Basta observar com atenção para as 248 páginas (formato 29x22,5 cm) de A Cultura da Confiança — do Escambo à Informática: a hi$tória do crédito no Bra$il (Belo Horizonte: Editora Arte e Cultura, 2008) para constatar a seriedade da pesquisa (inúmeras referências bibliográficas), ricamente ilustrada (outra qualidade especial do livro. Correlação estética valiosa, pois envolve uma pertinente reprodução de imagens, num conjunto de iconografias que dá equilíbrio ao conjunto da obra), diagramação/editoração de alto nível, numa linguagem/narratibilidade espontânea sem perder o enfoque investigativo, e compreender um pouco mais sobre a história econômica da humanidade. O interesse do magnífico livro do psicanalista, especialista em História da Cultura Ocidental e Arte (Fafich/UFMG) e crítico de arte mineiro Carlos Perktold, reproduz uma visão sintética muito bem elaborada de como surgiu o escambo e a confiança comercial, desde os tempos mais remotos, entre as pessoas, instituições, países e o sistema internacional de transferências eletrônicas.

 

"Quem começou tudo isso foram os 'ever', mais tarde chamados de hebreus. Eles se tornaram judeus muitos séculos depois. Tiveram a coragem de sair de suas aldeias e começaram a negociar com outras pessoas em outros locais distintos, garantindo-lhes crédito nos escambos. A eles devemos à idéia do lucro e progresso", pontua, via diálogos por e-mail, o autor. Perktold apresenta ainda a invenção do dinheiro pelos lídios, também os primeiros na concepção do comércio varejista. Isto há mais ou menos 550 a.C. Como também o papel da metalurgia e a descoberta do ouro, metal raro, maleável e imutável. De maneira cronológica, o estudo adentra pela Idade Antiga, Média, até chegar na Ordem dos Templários e sua importância. "Como banqueiros, além de interessados na difusão do cristianismo, derrotar os muçulmanos e conquistar Jerusalém, fizeram horrores em nome de Cristo. Enriqueceram enormemente. Tinham centenas de 'agências bancárias' entre Lyon na França e Jerusalém, facilitando o transporte de dinheiro, moedas de ouro, não mais necessárias pelo caminho, pois as 'agências' deles se encarregam de pagar ao portador das cartas de créditos os valores desejados". Dos Templários, papados, letra de câmbio, cheque, a pesquisa chega ao Brasil. confirmando que as expedições de Colombo e Cabral foram garantidas por créditos dos banqueiros florentinos. Temos a partir daí o escambo na Terra de Vera Cruz, seguida de Terra de Santa Cruz, o crédito desde o descobrimento, Brasil Colônia, Brasil Império, até o primeiro governo da República, com direito a constatação crítica abordada pelo autor, desconstruíndo o mito Rui Barbosa, "um ministro desonesto que enriqueceu a custa de jogadas financeiras e políticas". 

 

Convém ressaltar a importância do acordo/conferência de Bretton Woods (NH, USA, 1944), com a presença de 730 delegados de 44 países aliados, para planejar a estabilização da economia internacional e das moedas nacionais sob o impacto da Segunda Guerra Mundial, no qual o dólar torna-se a moeda de referência internacional (cancelando a conversibilidade do ouro em dólar. Pois, principalmente após a crise de 1929, o sistema monetário padrão-ouro já demonstrava a sua derradeiro norma/regra de medida para trocas das reservas mundiais) que resultou na criação do Fundo Monetário Internacional (FMI) e do Banco Internacional para Reconstrução e Desenvolvimento (BIRD). Muito além da numismática ou das moedas, também as cédulas, com seus relevos, simbologias e artes, no livro temos uma exposição de conteúdo e processo instigantes por informações técnicas e culturais de interesse para historiadores, juristas, economistas, cientistas políticos, inclusive escritores e artistas, sejam eles gráficos, da academia, estudantes ou professores. Perktold escreve com maestria e o lucro maior é observar nos parágrafos seguintes alguns trechos do livro, alternando imagens preciosas e históricas, inclusive uma delas, a primeira (observe abaixo) advinda do Oriente, na qual as dinastias chinesas demonstraram um senso administrativo e fiscal fora do comum na fabricação de moedas intercambiáveis em mercadorias. Enquanto bem antes no Ocidente, os lídios criavam a primeira moeda padronizada e valor cambial. Lembrando sempre, um detalhe fundamental, para não fazer confusão, que o termo capital é um dos fatores de produção, formado pela riqueza e que gera renda. Sua representação é o dinheiro, e no sistema capitalista abrange os recursos usados na produção de bens e serviços destinados à venda, na fabricação de mercadorias. Adam Smith, David Ricardo, Marx, Stuart Mill, Keynes, monetaristas, também alguns sociólogos, e várias correntes/escolas do pensamento na economia durante os últimos séculos ampliaram várias idéias significativas, de acordo com os contextos, para uma compreensão mais científica e realista da expansão do capital nas contemporaneidades. Vale esta pequena ressalva, antes da leitura de trechos importantes e a apreciação das iconografias.

