1

 

Para que amorte

dome os ossos-tutanos,

 

(que sempre existe um nervo

de rabo de lagartixa)

 

é prudente que cuspa

a hemorragia, o cancro.

 

A febre reumática, o pigarro.

Os vermes mais embutidos.

 

 

 

 

 

2

 

É prudente que amorte

se vista de manequim.

 

Que doe os seios duros a chupadas.

A bunda brava a penetradas.

 

E na fêmea, enfiando

o membro; rombudo. Rasgando.

 

No fim, dando ou botando

amorte geme. Gozando.

 

 

 

 

 

3

 

Constantemente amorte

varia seu cardápio:

 

Carne um dia. Osso noutro.

Varia o comido, não a ação.

 

Tanto almoça o corpo

no terno, engravatado,

 

quanto ao que se cobre

em lençóis de papelão.

 

 

 

 

 

4

 

amorte quando engrena

o maquinário de matar,

 

(maquinário de incubação)

começa, por assim dizer,

 

a chocar os seus defuntos.

Choca sem a maternidade

 

das galinhas de capoeira.

Choca um ovo choco. Gorado.

 

 

 

 

 

5

 

amorte, quando escreve

no morto de nada, avulso

 

ou morto timbrado,

de arquivos, protocolado,

 

escreve não no carvão

e nem-não a caneta.

 

Melhor, não escreve,

carimba: morto. Comprovado.

 

 

 

 

 

6

 

amorte possui ferramentas

que sempre conservam o corte.

 

A faca com que faz talhos

no corte é-que-se amola.

 

A própria unha faz um corte,

do mais cirúrgico, amiudado.

 

A língua, lambendo, corta.

O corte de Língua-ferina.

 

 

 

 

 

7

 

amorte em cortar ossos

em nada se apieda.

 

Pois para sua fogueira

tanto podem vir ossadas

 

infantis, que dá o fogo branco

(de chama abrandada)

 

ou os ossos de atletas,

que varam a noite, queimando.

 

 

 

 

©quarthon

 

 

 

 

8

 

Para entrar em casebres

amorte arromba a fechadura.

 

Ao casebre não faz cerimônia.

Nem chama. Nem bate palmas.

 

Entra como se ali morasse

(como visita que se esperasse).

 

Entra tanto para dentro

que tão dentro o fora se embute.

 

 

 

 

 

9

 

Bem distribui amorte

a oval dor de barriga.

 

Que é dor maior que o parto,

pois do que sai, nada é compensado.

 

Uma caganeira nem só de merda.

Caganeira de fetos aleijados.

 

Bem mata amorte, cagando.

(o olho-do-cu, estambocando)

 

 

 

 

 

10

 

Não se finda com rezas amorte.

Nem procissões, nem novenas...

 

Que mais certo que a certeza

é que se nasce com ela, engravidado.

 

E todo quilo nascido

tem dois quilos cobrados.

 

E não levando o corpo minúsculo,

deixa-o na vida, nos juros de engordado.

 

 

 

[Poemas do livro AMORTE]

 

 

 

 

 

 

Helder Herik (Garanhuns-PE, 1979). Ensina Filosofia e Literatura, nos colégios Quinze de Novembro, Santa Sofia e ACIG. Escreve para os jornais O Século, O Mafuá e u-Carbureto, sendo editor deste último. Publicou o livro de poemas AMORTE (Edição do autor, 2008), e As plantas crescem latindo (Edição do autor, 2009). É, também, um dos fundadores da Sociedade dos Poetas Vivos — João Cabral de Melo Neto. Edita o blogue Crônicas Fraturadas.