MAIS HUMANO

 

4.

Seja mais humano,

menos egoísta.

Suma!

 

E quando estiver perto,

Seja ao menos uma vez honesto.

Assuma!

 

 

 

 

 

 

O TODO

 

8.

A junção das partes.

Nós.

O todo.

 

 

 

 

 

 

AMOR POR AMOR

 

14.

Insônia profunda

quando meus eus explodem

como heterônimos de Fernando Pessoa.

Agora encarno Vinicius

e seu excesso de amor.

Amor por amor.

No Rio de Janeiro,

eu me faço carioca

em estado de espírito.

 

Insônia insana,

quando meus egos exteriorizam

almas de todos os tipos.

Agora eu assumo Drummond

na minha individualidade solitária

e me faço de Itabira,

que até a tristeza me diverte,

e penso nos sonetos de Camões,

e nas chagas do amor.

 

No espasmo vem o marasmo,

um truque desconcertante,

e eu escureço na minha palidez,

e transpareço um oceano de lembranças,

mas a morte não clama por mim,

porque a vida me contempla,

em todos os seres me chama

como continuação,

e eu não deixo de existir.

 

 

 

 

 

 

JANELAS

 

15.

A vida abre

caminhos:

existencialismo de Sartre.

 

Eu me envolvo

com o mundo

e me escondo

(atrás das portas)

até alguém me descobrir.

 

Quando o silêncio expandir minha voz,

eu estou aqui.

 

Isso tudo

quando percebo

janelas.

 

 

 

 

 

 

OVERDOSE

 

17.

Overdose

Overdose

Overdose

 

Meu coração salta para fora da boca

Metáfora

Maldição

 

Acelerada

Pirada

Pancada

 

Overdose

Dose

De uísque

 

Overdose

Over...

Pupilas dilatadas

 

Overdose

Metamorfose

Não é mais um homem

Parasita

 

Conspiração

Ritmo

Descompassado

Morte súbita.

 

 

 

 

 

 

O SONHADOR

 

22.

O sonhador tem

a alma no céu

e os pés no chão.

Ou será ao contrário?

Os pés no céu

e a alma no chão?

 

 

 

 

 

 

A VIDA

 

24.

Uma folha

é só uma parte da árvore

e não contempla todas as estações

(uma folha é só).

 

Uma gota de chuva nos vidros

não é mais chuva.

O vidro quando reflete

é espelho.

 

Eu não enxergo

a vida

tão cor-de-rosa assim.

 

 

 

 

 

 

RIO DE JANEIRO

 

27.

Fiquei na dúvida.

Eu continuava a ler o livro de Clarice

ou olhava a vista do Rio de Janeiro,

Ao anoitecer, pela janela do avião?

Então, optei:

escreveria esta minha indecisão.

 

 

(imagem ©andren)

 
 

TEMPO QUE NÃO VOLTA MAIS

 

 

Tenho pensado muito sobre o tempo. Ainda mais agora, que estou no escuro. Acabou a energia. Liguei a lanterna. Sei exatamente onde encontro tudo em minha casa. Até mesmo no escuro.

 

E o escuro ou esta pouca luz em que estou traz à tona meus pensamentos. Como não resta outra coisa a não ser entrar no notebook, enquanto há bateria, sobram apenas minhas memórias, minhas fotografias e minha escrita. Por isso, hoje foi um dia de saudades. Saudade de um tempo que não volta mais. Saudade de todos os meus anos vividos. Saudade de tudo. Simplesmente tudo. E este tudo não cabe nem mesmo em mim. E tudo de repente voltou neste mísero instante, como se todas as coisas esquecidas tomassem forma, uma nitidez capaz de ofuscar meus olhos, de tanta beleza, de tantas boas recordações.

 

Grandes confissões eu já escutei no escuro, após longos temporais.

 

Já segurei as mãos da minha avó quando criança, com medo do escuro.

 

Já amei, no escuro.

 

Minhas doces recordações da infância também têm relâmpagos e trovões, e até mesmo aquela chuva forte que chegava a inundar o jardim, o terraço, todo o quintal, com aquele cheiro gostoso de terra molhada, cheiro este que lembrava bala de coco, que penetrava por minhas narinas e invadia o meu coração.

 

Guardo os cheiros da minha infância. Da ternura que era ser criança. Das coisas mais simples e repletas de significados. Cheiro de amor. Cheiro de jabuticaba. Do brigadeiro na panela. Da pipoca estourando. Dos bolinhos de chuva. Cheiro de felicidade eterna. Grande ilusão.

 

Sentia a alegria incontida, quando acabava a energia, como se algo muito especial pudesse acontecer. Uma sensação de medo gostoso. De inesperado. De estar viva. Como chuva de granizo. "Está chovendo pedra!".

 

As casas se foram.

 

Pessoas se foram.

 

Só depois entendi que assim é a vida.

