1

ao desconhecido deus dos desmandos mentais

de anímicos aleijos do além-inteligência

que é duzentos demônios às dúzias comprimidos

numa monacal mônada do mentiroso nada

que é dúvida doadora de deidades adulantes

intensamente hipócrita em igrejas e seitas

que apesar de ser mudo a miríades murmura

com sua melosa melódia em malfeitas ladainhas

a se contar-cantar uma carranca santa

a uns poucos poetas pra posteridade loucos

e eu um vaso vazio das vozes aziagas

de arcanjos javistas e joãos jejuantes

e eu um profundo poço de provas corporais  

do único humano a uivar pros ancestrais

e de súbito surto eu subo aos absurdos

dos ápodos apodos sem arpejos de pejo

e os círculos celsos eu subo sem receio

aos pináculos poéticos em pulos sem apnéia

pra do calmo cumeeiro do concretado outeiro

observar as ovelhas e oberadas vítimas

do sombreado céu em cercas assinalado

até os confins cáusticos do carniceiro inferno

e daí o que eu quiser é cara credencial

pra desafiar os deuses das doxologias das reses 

2

eu sou o profeta prático sem pátria e sem fé

da radical rebeldia aos ritos e aos dogmas

de siléptico silêncio da suruba de ler

me adivinho amouco e amundiçado rouco

do despudorado deus das dríades bosquímanas

que é a suma-soma da sacra compressão

de tudo e de todos em tautologia tão bem

no famigerado fundo de fezes ao infindo

do que crã com cabresto se crê sem analisar

porque também é todos e tudo atomista 

numa simplória sílaba de símbolos repleta

mas que distante um dedo do ditado pela idéia

nunca surge em sons de ser musicalidade

em matéria-motete e mote antimaterial 

de tentadores satans ou silvanos ou santos

em nenhum tétrico tanto nem num tácito canto

decantado por catálise dos cósmicos cantares

que o átilo ático como amante sátiro

me sibila em bemóis nalgumas belas burlas

e sinfonias sustenidas em satanias anima

com a soberba sibila que nos surgiu na líbia

e em sodomias satiriza a súdita cristã

pros silvos sensuais das selvas européias

imporem impiamente o império de pã

3

eu sou o dialeta deus do dodecagrama agora

mas falhava por falta de força dos alferes

do ontem anaclítico dos anos antes de mim

no caminho constante do querer pra poder

todavia neste túrbido e tórrido instante

de todas as tentações de turbas e desertos

num replicante pleito com as pábulas plêiades

das idosas idades e históricas datações

com meus realistas quadros sem calvário completo

o até agora de agouros e o aqui de quimeras

sem anacrônico atraso das astronômicas transas

dos meus atrevidos alvos e apócrifos trovões

pra de vós ao vindouro as vulvas penetrar

e por detrás dos dons de deus ninguém eu ser

com o caduceu caduco das cobras do passado

e o não murino mouse da modernista onda

extemporânea parte do panteão do porvir

num desmedido domo de dogmas e de ritos

que nem com doping deve me domar a vontade

porque um homem difere dum demiurgo em demanda

por não haver acima ou adentro do segundo

o que possa puni-lo pelos pecados seus

nem abaixo ou afora que acolha o primeiro

como os poucos profetas dos partos mais fecundos 

4

tem sim tanto domínio de descriar um demônio 

quanto o seu criador que é criado nosso

e não tem tanto domínio de desfazer um deus

quanto homens sem dúvidas da dolosidade dele

têm de fazer seu fado e seu fato num verso

e eu que sou meu criador e cremador de cruzes 

a me exceder pra entrar e existir em vós

como um deífico diabo de dêixis e piadas

em tramos sem doxias eu demonstro os desvarios

de velhacarias-vias em vaticínios novos

desse laisser aller e além aberrante

como o de todos termos a taras motivantes

a excitação erótica duma edéia amante

do querer kundalínico do caralho bacante

que hímens imemoriais em idílios mentaliza

como o de todos termos por um tônus autômato

o cetro sensual das sanções hedonistas

da potência pessoal e prática e mântrica

do anético amém dos amorais telemistas

que cada um que cumpre os quereres alheios 

deve ser meu escravo enquanto existir

mas aquele que impende seu íntimo intento

possui o poderio de poder ser meu inimigo

da própria propriedade de poder ser meu amigo

5

vim de aonde vem o vesânico avatar

que pretende perdurar o perpetuante sempre

e vou aonde vai tal varejeira pro alvo

quem ser imortal intenta em imagens de arte

eu mantenho sem mando nem mandado tabuado

