figuração (detalhe) | flávia bertinato | fotografia digital | 2007
 
 
 
 
 


 

A prosa poética

 

 

Só havia um velho na plataforma vazia.
 
Velho, ela disse, aqui tinha um trem?
Acabou de sair. Vá embora, vá.
Espero pelo próximo, então.
Deixa de teima. Outro, só amanhã. Aqui você morre de frio.
Já estou morta, velho. Eu fico.
 
Ficou.
 
Na manhã do dia seguinte, o velho arrastou o corpo cansado para fora da estação. Nunca conseguira evitar certas tragédias.
 
Na noite do segundo dia só havia um velho na plataforma vazia.

 

 

 

 

Razão

 

 

A pequena prosa poética "Plataforma" foi escrita especialmente para a primeira edição do site Escritoras Suicidas [www.escritorassuicidas.com.br], cujo tema inaugural tratava do suicídio. Veio a calhar, porque a morte é tema recorrente em minha produção literária. Ao contrário do que muitos possam pensar, não é difícil, tampouco doloroso, escrever sobre a morte e seus desdobramentos. Porque é a única realidade palpável de que dispomos numa vida cheia de sonhos que, talvez, nunca tenhamos condições de realizar. A certeza de que, algum dia, meu destino estará cumprido, me dá segurança e alívio. Afinal, uma vida inteira de idealizações pode ser cansativa demais. Gosto de escrever prosas curtas como essa e de deixar uma fresta aberta, bem pequenina, para conclusões que não sejam as minhas, porque, honestamente, como leitora, meu prazer é encontrar uma nesga que me possibilite imaginar.

 

 

março, 2011
 
 
 
 

Mariza Lourenço. Escritora, advogada, presidente da Comissão da Mulher Advogada da OAB/Valinhos e Conselheira do Conselho Municipal dos Direitos da Mulher da cidade de Valinhos/SP, onde vive. Integra a antologia Saciedade dos poetas vivos, vol. VI, organizada por Leila Míccolis e Urhacy Faustino, em 2008 e Dedo de Moça — uma antologia das escritoras suicidas (São Paulo: Terracota, 2009). É uma das editoras da Germina — Revista de Literatura e Arte e das Escritoras Suicidas.

 

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