 

Hoje, reencontrei todos os meus pedaços. Sei tudo o que sou. Passado, presente e futuro. Hoje. Agora. Já. Preciso lembrar disso amanhã. Preciso.

 

Enquanto a luz não volta, toda esta grandeza irradia em mim, iluminando a pequena pessoa que eu sou diante de toda esta imensidão de sentimentos e de momentos tão inesquecíveis, que não voltam mais.

 

 

 

CENA DE FILME

 

Foi exatamente isso que aconteceu. Eu e minha amiga estávamos saindo do trabalho, quando resolvemos que passaríamos na livraria, onde vou lançar meu novo livro. Então, o tempo fechou de repente. No lugar do sol forte que veio pela manhã, uma massa cinzenta começou a engolir o final do dia. Escureceu de repente. E veio o temporal.

 

Descemos do carro. As ruas já estavam alagadas. A água já estava na altura do joelho. Pensei: "Hoje é dia do Juízo Final. E não há arca de Noé que dê jeito". Visualizava as notícias do jornal, do dia seguinte, onde nós duas apareceríamos agarradas em postes, para que o vento não nos levasse, como se ali estivesse acontecendo um furacão. Sim, o homem brincou tanto com a natureza que havia passado um furacão pelo Brasil. E no Rio de Janeiro, ainda por cima!!! Quem disse que isso nunca ia acontecer? Ok. Tudo isso fruto da minha densa imaginação, mas a sensação mais inédita que eu tive nos últimos tempos.

 

Conseguimos entrar na livraria. Lá dentro, uma calmaria só. Tomamos café, comemos croissant, e como a chuva não passava, e eu estava morrendo de frio, porque estava toda molhada e nervosa, tomei uma taça de vinho, a fim de me acalmar e me esquentar.

 

Foram duas horas lá dentro e a chuva só aumentava. Os carros não conseguiam passar. Eu imaginei que meu carro já estivesse todo estragado e que não haveria ninguém que pudesse me acolher naquele dia de dilúvio.

 

Então pensei em Dorothy e O Mágico de Oz, e que não há melhor lugar no mundo do que a nossa casa. Também pensei em passagens bíblicas, principalmente quando o Mar Vermelho se abriu ao meio, para que o povo pudesse passar. Por fim, pensei também nas pessoas que não têm onde morar. E concluí que se era assim no Rio de Janeiro, imagine só nos outros cantos do nosso imenso Brasil...

 

Com tudo isso, entendi que não era filme. Não havia romance algum. Muitas pessoas estariam, no mínimo, desabrigadas. A realidade de alguns, simplesmente, era dura demais.

 

 

 

TUDO É TRANSITÓRIO

 

Pode parecer triste, mas não é. Simplesmente, tudo na vida é passageiro. Vivemos de momentos, instantes que nunca mais voltam.

 

Não consigo enxergar tristeza neste fato. Somos seres substituíveis, o que não significa que somos descartáveis. Temos um ciclo. Seja no trabalho, seja nos relacionamentos, seja no nosso próprio corpo.

 

A sabedoria da vida não está apenas em fazer aquilo que se gosta, nem em gostar daquilo que se faz, mas sim em fazer o que deve ser feito, gostando ou não, e sem reclamar. A falta de reclamação aqui toma um sentido mais profundo. Assume o sentido de que é preciso enxergar o lado bom das coisas e aproveitar a chance para amadurecer.

 

No meu caso, eu escolho plantar caminhos. E vou jogando sementes nestes vários caminhos, que se tornam verdadeiras plantações. Quando um acaba, sempre tenho outro a tomar. Existem alguns que eu ainda nem percorri. Talvez nem haja tempo ao longo de minha existência para isso, por ter plantado imensos latifúndios.

 

Só não sou muito boa com a colheita, que demanda uma paciência de Jó. Mas até isso tenho aprendido. E creio que a chuva vem no momento certo.

 

Há períodos de seca. Outros de dilúvio. Não me agrado com isso, mas entendo. Entendo, porque viver é saber entender que a vida segue seu curso, sem que você possa oferecer qualquer explicação.

 

O segredo é aceitar. A própria limitação e a infinitude da continuação, que talvez já não caiba mais a você, a mim, a nós.

 

Tudo na vida é transitório. Esta é a maior lição de humildade que aprendi.

 

 

Fabiana Borgia (Rio Claro/SP). Graduada em Direito pela PUC-Campinas (SP). Especialista em Direito Público na OAB-RJ, e em Bioética na PUC-RJ. Trabalha na Assessoria Jurídica do Departamento de Controle do Espaço Aéreo (DECEA), onde é chefe da Seção de Investigação e Justiça. Atualmente, faz especialização em Leitura e Produção Textual. Participou de vários eventos poéticos na cidade do Rio de Janeiro, onde vive. Publicou Traços de personalidade (São Paulo: Scortecci Editora, 2005) e Desconexos (Rio de Janeiro: Editora Ibis Libris, 2008).