 

 

 

"Mas muito antes do Rei Creso (Lídia) ser derrotado (por Ciro II, Rei da Pérsia, mais ou menos 550 a.C.), ele tomou uma decisão da maior importância: rejeita o eletro de diferentes tamanhos, sem indicação de valor, e cria a primeira moeda padronizada e com valor de câmbio: o talento. Ele valia 60 minas. Cada mina valia 100 dracmas e cada um destes continha de 4,5 a 6 gramas de ouro ou prata. Isso quer dizer que um talento equivalia em peso entre 27 e 36 quilos de ouro ou prata. Não é sem motivo, portanto, que talento se tornou metáfora e é atributo de poucos artistas, os escolhidos dos deuses. Quem o tem, finge que ele não é importante e quem não o tem, fica ansioso para tê-lo ou morre de inveja de quem o tem. Exatamente como o dinheiro.

 

A divisão do talento em minas e drachmas era algo jamais pensado, um achado da maior importância. A sua idéia foi aproveitada pelos Romanos em 211 a.C., quando criaram o denário, então um adjetivo para informar "aquilo que contém dez" e que se tornou nome da moeda no valor de dez asses, fabricada no Templo de Juno Moneta. Daquela palavra latina surgiram dinero em espanhol, dinheiro em português, dinar para várias moedas árabes e o denier francês. Um áureo de ouro, moeda romana, valia 25 denários. A idéia da sua divisão em dez partes permanece até hoje pelo mundo. A própria palavra moeda vem do verbo latino monere (advertir) e da deusa Juno que, dependendo das circunstâncias mudava de sobrenome.   

 

Contam os historiadores romanos que, durante um ataque dos gauleses ao Monte Capitolino, a menor das colinas de Roma, os gansos alertaram os seus moradores com o seu grasnar. A partir daí, aquela deusa, moradora do Capitólio e que tinha nomes como Juno Pronuba, gerente das negociações matrimoniais, Juno Lucina, protetora das gestantes, e Juno Sospita, protetora do parto e do nascimento, passou a ser a defensora da advertência, Juno Moneta. Parte de sua atividade era dar proteção à emissão de dinheiro. De seu nome se originaram moeda, money, moneda, Münze e, lembrando o que os gansos fizeram, warning, advertência, em inglês.

 

