poema "pichação", de carlos barroso | fotos/arte web: pedro martini
 
 
 
 
 
 
 
 
 

 

GELO

 

   onde publicar

   a calmaria?

 

   onde desesperar

   a rebeldia?

 

   em que tudo

   começa e adia

 

   o sarcasmo que

   se precipita

 

   fiando sem teia

   a dor

 

   que nem morfina                             

        abomina

 

   onde secar o gelo

   do ego

 

   na mais ínfima

   companhia:

 

          a minha.

 

 

 

 

 

 

 *

 

   não abdico

       ao que sinto

    

   seja beira de abismo

            ou efeito de absinto

 

 

 

 

 

 

*

 

trate o amor

como o coiote

atrai a lua:

 

uiva

 

 

 

 

 

 

*

 

só uma forma

de amor:

o incontido

 

só um sentido:

a forma de amar

o indefinido

 

 

 

 

 

 

*

 

pra conquistar esse amor

 

nem trabalho de tarô

nem Ogum nem Xangô

ou poema de Rimbaud

 

nem haicai de Bashô

nem múltiplos orgasmos

ou romantismo de Carlos

 

pra conquistar esse amor

 

nem leitura de Lucáks

nem barra de chocolate

ou frase de Engels ou Marx

 

nem ideograma de Pignatari

nem idéia de Voltaire

ou aforismo de Baudelaire

 

pra conquistar esse amor

 

nem música de Beethoven

nem humor de Grande Otelo

ou uma noite em hotel

 

nem soco de Eder Jofre

nem romance de Joyce

ou pintura de van Gogh

 

pra conquistar esse amor

 

nem rosas vermelhas

nem uma caixa de ameixas

ou buquê de amor-perfeito

 

pra conquistar esse amor

 

nem um beijo

 

 

 

 

 

*

 

   não há como regurgitar

   tudo aquilo que se grita

   febre alta, lua ébano

   eu aqui comendo brita

 

   não há como recauchutar

   todo aquilo que se inaudita

 

   página vaga

   sobram apenas olhos

   a sensação pálida

   de nenhuma conquista

 

 

 

 

 

*

 

   desmedido no que meço

   em mim o imemorável 

   vindo a cada momento

   em nome do fracasso

 

   em que se vem sabendo

   o olhar de quem nunca

   soube sentir o alento

   do abismo recompensado

 

   faro do destino ou vírus

   hino fascista ao desesperado

   nu sem amigo sem passado

   neo-iconoclasta santificado

 

   em mim a meu umbigo niilista

   oro pela loucura que vem em bica

   com o cu colocado contra o muro

   vivo a esbórnia de um ego casto e nulo

 

 

 

 

 

*

 

 

    os EUA são o luxo

    e o lixo do mundo

 

    talvez por isso

    tanta asfixia

    vira músculo

 

    e a rebeldia

    se alia ao lucro

 

 

 

 

 

COMO CHOVE EM BELO HORIZONTE

 

 

  todo passado

  que me penumbra

  passa com  a chuva

 

  fica o cheiro de terra

 

  todo futuro que

  não me vislumbra

  passa com a chuva

 

  fica o cheiro de terra

 

 

 

 

 

*

 

não é poesia

o que faço

 

se não é poesia

em que me calo

 

no calabouço

em que a nau

procura o poço

 

e o ímpeto     insosso

anseia o mar bravo

 

se não é poesia

em que me farto

 

sugere-se que

o tolo rumine

além do pasto

 

e o velho

           invés

do enfado     mocho

 

vandalize o seu

não-inventário

 

 

[ Poemas dos livros-objetos Sãos e Usura, 2010 ]

 
 
março, 2011
 
 
 
 

 

Carlos Barroso. Jornalista especializado em política. Trabalhou na TV Bandeirantes/Minas e nos jornais Hoje em Dia, Diário da Tarde e Estado de Minas. Prêmio Esso de Reportagem Regional (2001), com equipe do Estado de Minas. Um dos fundadores das revistas de poesia "CemFlores" e "AquiÓ". Participou da antologia de poesia Salto do Tigre (1993). Publicou Poetrecos (Coleção Poesia Orbital, 1997), Carimbalas, livro-objeto/poemas (Edição CemFlores, 2008), Gelo (pôster-poema, 2008) e, em 2010, os livros-objetos/poemas Sãos e Usuras. Vive em Belo Horizonte.
 
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