*

 

no espelho

à espreita

 

me cego

me perco

 

vida passada a limpo

conclusa tenra calma

 

 

 

no silêncio do quarto

a meu revés

 

eu mesma

simulacro desejo

 

 

enquanto o tempo deita âncoras na alma

 

 

 

 

 

 

 

flagrante

 

o desaviso faz

desta manhã

cristal

impuro

rio de chumbo

fel

talho na carne

 

lado a lado engolimos

nosso medo

e remorso de sorrir

mais alto

 

de viver mais leve

que a neblina

que este ar

que esta aragem

 

mesmo nesta rua seca e desossada

 

 

 

 

 

 

 

ampulheta

 

enquanto o dia escorre no horizonte

 

a lua

vigia

 

a corrosão

das coisas e dos homens

 

 

 

 

 

 

 

entrementes

 

num átimo

o último

 

sopro

beijo

sonho

 

a última palavra

o abismo

 

 

no sol posto

um istmo

 

unindo         

o nada          a nada

 

 

 

 

 

 

 

desejo

 

fosse tua essa mão

tecendo o véu da noite 

 

fosse tua essa voz

a urdir manhãs de maio

 

fosse teu esse cheiro

de chuva temporã

 

a vida espetalava de felicidade

 

 

 

 

 

 

 

decifração

 

quando teu corpo

ardência e mel

me despetala

 

quando me apunhalas

e dissolvidos

nas fendas

no tempo

rodopiamos

 

 

ao sabor

de gumes

e sombras

 

quando o beijo

estremece

quase abismo

 

comungamos em sôfrego silêncio

o primeiro gesto

o primeiro sangue

o primeiro lume

(imagem ©raindroppie)

 

Dagmar Braga (Pitangui/MG). Idealizadora do espaço cultural Letras e Ponto, em Belo Horizonte, onde reside. Organizou a antologia Noites de terça, com trabalhos desenvolvidos nas oficinas de literatura. Publicou o livro de poemas Geometria da paixão (Belo Horizonte: Anomelivros, 2008).