O novo sistema criado pelo Rei Creso é reconhecido, aceito e adotado pelos persas e gregos e se espalha pelos povos com quem eles comercializavam. Mas o talento, inicialmente, por ter valor intrínseco, foi reservado pelo governo para os negócios de comércio exterior, a funcionar como divisa conversível, que convivia com o velho escambo. Mas aos poucos e com a introdução do drachma entre o povo, a sua nova forma de apresentação facilitou a vida de agricultores, pecuaristas, comerciantes, pescadores, mineradores e até de operárias do amor. Com valores significativos, cabendo em pequenas bolsas, podia-se comprar de tudo sem precisar transportar as mercadorias para o escambo. A nova invenção eliminou fase trabalhosa, desgastante e susceptível de erros e malícias: o momento de pesagem do ouro ou da prata para pagamentos das compras. A nova invenção abriu perspectivas comerciais de pequenos negócios em lojas colocadas lado a lado, existentes hoje em centros comerciais de qualquer cidade ou nos modernos malls ou shopping centers. O dinheiro facilitou a vida dos comerciantes que tinham apenas um produto para oferecer. Todos podiam, então, vender o que tinham para quem se interessasse, com o dinheiro da venda, comprar aquilo de que precisassem. Os serviços passaram a ser pagos com dinheiro. Dessa forma, havia moeda aceita por todos e o dinheiro começou não com a intensidade com que circularia muitos séculos depois, mas aquilo que fazemos no mundo contemporâneo como uma rotina diária, desde o primeiro momento do dia quando visitamos a padaria da esquina e continuamos em seguidos negócios, pagando em dinheiro, é fruto da genialidade de um rei".

 

 

"Ao perceberem a cultura local, os francos se tornaram menos agressivos com os nativos e aumentaram o comércio, o que fez crescer o crédito mútuo e a tolerância em nome do lucro. Com as crescentes doações e a riqueza acumulada, os Templários participaram ativamente da construção civil, edificando igrejas e uma rede de castelos e de fortalezas, que, bem protegidos, funcionavam como agências bancárias, recebendo, pagando e emprestando aos reis, nobres, senhores feudais, instituições e até para judeus. Cobravam taxa de juros de 10% ao ano sobre seus empréstimos, dois pontos percentuais menos que o máximo permitido pela igreja e menos que a metade de seus concorrentes judeus. Ofereciam, inclusive, mediante cobrança pelos serviços, aval nos empréstimos concedidos pela igreja aos nobres. Para desespero destes, a igreja os concedia apenas se eles fossem afiançados pela Ordem Templária. Como toda instituição financeira, eles correram riscos e, em várias ocasiões e com vários clientes, perderam dinheiro. Mas, na maioria, ganharam muito. Tinham ainda o benefício de mão-de-obra de custo baixíssimo, pois aos seus integrantes era proibido possuir dinheiro. Na plenitude de seu sucesso, tinham mais de sete mil funcionários, espalhados por mais de oitocentos e setenta castelos e fortalezas pela Europa e até Jerusalém. Os Templários não ofereciam somente serviços bancários. A idéia de pensões vitalícias mediante pagamento de contribuição anual durante determinado tempo é deles. Numa época na qual a violência, roubos e assaltos eram comuns, a venda da imagem de sua cruz escarlate, colocada na frente da propriedade, informava a eventuais invasores que os Templários a protegiam e, se assaltada, os bandidos seriam perseguidos por integrantes da instituição que todos temiam. Esse serviço policial era uma extensão dos objetivos iniciais de proteção aos peregrinos quando da sua criação.

 

Com o enriquecimento, a sua exemplar administração passou a ser o modelo do que seriam os bancos italianos três séculos depois e ainda é para os banqueiros modernos. Os valores em ouro e prata durante séculos foram transportados correndo riscos graves em longas viagens e por custosas escoltas de cavaleiros. Os Templários, instituição da mais alta confiança entre a Igreja, os nobres e o povo, resolveram as dificuldades e diminuíram o custo desses transportes, emitindo, em Lyon, ordens de pagamento o qual seria feito com segurança ao longo do caminho até Jerusalém. Eles começaram a utilizar os cheques, que tinham credibilidade ilimitada, cobravam um percentual pelos serviços prestados e se tornaram os precursores do sistema financeiro internacional. Os poderes do grão-mestre ou do seu tesoureiro eram restritos e a ordem tinha estatuto com mais de seiscentos artigos, cumprido com rigor por todos. Os empréstimos eram decididos com o consentimento de 'um grupo de respeitáveis homens de casa', que dividiam responsabilidades, como age a diretoria de qualquer banco ou financeira do século XXI. A Ordem tinha navegadores que percorriam o Mediterrâneo e, com a experiência ao longo de centenas de viagens, adquiriram tecnologia marítima, cujo segredo era mantido no mesmo cofre de seus tesouros.

