::etnografismos::

 

que nascesse de uma lenda

[esse o berço da palavra que procuro]

 

um erê rompendo limbo

um curumim rasgando a crosta

do último tronco ancestral

 

fera contra o homem

flecha quando aflora

 

que ao trespassar a língua

caísse

,madura,

 

:fruta desencarnada:

 

sem raiz

sem radical

 

 

 

 

 

 

::paisagismo-morto::

 

Chuva adentro

,saliva ácida,

tempo deixando

dúvida

: existir não é horizontal

 

único verde à janela

da frente

,cumprindo aceno,

:o lodo do medo na palma

do mundo

 

na sala ao lado

de um beijo em

ataduras

um anjo empalhado

:sem boca

 

 

 

 

 

 

::metagrafismos::

 

I

 

de restos transpirados,

retalhos

 

detalhes contidos

de um livro gasto

 

: como se lido à mão

 

manuscrito alinhavado em negrito

,letra por letra,

 

como se estrelas à mercê

de serem

presas

 

: como se broches

 

espetados

,em pele,

 

prestes

a se desmanchar

 

 

II

 

ao lado

da velha máquina

um texto recém-cuspido

,raro,

 

ainda mendigo

de corpo

 

o poeta exorciza

seu próprio devaneio

 

: sangra os dedos

 

na vã datilografia

da voz

 

 

III

 

linhagem de mulheres

que escrevem como aranhas

,fios de fala em urdiduras,

 

e um arremedo

de enredo vibra

na fibra

do seu canto

 

textura de chita:

de tão indigentes

 

na outra margem

onde range a língua

uma cal de tinta

que tinge e que tange,

me dita um cordel

mais nordeste

que eu

 

procuro entre álbuns

minha caligrafia

 

meus dedos:

argila

sobre o papel

 

 

 

 

 

 

::no dorso, um paradoxo::

 

Dizem-me para voar

 

Não sabem que tenho

esse par de

asas em antítese

 

uma infla contra

o anjo

e faz-me rir do santo medo

 

outra rufla de revolta

range as penas contra

o homem

 

Se abri-las

nem sei em qual

se ateará a primeira tocha

 

 

 

 

 

 

::da foz de um corpo::

 

poderia ter-se

enforcado

com seu próprio colar

 

mas não era

assim

tão preciosa

 

fez o caminho inverso

das pérolas

 

: atirou-se aos peixes

 

 

 

 

 

 

::dar carne ao verbo::

 

dar

de comer ao

verbo

 

a imprópria

carne

 

 

 

 

 

 

::entrededos::

 

Sons de buracos a

crescerem nos

sapatos

 

 

pedras caindo

 

 

 

 

 

 

::pólen de pássaro::

 

Não tenho

pele

 

tenho pétala em estado

de epiderme

 

Sinto

sementes

de asas

 

se regada

à raiz

 

 

 

 

 

 

::rudimentar::

 

,repisado,

amestra a

pedra

não o afago

 

barbariza

a parte

terna da

fera

 

 

 

 

 

 

::genealogia::

 

Nasci

mamífero em flor

carnívora
 

 

 
 

 

Katyuscia Carvalho nasceu no interior de Pernambuco. Professora. Formada em Letras. Mora atualmente em Ringgenberg, Suiça. Registra algumas experimentações poéticas no blogue Kanauâ Kaluanã [ http://katyuscia-carvalho.blogspot.com ].

 

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