O poeta Claudio Willer completa 70 anos de idade agora em 2010. Ainda bem — e para o bem da poesia — Willer continua mais produtivo do que nunca. A sua obra da maturidade continua com o mesmo vigor dos poemas da juventude. Aliás, Willer admite certa nostalgia ao mencionar os seus primeiros poemas surrealistas: "Gostaria de ter escrito mais daqueles poemas em prosa surrealista que publiquei em Anotações para um Apocalipse e Dias Circulares". Claudio Willer é também ensaísta e tradutor. Nasceu em São Paulo, onde reside. Seus vínculos são, principalmente, com a criação literária mais rebelde e transgressiva, como aquela representada pelo surrealismo e geração beat. As publicações mais recentes de Willer incluem o estudo Geração Beat, pela editora LPM, o livro de poemas Estranhas Experiências e a edição de sua tese de doutorado em Letras na USP, em 2008: Um obscuro encanto: gnose, gnosticismo e poesia moderna. [Paulo Mohylovski]

 

 

 

 

 

O poeta discute a poesia

 

Paulo Mohylovski - Qual é a sua visão da poesia praticada no começo  deste século? E o que aponta para as duas próximas décadas? Há alguma possibilidade de ter novos movimentos literários como teve no começo do século vinte?

 

Claudio Willer - Sei falar do Brasil, e da produção que recebo ou vejo diretamente. Teria uma lista considerável de bons poetas novos, escrevendo com imagens poéticas, de modo não-discursivo. Isso irá consolidar-se nas próximas duas décadas. Movimentos literários com as características daqueles do começo do século XX, acho que não, não haverá. Mais provavelmente, poetas assimilando, de modo pessoal, as contribuições daqueles movimentos.

 

 

PM - O movimento beatnik foi divulgado de fato no Brasil na década de 80, com as traduções da Brasiliense e LPM (inclusive a sua do livro Uivo e Outros Poemas, de Allen Ginsberg). O que era de se  esperar, a juventude da época se embebedou (até literalmente) dessa fonte. O que deve ser ressaltado de fato na literatura beat, que não seja o lado comportamental?

 

CW - Tem muita gente boa que leu bem a beat — leu-a, digamos assim, literariamente. No capítulo "Beat Brasil" do meu livro Geração Beat, aponto alguns. E comento Roberto Piva, que se embebedou literalmente, como você sabe, e escreveu poesia de qualidade.

 

 

PM - Qual poeta o Brasil precisa descobrir? Só agora, através da internet, li Frank O'Hara e gostei. Mas há  outros poetas que pertenceram a mesma época (Charles Olson, Robert Duncan) e são praticamente desconhecidos no Brasil.

 

CW - Sim, esses precisam ser descobertos — entre outros. Acho curioso o fenômeno Philip Lamantia — o beat-surreal, poetão, da melhor qualidade, e está fora do mercado lá, nos Estados Unidos. De Gregory Corso, ultimamente é que anda saindo algo — e algo sobre ele, ainda muito incipiente.

 

 

PM - Marjorie Perloff, numa entrevista, disse que a poesia pertence ao próprio tempo. E que seria absurdo querer fazer sonetos hoje em dia. Você concorda com ela? Qual é a poesia do nosso tempo, então?

 

CW - Depende... Glauco Matoso faz sonetos — e é contemporâneo. Mas a adoção da forma aberta é obviamente irreversível. Poesia do nosso tempo é, obviamente, aquela que irá ultrapassar nosso tempo.

 

 

PM - Quando os críticos escreverem sobre a sua geração, que praticou a poesia nos anos 60, e que foi retratada no documentário do Ugo Giorgetti, Outra Cidade, qual é a qualidade que o futuro crítico deve ressaltar e qual equívoco ele não deve cair em relação a vocês? E como você gostaria que a sua geração fosse denominada?

 

CW - Minha geração é plural. Gostei do modo como foi adotada — em uma dissertação de mestrado de Thiago Noia — a expressão 'periferia rebelde', que utilizei no posfácio daquela antologia da década de 60, que saiu em 2000. Principalmente, quero que os críticos digam algo que não sei. Tem sido apresentados alguns bons trabalhos universitários — tese, dissertação, TCC — sobre Piva, em especial, e sobre nós, em geral. Espero que sejam publicados em livro.

 

 

O poeta e a sua poesia

 

 

PM - Voltando a falar do poeta americano Frank O'Hara, ele disse que queria que sua poesia provocasse a mesma reação que um filme, e que fosse quase um filme. E você, gostaria de provocar o que no leitor com seus poemas?

 

CW - Excitação. Gostaria de provocar, não — já provoquei.

 

 

PM - No começo, os seus poemas tinham uma imagética forte e até excessiva. As imagens continuaram, mas ganharam uma concretude, tendo como pano de fundo um lirismo ardente. Mesmo percebendo a rede de influências dos poemas atuais (do surrealismo a Octávio Paz), percebo que você ganhou uma dicção própria. Antes você era mais um poeta que praticava o surrealismo, agora você tem a sua voz. Você também sente assim?