 

A Ordem dos Templários passou a responder apenas e diretamente ao Papa a partir de 1139, quando Inocêncio II promulgou a bula Omne datum optium, renovada anos depois por Inocêncio III, quando a Ordem estava no auge do seu prestígio. Nem mesmo o patriarca de Jerusalém tinha mais autoridade sobre eles. A bula foi aceita e cumprida, mas deixou ressentimentos entre nobres de prestígio que não conseguiram se tornar templários e esses ressentimentos, mais tarde, foram cobrados. Com o tempo, a riqueza deles cresceu tanto que, adicionada aos poderes eclesiásticos e bélicos, fez nascer a arrogância entre seus integrantes e o ódio de parte da nobreza. Reclamação de diversas naturezas chegavam aos papas com mais frequência do que seria desejado. Além disso, eles haviam desenvolvido uma particular cultura ao segredo que, aos olhos ocidentais, deveria prevalecer apenas no Oriente. Um desses segredos era o critério de admissão de novos membros na Ordem. Ele era tão bem guardado que o próprio Rei da França, Filipe, o Belo, pleiteou a sua admissão e foi recusado.

 

O ressentimento da realeza e dos senhores feudais não pertencentes à Ordem durou dezenas de anos e foi, aos poucos acumulando-se. Várias de suas reclamações tinham fundamentos, mas eram relevados pelos papas. Em várias ocasiões, os Templários lutaram contra os próprios cristãos, horrorizando a todos. Era inevitável a comparação entre as suas atuais riquezas e arrogância com a humildade e a pobreza do seu fundador, Payns. Todos os seus inimigos argumentavam que o objetivo inicial estava deturpado em favor das lucrativas atividades seculares. Por dever bancário e para piorar a situação deles perante a Igreja, os Templários mantinham boas relações com muçulmanos e judeus, além de ter créditos enormes locados entre diversos reis e príncipes poderosos. Isoladamente nenhum deles teria condições de enfrentar os Templários, mas, em conjunto e com idênticos interesses seria possível derrotá-los, não pagar os débitos e ainda saquear tesouros".

 

 

"João Lopes de Lima, Manuel Garcia, Miguel Garcia, Padre João de Faria Filho, Salvador Fernandes Furtado e Antônio Dias, todos paulistas, descobriram em 1696 o generoso Ribeirão do Carmo, abundante em ouro, na região da atual cidade de Ouro Preto. Ali se fundou o arraial de Nossa Senhora do Ribeirão do Carmo, que, a partir de 1711, tornou-se a primeira vila de Minas Gerais, cidade situada a 110 km de Belo Horizonte e a 20 de Ouro Preto, cujo nome foi alterado para Mariana em homenagem à então Arqui-duquesa da Áustria, esposa de D. João V. Em 1700 confirmou-se a descoberta do ouro em Sabará.

 

O século XVII começava de forma exultante na principal colônia portuguesa e, nos cem anos seguintes, a exploração do ouro teria importância histórico-econômica no futuro da colônia de Portugal e da Inglaterra na Europa. Não foi apenas nas Minas Gerais o achado do ouro. Jacobina e Rio das Contas, na Bahia, Forquilha e Sutil, no Mato Grosso e Guaiás, em Goiás, revelaram-se locais de surpreendentes reservas auríferas, iniciando o Ciclo do Ouro, o acontecimento econômico mais importante da história da colônia.

