam-se uns nos outros

os meus milhares

de anos partidos

 

 

 

 

 

 

Diário insone

 

a calada da noite

acorda vozes, outras

que ignorei de dia

 

o véu denso da madrugada

acoberta-me

qual duvidoso anjo da guarda

 

há turbulência nos cânticos

[anti-ninar]

invocam pesadelos

tremeluzem o candeeiro

que não vinga até a alvorada

despontar

 

a prece é desesperado intento:

que venha a febre

a me confundir

 

nunca se sabe qual sonho eu quis

e qual veio só para me tirar

de mim

 

 

 

 

 

 

Céu amputado

 

você já me leu

aqui dentro?

o vento entorta

todos os caules

a casa sobrevive

mas fica puída

há aquele som medonho

quando ele penetra

forçadamente

as frestas

quase o ouço dizer algo

geme

sinto o ventre da madeira dilatar

você já me sentiu

daqui de dentro?

os braços arqueados para trás

aerodinâmica, deixo

ossos arfarem, pneumáticos

sibilos perpassando o corpo

não falo

outra língua, a do ar

que me diz

: eu te desvendo

mas não entendo

porque não posso voar 

 

 

 

 
 

 

Em desconstrução

 

principiou em mim

e terminou em algum lugar

em construção

 

 

quando se desliga a música

antes dela acabar

o ar fica freado

no espaço

 

vou para rua e não escuto

o murmurar do mundo

 

 

há tanto para se fazer

e quando algo começa

em algum ponto

e resolve continuar em mim

sinto que permanece para sempre

 

 

nunca há fim nos princípios

tudo é eterno e inacabado

 

 

 

 

 

 

Tédio

 

alguém varre a rua

som arrastado

 

em dia de inércia

o ar quase parado

 

sou essa vassoura

de palha

 

tenho o chão asseado

as ideias feitas de pó

 

 

 

 

 

 

Corcel noturno

 

Cavalgava uma noite

duas, três

na infância

eram tempos de se contar dias

as noites eram tão longas

de se dormir por séculos

 

agora pisco e passa uma hora

e outra

e mais outra

a noite é rápida como os aniversários

depois da maioridade

é traiçoeira

para quem não tem mais chance

de ser ingênuo

 

agora que não conto mais

para chegar a nenhum dia

é sempre uma nova manhã

e nem dormi

 

uma luz entra pelas frestas da persiana

não é mais tempo de sono

sonho por vir

 

a noite me cavalga

 

 

 

 

 

 

Vigília

 

O mar requer

vigília

os olhos dela

verde-escuros

acompanham

regem

o movimento

 

o corpo massageia

as ondas

que margeiam

suas curvas

 

o sal

mais à deriva

queima as frestas

por onde ela

atirada à água

(viva?)

deixa a dor navegar

 

 

 

 

 

 

Cadente

 

algum astro

predomina no céu

agora

 

tanto faz

se o dia

morre/nasce

 

eu só viro

de um lado

há outro?

 

ao revés

 

nenhuma estrela

guia

 
 

 

[ imagens ©joshua hibbert ]
 
 
 
Lara Amaral é o pseudônimo de Larissa Amaral Teixeira (Brasília/DF, 1986). Formada em Jornalismo, escreve poesia desde os 13 anos de idade, e arrisca alguns contos de vez em quando. Tem poemas publicados na coletânea Maria Clara: universos femininos (LivroPronto, 2010). Publica no espaço virtual: http://laramaral-teatrodavida.blogspot.com/.