 

CW - Em alguns poemas, tornei-me mais temático. Em outros, continuei a delirar livremente. Vou responder à sua pergunta com uma historinha ilustrativa.

 

Em 1980, Caio Graco Prado, da Brasiliense, resolveu lançar uma revista de poesia. Convidou-me para publicar. Como sou provocador, escolhi o poema mais excêntrico, do que tinha de inéditos — "Autobiografia Selvagem", que sairia em Jardins da Provocação. Caio Graco ligou-me para dizer que meu poema não sairia naquele próximo número, mas no futuro, em uma seção especial dedicada a textos mais experimentais. Nunca saiu, e a revista de poesia dele logo acabou.

 

Em 1995, Sergio Cohn  e colaboradores da revista Azougue fizeram uma seção comigo — entrevista e poemas. Entre outros — também estranhos — selecionaram esse mesmo "Autobiografia Selvagem".

 

O que concluir disso? Que tudo é relativo? Que alguns leitores lêem de um jeito, e outros de outro jeito? Quanto a mim, honestamente, gostaria de ter escrito mais daqueles poemas em prosa surrealista que publiquei em Anotações para um Apocalipse e Dias Circulares.

 

 

PM - Pound disse que os poetas se repetem após os 40 anos de idade. Na minha visão, a sua poesia ficou mais criativa depois dos seus 40. De onde nasceu essa criatividade? Teve algo, na vida externa, que provocou essa mudança?

 

CW - Ezra Pound disse uma bobagem — aliás, não foi a única. Os Pisan Cantos, dele, são obra de maturidade. A vida externa sempre provoca mudanças, penso.

 

 

PM - Estou falando dos seus novos poemas, chamando-os de novos, os poemas "Poética" e "Poemas Para Ler em Voz Alta", por exemplo. Estes me parecem querer criar uma comunicação enquanto os primeiros resvalavam na incompreensão, caso um leitor desavisado não tivesse em mente o surrealismo. Você quis mesmo ser um poeta mais comunicativo?

 

CW - Novos? "Poética" é de 1982. "Poemas para ler em voz alta" é uma série de poemas escritos entre 1982 e 1997. Juntei-nos na mesma série, achei que tinham nexo. Depois disso, também escrevi algo mais abstrato, menos, digamos, referencial. Tanto uns como outros, ou então, uns e outros, têm leitores. Poesia é sedução. Sempre quis comunicar-me.

 

 

PM - Por falar nisso, você procura a beleza nos seus poemas?

 

CW - É evidente que sim.

 

 

PM - Ser poeta aos 20 anos é fácil, difícil é manter a chama acesa depois dos 60.  Isso quem disse foi o Haroldo de Campos. Este ano você completa 70 anos. Como mantém a chama acesa? Mudou a maneira de compor um poema?

 

CW - Nem tanto (mudanças). Vou juntar uns mais recentes, você avalia, ok? Agora, isso de idade: dê uma olhada na obra completa de Drummond — veja a cronologia, o quanto ele escreveu na maturidade.

 

 

PM - "Like a Rolling Stone" de Bob Dylan foi escolhida a música pop mais influente de todos os tempos. Qual o poema mais influente do século XX?

 

CW - Bob Dylan merece — letras dele têm alto valor poético. Provavelmente, o poeta mais influente foi o T. S. Eliot de poemas como "Quatro Quartetos" e "The Waste Land". "Poeta em Nova York", de García Lorca — outro que exerceu influência e espero que exerça mais ainda. A influência de "Uivo" ("Howl"), de Ginsberg, não foi pequena. Também, espero que exerça mais influência ainda.

 

 

Um poema inédito de Claudio Willer

 

 

A VERDADEIRA HISTÓRIA DO SÉCULO XX

 

contemplação: estrela no fundo do mar

você: véu de gaze azulada roçando, suave apelo

furacão: róseo

perfeição: parábola de perfumes

lâmina: a mente alucinada

gruta: você e os arcanos da natureza

gelo: explosão de relâmpagos

essa solidez, essa presença: capim ao vento

rápidos, passando à frente — lavanda

e também sombra de árvore

montanha inteiramente nossa

intimidade sorridente no calor da tarde

Iris, o nome da flor, o seio ao sol

 

— quanta coisa que você fez que eu visse

 

gnose do redemoinho, foi o que soubemos

o acaso nos transportava e podíamos ir a qualquer lugar

(que vontade de grafitar as paredes do quarto)

 

 

 

 

setembro, 2010
 
 
 
 
Claudio Willer (São Paulo/SP, 1940). Poeta, ensaísta e tradutor. Formado em Sociologia e Psicologia é doutor em Letras pela USP (2008). Publicou vários livros de poesia, tradução, ensaios. Coeditor da Agulha — Revista de Cultura. Foi traduzido e publicado no exterior. Em 2010, publicou Um obscuro encanto: gnose, gnosticismo e poesia moderna (Civilização Brasileira).
 
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Paulo Mohylovski (São Paulo/SP, 1972). Redator, escreve para diversos sites. Vive em São Paulo.