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"Eu não sou deste mundo. (...): no mundo é preciso viver com o mundo".

 

 

O escritor Pedro Maciel tem um velho conhecido há anos; uma amizade que surgiu no dia de seu nascimento e que vem se fortalecendo com o passar do tempo. Quem seria tal companheiro? Nada mais, nada menos do que ele mesmo! Se Pedro Maciel apresentou-se para si mesmo alguma vez, isso não importa. O que importa é que para os seus leitores as apresentações são feitas através dos personagens de suas obras. É a partir da fala de suas 'criaturas' e de tudo aquilo que pode ser lido nas entrelinhas, que o escritor se mostra e diz quem é. Assim, o autor  dos livros A hora dos náufragos (2006) e Como deixei de ser Deus (2009) diz, em outros momentos, que não gosta muito de comentar sobre si. Também não vê necessidade em se produzir biografias: "(...) acho as autobiografias uma bobagem. Afinal, pode-se ler sobre a vida do escritor através das suas personagens". Discreto, ex-jornalista e hoje, totalmente ligado à literatura, Maciel fala um pouco sobre o seu mais recente livro, Como deixei de ser Deus (Rio de Janeiro: Topbooks, 2009). [Bruna G. Galvão]

 

 

 

 

 

Bruna Galvão - Baseando-se em seu último trabalho — Como deixei de ser Deus —, como surgiu a ideia de contar uma história em fragmentos? Por que não fazer como 'todo mundo' e abordar o tema em um grande texto corrido?

 

Pedro Maciel - Ciência é antítese e arte é síntese. Os fragmentos me ajudaram a encontrar a forma mais sintética e contemporânea de contar uma história já contada há milênios. Muda-se a maneira de se contar a história, mas os episódios se repetem ao longo da existência.

 

 

BG - Você fala tantas vezes no pensamento e na ação de pensar... Que pensamentos lhe passavam pela cabeça enquanto escrevia o livro?

 

PM - Pensar exige muito da memória. Escrevo para esquecer.

 

 

BG - O narrador de seu último livro deixa de ser "Deus" ao fazer diversos tipos de reflexões. O que é Deus para você? Religião e fé podem andar juntas?

 

PM - O ser humano já é naturalmente religioso. Ele está religado a outros tempos e espaços desde o surgimento do Universo. Religião é uma redundância da vida sobrenatural.  Pode-se dizer que "Deus é a alma dos brutos".

 

 

BG - Dar margem à múltipla interpretação é uma marca de seu livro. Porém, quando se permite multi-interpretar, pode-se perder o foco inicial. Você não teve ou tem nenhum receio quanto a isso?

 

PM - Não tenho receio sobre as interpretações do meu livro, já que considero todo leitor mais inteligente do que o não-leitor. O meu livro é o que o leitor quiser que ele seja. Cada leitor vai interpretar o meu mundo conforme a sua cultura. Aliás, o leitor é mais importante do que o autor.

 

 

 BG - Este é o seu segundo trabalho como escritor que tem uma boa aceitação pela crítica nacional. Que tipos de ansiedades e aspirações sente um escritor no pré e pós-lançamento?

 

PM - Quando se exerce a autocrítica, a crítica não tem tanta importância. A crítica nunca nos diz nada de novo. Eu não alimento ansiedades, afinal eu me conheço há séculos. Deve ser por isso que não me importo em ser conhecido ou reconhecido.

 

 

BG - Nomes como Luis Fernando Verissimo e Moacyr Scliar teceram bons comentários sobre a sua obra. Como é ter um livro criticado por grandes mestres da literatura brasileira contemporânea?

 

PM - Os comentários destes escritores honram qualquer escritor brasileiro. Aliás, os comentários de Verissimo e Scliar estão estampados em uma das orelhas do meu livro. Apesar de que adoro Van Gogh.

 

 

BG - Você tem contato direto com eles? Como você recebeu a notícia de que seu trabalho estava em tais mãos?

 

PM - Eu mesmo enviei os originais para estes escritores que admiro, para que fizessem breves críticas. Eu só os conheço virtualmente. Desde o lançamento do meu primeiro romance, A Hora dos Náufragos, Ed. Bertrand Brasil, que envio os originais antes para escritores avaliarem. Só após receber os comentários que envio para o editor.

 

 

BG - A originalidade é uma característica de sua obra. Mas ser original, muitas vezes, é correlacionar ideias anteriores. Por que criar é, por vezes, tão difícil?

 

PM - Creio na 'confluência' e não na 'influência'. Busco a originalidade o tempo todo. Alguém já disse que para ser original é preciso voltar-se às origens. Por isso o leitor vai ouvir ecos de vários tempos e culturas em minha literatura. O difícil me estimula.

 

 

BG - Por que também existe dificuldade em aceitar o novo? Quebrar paradigmas (nos mais diversos setores) é uma saída para o desenvolvimento da criatividade?

 

PM - Às vezes uma obra não é aceita em seu tempo porque a geração não está preparada para entendê-la. Apesar de que certas obras de arte não necessitam de ser entendidas, mas apenas sentidas, me disse um leitor. Eu sempre ouço com a maior atenção os comentários dos meus leitores. Eu escrevo para eles. Afinal, não há literatura sem leitores.

 

 

BG - O Pedro Maciel é rebelde?

 

PM - Às vezes não sei se volto ou revolto.

 

 

BG - Quais são as maiores ilusões de um escritor?

 

PM - Eu já não mais me iludo em plena luz do dia.

 

 

BG - Muitas de suas resenhas publicadas em jornais como O Globo, JB, Suplemento Literário de Minas Gerais, entre outros, são de livros que você gostaria de ter escrito. Que autor e obra mais te causam "inveja" por não ter sido criação sua?

 

PM - A obra de Shakeaspeare, Proust, Dostoievski, Beckett, Rimbaud, Drummond, Guimarães Rosa e tantos outros não me causam 'inveja', mas me causam 'emoção'.

 

 

BG - Sua atuação como jornalista terminou em 2003. Por que o jornalista tem que saber a hora em que deve parar com a profissão para exercer a literatura?

 

PM - Literatura é devaneio com método. Jornalismo é método, método, método.

 

 

BG - Quais suas evoluções em termos literários e ideológicos com relação a A hora dos náufragos e Como deixei de ser Deus?

 

PM - Os comentários sobre as 'evoluções' ou 'involuções' da minha literatura deixo aos críticos. Torço para que os críticos herdeiros da crítica impressionista ou os críticos-mandarins não façam comentários acadêmicos ou artificiais sobre a minha sintaxe.

 

 

março, 2010
 
 
 
 
Pedro Maciel (Belo Horizonte/MG). Autor do romance A hora dos náufragos (São Paulo: Bertrand Brasil, 2006) e Como deixei de ser Deus (São Paulo: Topbooks, 2009). É um dos escritores da antologia de contistas brasileiros Il Brasile per le strada, lançada na Itália, em 2009, pela Editora Azimut.
 
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Bruna G. Galvão (Goiânia/GO). Jornalista, formada pela Universidade Estadual de Ponta Grossa em 2008. Sua paixão por jornalismo a fez envolver-se em diversos projetos durante sua vida acadêmica. Foi repórter de "O Ponteiro — o boletim cultural dos Campos Gerais" entre 2005 e 2006; repórter cultural do programa "Rádio Resistência" em 2006 e 2007; realizou dois curtas-metragens em 2005 e 2007; um rádio-documentário em 2008 e foi assessora de comunicação e de imprensa entre 2007 e 2008. Quando criança foi "repórter-mirim" do jornal "O Popular".