 

Apesar do fascínio que o ouro sempre trouxe consigo e o potencial de riqueza que a sua garipagem e possível descoberta oferecem, não havia crédito para os mineradores. O risco para o prestamista era grande demais. Por isso, quem precisava de capital para iniciar uma bandeira ou investia o que tinha em dinheiro ou vendia parte de seu patrimônio. Em qualquer circunstância, corria o risco do empreendimento sozinho. Para os bandeirantes, as bandeiras devem ter despertado o duplo sentimento de estarem atendendo a régio e irrecusável pedido e, ao mesmo tempo, arcando com um presente que evocava o sabor amargo das capitanias hereditárias: a Coroa ficava com o quinto dos eventuais lucros, não investia nada, não corria riscos, não se responsabilizava por qualquer prejuízo e nem socorria o bandeirante corajoso, mas desafortunado. Pouquíssimos investidores se aventuraram em financiá-los, uma vez que a atividade envolvia a má-sorte e até a morte do devedor.

 

Desde a chegada de Cabral, houve interesse e curiosidade quanto ao interior do Brasil, mas pelas dificuldades encontradas pelas expedições, este continuava idealizado nos mapas, que registravam apenas linhas retas divisoras das capitanias. Tal como tudo encontrado além do Mar Oceano era visto com esperança de terras e de riquezas potenciais, o sertão brasileiro foi imaginado da mesma forma, incluindo as suas dificuldades de acesso, animais ameaçadores e a vigência da lei da barbárie. A longa distância geográfica da Corte, a dificuldade de sua penetração, o perigo e o custo de cada viagem de ida e de incerta volta ao local de origem, os nativos perigosos e outras ameaças transformaram o interior brasileiro em local de pouco interesse para investimento".

 

 

"Pagamos caro a Portugal pela independência. Em dinheiro — dois milhões de libras esterlinas, em prestações anuais de cem mil e o compromisso de pagar a dívida portuguesa para com a Inglaterra, a qual totalizava um milhão e quatrocentos mil libras esterlinas — em 'restituições' de propriedades portuguesas, tais como 'bens de raiz e móveis, ações seqüestradas ou confiscadas, assim como embarcações e cargas apresadas'. Ninguém se lembrou de abater, no preço do acordo de indenização, os valores levados por D. João VI na sua viagem de volta a Portugal. Quando venceram as parcelas anuais devidas aos portugueses e faltaram divisas para o seu pagamento, iniciamos nosso processo de empréstimos externos e de endividamento do país.

 

O tratado do reconhecimento da independência foi também benéfico ao intermediário além da garantia de que receberia a dívida portuguesa, a Inglaterra exigiu de D. Pedro I a preservação por quinze anos dos benefícios do nefasto acordo assinado por seu pai, incluindo a liberdade religiosa para os súditos ingleses. Essa liberdade, desde 1810, quando foram assinados os três tratados com a Inglaterra, irritou profundamente a Igreja Católica. Os protestantes ingleses foram autorizados a erguer templos com a única condição de que eles se assemelhassem a domicílios particulares e não se soassem os sinos na hora dos cultos. Tão logo o acordo foi assinado e ratificado por D. João VI em Portugal, os principais países do mundo reconheceram o Brasil como nação independente. Estados Unidos foi o primeiro, em 26 de junho de 1824, seguido do México, em 9 de março de 1825, da Áustria, em 27 de dezembro de 1825, seguidos da França, Santa Sé, Inglaterra, reinos e principados da Alemanha e da Itália.

 

Passamos por essas e várias outras vicissitudes políticas entre a coroação do Príncipe até a sua abdicação em 1831, entre elas incluindo-se a dissolução da Assembléia Constituinte, a prisão e o exílio de vários políticos proeminentes, inclusive Antônio Carlos, e a de seus irmãos, até chegar à promulgação da nossa primeira Constituição em 25 de março de 1824".

 

 

 

 

"O termo 'encilhamento' refere-se ao momento de colocação das cilhas e dos arreios nos cavalos que se preparam para a corrida. É nesse instante que os apostadores arriscam o seu dinheiro nos hipódromos, imaginando acertar o cavalo ganhador e receber compensações de várias vezes o valor da aposta. É pouco provável que, se em algum momento Rui Barbosa pensou em encilhamento ao assinar o decreto contendo a reforma, não tenha pensado no cavalo como uma metáfora do Brasil e a certeza de ter o povo e nossa elite como se fossem um único apostador vitorioso de uma corrida que se chama república. Com a sua reforma, o Ministro da Fazenda transformou o país em um local de especulação e de easy money, as duas primeiras tragédias econômica republicanas.

