©gilbert garcin
 
 
 
 
 
 
 

Acabo de ver um filme notável. Intitula-se O Guia do Mochileiro das Galáxias. Um dos mecanismos do cômico é a ficção de um gerador de improbabilidades, um gerador aleatório de cenários e situações que age de tanto em tanto. Outro é o gosto pelo ridículo das situações inverossímeis e pelo nonsense. 

Não há nele, por isso, realismo, e o riso se produz pelo inusitado, pela falta de lógica e sequência e pelo inesperado das situações. Apenas no final insinua-se algum traço de sentido. Mas essa é justamente a parte mais fraca do filme, embora permita amarrar o feixe de absurdos — que nem por ser feixe deixa de ser absurdo, está claro.

Entretanto, como leitor contumaz (por algum imperativo moral cuja origem ainda não identifiquei com clareza) de poesia contemporânea, deparei, para minha surpresa, no meio do dilúvio de improbabilidades, com algo que me pareceu menos improvável: a poesia vogon.

Tratei logo, portanto, de buscar a poesia tal como teria vindo no livro. E o que achei foi o seguinte.

Em inglês, é assim:

 

 

Oh freddled gruntbuggly thy micturations are to me

As plurdled gabbleblotchits on a lurgid bee.

Groop I implore thee, my foonting turlingdromes.

And hooptiously drangle me with crinkly bindlewurdles,

Or I will rend thee in the gobberwarts with my blurglecruncheon, see if I don't!

 

 

Em português, na tradução de Paulo Henriques Britto e Carlos Irineu da Costa:

 

 

Ó fragúndio bugalhostro tua micturição é para mim

Qual manchimucos num lúrgido mastim.

Frêmeo implochoro-o, ó meu perlíndromo exangue.

Adrede não me apagianaste a crímidos dessartes?

Ter-te-ei rabirrotos, raio que o parte!

 

 

Li e reli os versos em ambas as línguas. Não tirei muitas conclusões sobre o original, e terminei por acreditar ter entendido melhor a versão portuguesa. Ou porque meu inglês não seja bom, ou porque o tradutor tenha procedido a um simpático trabalho de adaptação, no interesse do entendimento do leitor. O mais provável, porém, é que eu não tenha entendido tampouco a versão portuguesa. Apenas teria sentido algum conforto porque me soou algo familiar. Era como se essa poesia, embora de outra galáxia, fosse ainda próxima.

Não soube explicar, num primeiro momento, tal sensação de familiaridade, provocada por um objeto não identificado e ininteligível. Mas logo percebi a razão do sentimento: basta percorrer blogs e páginas do Facebook e livros de poesia contemporânea, para constatar a disseminação da poesia vogon entre nós. Ou é um caso de homologia: universos paralelos encontram formas semelhantes de expressão; ou é um caso de influência a partir de uma matriz.

Creio que ambas as coisas se conjugam. De qualquer maneira, há vários desses poemas vagando pelo ciberespaço, dotados de variado grau de complexidade e de feiúra, e me parece que são mais louvados pelos pares ou tutores os que menos sentido fazem, ou que mais coincidem com a matriz intergaláctica.

Impressionou-me também o fato de que, quaisquer que sejam as diferenças objetivas, de forma e de tema, eles têm, embora soprados por matriz estrangeira ou avatares autóctones do gênero transgaláctico, um fundo nacional, que ao mesmo tempo adoça e reveste de pompa cerimonial o nonsense — produzindo o que poderia, sem modéstia, intitular-se a derradeira floração da grandiloquência balofa.

Seja como for — autóctone ou importada —, dada a precedência que lhe atribui o famoso Guia, é minha opinião que não faz sentido denominar as sobrevivências dessa antiga poesia segundo algum modelo para o qual o sentido tinha importância. Isso seria uma traição à própria matriz dessa espécie de arte, além de um trabalho inútil. O nome correto é fácil e preciso, além de constituir um tributo à forma pioneira e de mais pura manifestação: vogon.

 

 

 

 

maio, 2012