Sem Título | José Alberto Nemer | Aquarela Sobre Papel | 150x110 cm| 2002| BH | Coleção Particular

 
 
 
 
 


 

O poema

 

 

Equipe escavando na América do Sul

encontra os restos fósseis do que seria

o maior dinossauro que já existiu.

 

Cientistas renomados da América do Norte

não medirão esforços para provar que,

embora maior e certamente muito mais forte,

o novo dinossauro não era carnívoro,

e sua agressividade nem chegava perto

da do Tiranossauro Rex,

 

o dinossauro favorito dos garotos

da América do Norte. 

 

 

Razão

 

 

Desde pequeno, sou um leitor de revistas, livros e artigos de divulgação científica. E sempre me chamaram atenção as notícias sobre descobertas de fósseis. Notei uma coisa engraçada: quase sempre que um dino era descoberto na região da América do Sul, a notícia dizia que ele provavelmente era herbívoro, vivia da busca por vegetais e frutas. Mesmo quando o dinossauro era gigantesco, o bicho só comia folhinhas. Isso me irritava quando eu era garoto, ainda me lembro bem. Depois de crescido e poeta, e de mais uma vez ler um artigo sobre a descoberta de outro titânico dino comedor de folhas na América do Sul, anotei em papel para trabalhar a ideia. Os poemas, para mim, são máquinas de síntese e descobertas. São máquinas de palavras. Não se deve querer dizer coisas com um poema, mas sim, descobrir coisas na feitura do poema. O poema acima não nasceu pronto, demorou um bom tempo até achar as polias e roldanas certas para fechar a caixa preta e entregar ao primeiro leitor, que sempre é o próprio autor. O poema mostra que mesmo a ciência não está livre de contaminação por ideologias e preconceitos. Definir os grandes dinos como herbívoros é o mesmo que dizer que eles eram mansos e submissos. Mas o poema não era ainda um poema, porque essa noção já é conhecida, faltava algo e demorou mais um tempo até eu conseguir a solução elegante e surpreendente: os pais da América do Norte cuidam melhor dos seus filhos. O Tiranossauro Rex não pode de forma alguma levar surra de outro dino qualquer. O poema revela um mecanismo sutil que relaciona pais e filhos e nações e continentes.

 

 

junho, 2011
 
 
 
 
Pipol (São Paulo/SP). Escritor, poeta, diretor de TV e documentarista, desenvolvedor web e editor-fundador do Portal de Literatura & Arte Cronópios [www.cronopios.com.br]. Autor do livro de poemas Brinquedos de palavras [www.cronopios.com.br/pocketbooks].