 

Para produzi-las, Rui Barbosa autorizou pelo decreto n. 190 de 30 de janeiro de 1890 o funcionamento do Banco dos Estados Unidos do Brasil, de propriedade de Francisco Mayrink, e concedeu-lhe o privilégio de ser o banco centralizador dos outros que emitiriam dinheiro, 'um cancro' no governo, segundo Demétrio Ribeiro. Rui Barbosa não ficou apenas no favorecimento de seus amigos e clientes banqueiros. Ele manipulava Deodoro da Fonseca com sucessivos pedidos de demissão se algumas de suas sugestões ou medidas adotadas não fossem executadas como ele determinava.

 

Rui Barbosa argumentava para Deodoro e para alguns dos seus agressores que, com crédito garantido e dinheiro disponível, à vontade nos bancos brasileiros, os empreendedores surgiriam e fariam do Brasil um país industrializado. A expansão do crédito objetivava facilitar e estimular a fundação de novos negócios na indústria e no comércio. Por isso, o crédito foi livremente concedido, mesmo àquelas pessoas sem condições de pagá-lo, mas que, com um projeto convincente em mãos, conseguia o dinheiro com facilidade nos bancos credenciados. Local de dinheiro fácil, o Brasil se tornou o paraíso dos vigaristas e especuladores. Foi por causa de tantos golpes, especulação e inflação desenfreada que a sua gestão ficou conhecida como Encilhamento. Não era mais a quimera da República ser a metáfora do cavalo vencedor, mas local e da República que engatinhava e ao mesmo tempo o Paraíso para alguns banqueiros e muitos especuladores.

 

Como o governo, credor dos empréstimos, não se preocupava com a ficha cadastral do devedor, surgiram centenas de vigaristas que, após receberem o dinheiro dos projetos aprovados pelos bancos, ou desapareciam com os valores sem deixar vestígios ou constituíam empresas que faliam em seguida. Alguns projetos mais audaciosos tiveram lançamento de ações em bolsa de valores. Pouco depois de as empresas desaparecerem, seus diretores colocavam o dinheiro do projeto no jogo financeiro, completando o círculo vicioso. A inflação e o endividamento do país foram duas conseqüências econômicas prejudiciais a milhões e benéficas para a poucos.

 

Rui Barbosa hoje é conhecido pelo grande público por frase famosa sobre a honestidade, mas Luis Nassif, em páginas demolidoras, comprova que ele e seus clientes banqueiros se beneficiavam do país com a sua reforma. Ela favoreceu 'grupos específicos' e Rui Barbosa 'saiu do governo sócio do conselheiro Mayrink em três empresas'. O país foi ridicularizado no mundo, tamanho era o absurdo financeiro. Em Paris, 'o grande sucesso era a opereta Can Can de Jacque Offenbach, na qual o personagem mais hilário era o brasileiro que dava um golpe por aqui, enriquecida, mudava-se para Paris, era esfolado pelas dançarinas do vaudeville e depois voltava para o Brasil para mais um golpe'.

 

Rui Barbosa perdeu o cargo no dia 20 de janeiro de 1891, catorze meses depois de empossado e de vender, sem autorização, valioso palacete governamental, a Quinta do Caju, por preço 'irrisório'. A venda foi anulada e ele pediu demissão pela nona vez. Foi aceita. Saiu rico e foi dirigir empresas do conselheiro Mayrink. Anos depois, lamentava as decisões tomadas. Em 1909, em famosa campanha civilista, candidatou-se a Presidente da República. Perdeu a eleição para o Marechal Hermes da Fonseca, sobrinho de Deodoro. Seus erros, as campanhas militares — A Revolta das Armas, A Revolução Federalista e a Guerra dos Canudos — após a República, exauriram o Tesouro Nacional, produziram despesas enormes e estas causaram mais inflação. Em menos de dez anos, o regime republicano se endividara".

 

 

 

março, 2010