*

 

pensei em te trazer flores

mas as flores são inúteis

só sabem florir

a velocidade de minha dor

não sabem sentir

o que eu sinto

 

pensei em te trazer poemas

mas os poemas são inúteis

só sabem sentir

minhas asas mutiladas

não sabem ferir

o que eu sinto

 

pensei em te trazer estrelas

mas as estrelas são inúteis

só sabem ferir

meu brilho escuro

não sabem mentir

o que eu sinto

 

pensei em te trazer mentiras

mas as mentiras são inúteis

só sabem mentir

minha beleza ulcerada

não sabem amar

o que eu sinto

 

pensei em te trazer um amor

mas os amores são inúteis

só sabem amar

não sabem florir

sentir ferir e mentir

o que eu sinto

 

 

 

 

 

*

 

   virginia percebeu a loucura voltando, vincent percebeu a loucura voltando, as rosas perceberam a verdade. as horas perceberam a loucura das rosas, ouvir a verdade. os quadros sabiam a verdade, desde o início os quadros ouviam e gritavam a verdade — a beleza está por toda parte. todos os outros estavam surdos à verdade. esta surdez, a forma mais compreensível de mediocridade, não apenas uma aceitável forma de ausência de coragem, mas a mais segura e confortável forma de ser — inútil paisagem. loucura é ouvir o que me grita beleza por toda parte. virginia viu, vincent escreveu, que inútil era amar a arte. pois a vida é surda a esse amor. há dias em que a vida é surda a todos os amores. a vida jamais saberá nos amar como nos ama a arte. loucura é apenas ouvir o que me grita beleza por toda parte, é ouvir o que me grita luas por todos os lagos, o que me grita luas e lagos por todos os lados, o que me grita virginias e vincents por todos os quadros. os outros estão surdos, e pensam que estão certos, pensam que sabem o que sentem os pianos, o que os pianos perderam, tudo o que os pianos não perdoaram. apenas porque estão surdos, eles pensam que podem ser beethovens. e assim desperdiçam pianos a qualquer hora, a qualquer rosa, a qualquer quadro. vincent, virginia: tanto viver que para eles era imperdoável: tanto amar que para eles era insuportável. pois tudo era belo. no fim tudo tinha sido belo, mas os outros diziam que não. eles diziam que toda aquela beleza era maligna e não magnólias, decidiram que tal beleza era culpada. e eu, ao falar dela, mais um cúmplice de suas incandescências; sobretudo para as rosas, um réu confesso de todo o seu arder, aquecer e aclarar.

    virginia percebeu a loucura voltando, ela percebeu que as coisas belas eram as culpadas. a beleza era a única culpada por nós não amarmos todas as coisas.

    vincent percebeu a loucura voltando, ele percebeu que as coisas feias eram inocentes. as coisas feias não eram feias, elas sempre foram inocentes de toda a nossa falta de amor.

 

 

 

 

 

ácidos líricos

 

meu bem, desculpe estar

hoje um tanto diferente

se penso mar, lê-se amar

e assim continuamente

 

mas não sou eu o problema

são os ácidos líricos falando

dissolvendo, transformando

tudo que escrevo em poema

 

tentei mentir, usar essa energia

para algo útil mas infelizmente

essa é minha sina, minha cisma

 

só o que eu vivo vira poesia

os ácidos líricos não mentem

essa vida ou será rima ou minha ruína

 

 

 

 

 

[Poemas do livro Nunca seremos tão felizes como agora. Rio de Janeiro: 7Letras, 2009]

 

 

 

(imagens ©audreyjm)

 

 

Fernando Koproski (Curitiba/PR, 1973. Publicou os livros de poemas: Manual de ver nuvens (1999); O livro de sonhos (1999); Tudo que não sei sobre o amor (2003), incluindo CD que apresenta leitura de poemas na voz do autor e temas musicais compostos por Luciano Romanelli; Como tornar-se azul em Curitiba (2004); e Pétalas, pálpebras e pressas, livro selecionado para publicação pela Secretaria de Estado da Cultura do Paraná (2004). Como tradutor, organizou e traduziu a Antologia Poética de Charles Bukowski Essa loucura roubada que não desejo a ninguém a não ser a mim mesmo amém (7 Letras, 2005), bem como a Antologia Poética de Leonard Cohen Atrás das linhas inimigas de meu amor (Rio de Janeiro: 7Letras, 2007). Como letrista, tem composições gravadas por: Beijo AA Força no CD Companhia de Energia Elétrica Beijo AA Força; Alexandre França no CD A solidão não mata, dá a idéia; Casca de Nós no CD Tudo tem recheio; e Carlos Machado no CD Tendéu.