sou matéria da mãe não moça ao meu nascer

sou o profeta profano dos profanadores guesas

a filosofar o fim do futuro extramundano

sou quem toma na tora as torás pra otários

dos destinadores dados dos deuses abraâmicos

e gregamente grasso de graça a dessagrá-los

e da cara dos caretas com carnavais escarneço

sou o manteúdo que menta sem mantras tradicionais

porque a sonsa ciência do cínico onisciente

é ele ser somente uns sofismas alinhados

em pequenos pedaços do pensamento alegórico

nessa crença-criança dos que se castram pra ele

e na credora sem credo e criadora irreligião   

que num ano de insistência a instigar o intelecto 

e num dia de ciência na síntese dos sentidos

é como o mais dotado que não deita na dormência

mas os com todo tempo na terapia de morte

são como o pior degênere em sua doença dolente

que partir não lhe permite pra pesquisar a vida

6

um milênio é um átimo no meu absoluto reinado

que é deste tão maníaco e magnífico mundo

mas eu não guio a guinadas meu goético ego

pro demente devaneio do devenir do advento

com a bagagem bagual do belicoso cabo

do cabedal kardecista do candomblé e budista

de paralela psiquê no partir-retornar

porque apenas aqui sem acolá escolástico

no estomacal estar de estares mal ou bem

é eterno o enfado de elderes veteranos

na sua ruína-rotina de retilíneas virtudes 

e efêmero o êxtase de estagiários jovens

na sua vida de vaivém de vícios circulares 

que o monstruoso mal do monoteísta em algo

do platelminto verme que vivo não virá

apenas consegue ser em sagrados sermões

nem pelo corpo caloso se consegue sabê-lo

senão nas hostis hostes das hóstias consagradas

que o diminuto dom dos doidos indomáveis 

de não doar por dó nem por dor suplicar

por desprezar desculpas e donatários celestes  

e desdenhar dispensas e divinos comandados

conseguir não sabemos sem severas seqüelas

senão a prostrar pastores e paróquias de atores

7

vontade vencedora porque vingadora e ativa

dos que mandam no mundo com mãos de diamante

em física pessoa sois paixão e poder

da extravagante exceção que excede as regras

comigo agora vinde ao vitupérico vale

do putrefato perfume dos pedantes cadáveres  

que eu quero queimar sem combustão espontânea

as carnes das caveiras até carvão natural

que sem correção política me é preciso às pressas

das dores de outrem um holocáustico odor

pra acender meu ansioso e acicatado siso

em siderações secretas dum sonho ancestral

até um ânimo anômico sem anemia sexual

interstrelas e intrapênis em incandescência láctea

valei-me com vaginas e sem velas me levai

a pressurosos pés e pêlo eriçado   

que o curso calcado é mais quente e livre

de perdurar penetrado na perpetuidade nele

numa mescla de mitos e macacos-homens

em panacéicas poções de possante afrodisíaco

que potentes plenitudes me proporcionem sem ônus

pra eu ascender altas e alcantiladas ladeiras

aonde os carolas caem e os de corpo sobem 

aos montes não movidos aonde os mestres têm ido

8

e mortífero sem morte de maricas beatos

à gilgamés gigante em gênio e macheza

o nosso pai primogênito e poético sem ética

a mostrar as mentiras e as místicas verdades

de variadas veias e vertentes tentadoras

e sóbrio sem saber dos sagrados asgardes

da velhaca verdade dos velhos fariseus

que o sagrado não lôo pra não largar minha lei

eu carrego o cosmo na cabeça bibliônica

todamente tatuado nas minhas teias axônicas

e aos homens oferto com meu onfálico falo

óbolos ordinários por oblações dispendiosas 

pra ir à caça do caos de cume pontiagudo

de aonde o louco loki nas laudas se atira

mas mesmo os manipanços tão mortos há centênios

são inda imortais na história e nas estórias

mas não são imortais na íris intrigante

dos mortais que manejam o mundo de agora

e sim na nossa lembrança e licença literária

de terem sido indiscretos e indecentes imortais

pros mortais manejados pelos magos de ontem

que apesar de pesares sem peso e poder de fala

os mitos são memoráveis nas mentes humanizadas 

que até aquele que os mata como mentira os menta

9

os mitos e as metas dos meus mestres poéticos

me impõem com seus impérios de ilusões lexicais

um protônico peso de potenciadora vida

em procelosos prazeres e perigos superior 

ao que a cefeira dama me dispõe com o domínio

de sua afiada foice e de seu fosco fato

