poltrona para entidades

 

rua não escureça

janela não se feche

persianas não venham com loucuras

a não ser na presença

de telas vigilantes

e de abajures sensíveis

ao toque

 

quando além dos nomes

se confundem os tornozelos

narizes idênticos

cílios bem distribuídos

se falta luz joelhos gêmeos

se movem retos do mesmíssimo

jeito

 

 

 

 

 

 

sem querer elisa

 

sem querer elisa

tropeça no tapete

a caminho da cozinha

à meia-noite

 

sem querer elisa

esqueceu as calcinhas

lavadas no banheiro

há 3 semanas

 

sem querer elisa

no quarto da frente

borrifa saliva

nas folhas

 

 

 

 

 

 

colar de consoantes

 

no final do ano eram maiores

os quadris

as calçadas

o comentário inesperado sobre uma atriz de cinema

e o vento

dentro do carro examinava

um colar com as letras metálicas

do seu nome

 

 

 

 

 

 

encarte de lloyd cole com formigas

 

lloyd cole com

formigas está pronto

pra tudo

entre páginas famílias

inteiras se movem

 

desde quando

lloyd cole não come

um doce

enquanto uma perna

esquerda dorme 

 

 
 

o plano odontológico de marcinha

 

marcinha sorri satisfeita

não

marcinha gargalha das suas piadas

com visível exagero

 

os dentes brancos de clareamento

(marcinha usou aparelho)

se confundem com a louça

do banheiro

 

quando casarem você também

terá convênio

e poderá finalmente arrumar

o sorriso

 

 

 

 

 

 

triângulo das bermudas

 

na enchente quem salvará

nossos grampos

clipes e alfinetes

 

o resgate não virá

para ramonas

pregos e pentes

 

um carro desgovernado

esfregará ex-bermudas

pelo chão e paredes

 

 

 

 

 

 

camundongo

 

calabouço o corpo pesa

toneladas lá dentro

o camundongo sobe escadas

 

na torre mais alta as alavancas

fazem você lá fora

alcançar um lenço de bolso

 

 

 

 
 
 

moradores de quitinete

 

o chão de quitinete

acumula os mesmos ácaros

que andam pelos corpos e cabelos

compartilhados no único

travesseiro úmido

dos moradores de quitinete

quando sentem sono

 

 

 

 

 

 

 

calças curtas

 

receber quem chega de uma viagem rápida

é prever acidentes rodoviários com improvável angústia

lá vai o ônibus deitado se arrastando no asfalto e sua cabeça grande perdendo

os fones de ouvido e talvez outros detalhes enquanto velhos e garotas voam

longe com seus pacotes de salgadinho e o fracasso dessas suas pernas

em relação às saídas de emergência lá no alto

 

checar então velhas fotos

e concluir que sempre foram

assim bem menores

que o tronco

 

 

 

 

 

 

um poema de sorte

 

feliz o poema

que ganha outro poema

em troca

 

só encaixadinhas

as estrofes cumprem

seu papel na terra

 
(imagens ©till westermayer)

 
 
 
Ana Guadalupe nasceu em novembro de 1985. Estudou Letras e trabalha com redação publicitária em Maringá, no Paraná. Seus poemas foram publicados em sites como o Portal Literal, na mostra "Blooks — Tribos & Letras na Rede" (coordenação de Heloísa Buarque de Holanda e curadoria de Bruna Beber e Osmar Salomão, 2007) e na revista virtual Be My Mafia Family [única edição, disponível aqui, para download]. Está nas antologias Otra línea de fuego (Espanha: Selo Maremoto, 2009) e Peso pena (São Paulo: Black Demon Press, 2010). Escreve o blogue Roxy Carmichael Nunca Voltou.