©cesar harada
 
 
 
 
 
 
 
 

 

amor

 

Feito a escova de dentes que caísse, abandonada atrás da pia do banheiro, onde duas semanas depois, ele a encontraria com as cerdas esturricadas; primeiro surpreso, você esteve aí esse tempo todo, e depois, sem culpa, enfiaria no lixo, porque outra escova, nova e de melhor qualidade, estava guardada no armário.

 

 

 

 

violência

 

Quando o pai saía com a testa suada, a mãe entrava no quarto e dizia para a menina que ela deveria esquecer aquilo. Então, lhe dava o chocolate.

 

 

 

 

amigos de bar

 

Os caras no banheiro o esperavam para cheirar, o pó estava no seu bolso. Ele saiu sem beijá-la, já não a beijava, e depois, sozinho, se mijou na cadeira, com os olhos virados, enquanto o dono do bar, rindo e a ponto de se mijar também, batia com força à porta do banheiro, chamando os caras no banheiro pra ver.

 

 

 

 

assimetria

 

Deixou o emprego de anos, sem avisá-la, entrou no ônibus e partiu para a cidade. Enquanto ele não conseguia dormir no ônibus, por causa dessa estranha mulher que não parava de falar sobre a reforma da casa, ela (na cidade, sem esperá-lo), sorria de consciência limpa, sentindo os pelos da barba de um outro homem entre suas pernas suadas.

 

 

 

 

azul cobalto

 

Abaixou as calças até os joelhos, sem tirar os sapatos ou a blusa, deitado de lado na cama, e o sangue escorria do vazio dela para o ventre dele. Ele tirou, sujo de sangue e colocou atrás, devagar, e ela consentiu. Mas eram os olhos dela que ele queria ver, então puxou o cabelo, e reparou que eram os mesmos, iguais aos olhos do filho dela, pequeno, do qual ele era professor.

 

 

 

 

*

 

De volta à sua casa, e o marido não perguntou porque os cabelos dela estavam molhados, sentada no vaso enquanto o líquido branco escorria e o sangue ainda escorria, ela ouviu o marido tomar a lição do filho; o espelho a encarou e um arrepio frio subiu pelo corpo, mas ela não sabia explicar por quê.

 

 

 

 

rei

 

Disse que precisava dela, assim, olhando para ele quando ele estivesse no topo, bem no topo, quando fosse o gerente, que sem ela não fazia sentindo. E ela sorriu, dizendo que, sim, sempre estaria aqui para vê-lo. Bem no topo, ele disse. Sim, bem no topo, ela disse, e a planta podre e viscosa ia crescendo e se espalhando vigorosamente dentro dela.

 

 

 

 

tudo bem

 

Quando ela entrou em casa ele dormia no sofá, sem sapatos, mas com a roupa que tinha saído cedo, dizendo que ia procurar trabalho. Ela já não aguentava mais, o acordou e disse que ele precisava ir embora. Dessa vez ele não disse nada. Enfiou poucas coisas na mochila e disse que depois voltava para pegar o resto. E não voltou mais; e quando ela encontrou a foto, hesitou um pouco, só um pouco: enfiou tudo numa caixa e o caminhão levou.

 

Então ele bateu à porta seis meses depois, mas ela não estava lá, um homem muito simpático atendeu. O homem insistiu que ele esperasse, mas ele não suportaria esperar.

 

 

 

 

bilhar

 

O Biela e o Tomate iam ganhar a terceira partida dos caras, e os caras estavam de saco cheio porque o Biela ajeitava os óculos e não errava e o Tomate puxava a cinta e não errava e vinham matando todas as bolas e todo mundo ali estava rindo dos caras, mas os caras tinham tomado quatro cervejas e três cachaças e quando a bola estourou na caçapa e todo mundo riu dos caras, os caras quebraram três garrafas seguidas na cabeça do Biela; sobrou só uma pra cabeça do Tomate.

 

 

 

 

cidade

 

Biscoito era bolacha, ou o contrário, e pegando o ônibus ao contrário seus olhos não reconheceram nem um palmo de chão. Estava com fome e enfiou-se na primeira lanchonete onde o mendigo, sujo, disse que se pagasse um pastel, ele o ajudava a voltar. Os dois, perdidos, sentaram-se à mesa enquanto o cheiro de gordura velha enchia o ar.

 

 

 

 

Deus

 

Não adiantava correr, ia chegar atrasado de qualquer forma. Mas tinha se esquecido que o chefe não ia aquele dia.

 

 
 
junho, 2011
 
 
 
 

 

Marcos Vinícius Almeida nasceu em 1982, em Taboão da Serra, na grande SP. Viveu desde sempre em Luminárias/MG, com breves passagens por São João del Rei/MG e Porto Alegre/RS. Publicou seu livro de estreia em 2009, um romance: Inércia (Ed. Multifoco). Publicou alguns contos em antologias, sites, jornais e revistas: Cult, Suplemento Literário de Minas Gerais, Cronópios, Escrita, Histórias Possíveis, Diversos Afins, Jornal Opção, entre outros. Venceu o Prêmio UFES de Literatura 2009/2010. Edita o Selo Terceira Margem (Ed. Multifoco), voltado para autores mineiros. Site: http://www.quebracorpo.com.br. Blogue: http://quebracorpo.blogspot.com.
 
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