e em letras foi custoso me conservar calado

até o ancião antes já anos-luz distante

da orgiástica hora do hoje tão contíguo

e eu gozo este presente e o parteiro passado

que o após amanhã e o ademais serão

da minha voz vulcânica sem válvula aliviadora

de não sucumbir silente e servo às litanias

nem diante dum dito de decrépito idoso

e de ser meu núncio em nome dos numes modernistas

que o passado de papiro e papel me construiu

pra eu no agora digital o destruir em disquetes 

e em nome do futuro de mais fusões e fissões 

eu interpreto o primeiro nas provas das palavras

pra predizer o último na união dos únicos

ciente que me situo no sinótico meio

e que em outros outeiros me ocultarei por séculos

que eu sorvo o sumo do científico fruto

e mais viverei que a vinha da vida eu saboreio

10

eu não nasci do nada do nômeno anódino

do violoncelo e violino de vilancete teológico

que cantarola canções de caninanas ninar

que calam o capital aos cabeçudos anões  

eu transmito o tudo do telúrico sim

sem a pobreza da prosa das partes mal unidas

dos retos rebaixados por ritualismos tribais

sem cartel nem quartel que cate as migalhas

num sem pestes tempestivo e titânico truque

num ganido da gula do meu gueto egóico

num bêbado batuque em meu bacante cérebro

aos obstruídos ouvidos dos ovinos definhados

pelo destoante dueto entre deus e mamon

a vibração vulcânica da minha voz grave-aguda

com dolosos duelos no deserto sertanejo

entre o tera therion e o teísta das nanogentes

em bons ares de ares pela aureolada íris

anunciará a aurora da minha altaneira ira

já há eras por eros no este conservada

que acordará sem acordo nem acorde cordial

desacordados do céu dos soberanos sonhos

e desacordos da terra a terra dos terráqueos

que aliançam aluguéis de almas a malamantes

e licenças pra ciladas de sensos a sensentidos

11

produziria prisão pro povo a liberdade

e a liberdade do povo me produziria prisão

que nos eixos estelares não existe de pé

fortaleza ou front ou fronteira que detenha

com ditatoriais decretos de dejetos neuroniais

a camaleante mente em memes mutagênica

cuja poética pátria e patrimônio sem eira

e sem beira de báratros que baqueiam multidões 

é o erro excêntrico e o eterno desterro

pela terra em transe sem por terreiro passar

e pelos nervos neutrônicos dos núcleos do universo

em divagações desviantes eu devagar vadio

em estelas etéreas numa estrada astral

sem como mula emular por esmola espiritual

nem sendas soletrar em sumérios astrolábios

que o gênio sem jejum nem joguetes de lâmpada

depressa precisa ser o projeto prepotente

sem atraso de estética e estratégia estrutural

e o propósito sem prazo e com prazer zenital

do sábio altissonante e do altivo ateu

que é mais espirituoso a excluir o espírito

que o cretense crente que crê nos malabaristas  

que com meneios lhe ofuscam os olhos e os ouvidos

pros místicos mistérios do marítimo proteu

12

os espíritos livres em loas sejam louvados

e em loas sejam louvados os livres do espírito

que eu sou mais extraordinário que espírito e espíritos

e bendito o egoísta que escolhe escolher

que egoísta e excêntrico tal extravagante criança

é que terás a tempo o teu terrenal reino

e se ser tu quiseres dos cãs conquistadores

não sê dos pequeninos e paroquiais procariotes 

e lança mão de pés de paz peripatética 

que te liguem a terra e ao seu tesudo tesouro

e não procura céus nas sombras dos soberanos

e não perde infernos nas iluminuras ígneas 

e de jano fissura as facetas fechadas

que o agora pra guerra é garra de gavião

e o plano inclinado por inundação e incêndio 

é curvo de intimista e intrigante indagação 

que não existe divino ou demoníaco dom

que me livre com leis dos livros marginais

que não existe deus ou demônio domador

que a escrever estrumes pra estábulos lotados

me lace a um livro por lendas inspirado

que não seja eu a soletrar-me os segredos profanos

que eu já estou liberto das lenga-lendas e lamas

pra me prender à lira de minhas linhas lumens

 

 

[Fragmento do poema/livro Ode aos Deuses]

 

 

(imagem ©paul fryer)

 

 

 

 

Joedson Adriano (Bayeux/PB, 1983). Poeta, publicou Ode aos deuses (João Pessoa: Edição do autor, 2009). Desde 2002 é policial militar, 3º Sargento. Vive em João Pessoa. Escreve o blogue Ode aos Deuses, onde o poema pode ser lido na íntegra.