©undulla
 
 
 
 
 
 
 

 

 

Finalmente, as férias. Vou para a região dos lagos, que ainda considero o paraíso. Não é mais como era, pois há alguns anos aconteceu por lá a terceira invasão francesa. Tenho certeza de que o Mauricinho vizinho de minha casa, é tataraneto do Nassau.

 

Tudo bem, dispo a implicância e prometo que nada estragará meu descanso.

 

— A cidade está lotada — avisa-me Tereza, minha caseira — O Jorge Versículo vai cantar dia 29 na praia.

 

— E o Tony Capítulo também vem? — faço uma gozação com ela. Somos amigas e temos intimidade que vai além dos vínculos de trabalho. Desisti de avisar que o Jorge é Versilo, não adianta. Ela cismou com Versículo.

 

Terê é a esposa do Valdenir, meu caseiro há quase dez anos. Eu a conheci num dia em que andava na orla, final de tarde, esperando o pôr-do-sol.

 

Ela estava vendendo sacolé de manga e o aspecto do dito estava divino. Destemida e gulosa, encarei dois logo. Na hora de pagar, percebi que estava sem dinheiro e falei com ela que fosse comigo em minha casa para receber. Topou na hora. Disse que estava lisa, totalmente lisa, economizando até latido de cachorro para sobreviver.

 

Fomos conversando e fiquei sabendo que a mocinha viera do interior do Espírito Santo, com o irmão, tentar a sorte no Grande Rio. Se ferraram como a grande maioria dos migrantes e, de galho em galho, para sorte minha, vieram parar nestas bandas.

 

Ele, peão de obra; ela, vendendo o que sabia fazer: sacolé (um saquinho, cheio de suco de fruta, que vai ao congelador e vira sorvete-pedra... bonzão).

 

Quando chegamos em minha casa, eu já estava encantada com a menina de olhos grandes e espantados, um sorriso largo contagiante, que até hoje permanece estampado em seu rosto.

 

Fui apanhar o dinheiro e ela ficou encostada no tanque. Quando voltei, vi que lavava acariciando uma blusinha branca minha. Agradeci e disse que não precisava ter se dado àquele trabalho, mas ela revidou dizendo que havia sido uma alegria tocar numa fazenda tão bonita. Queria se casar, vestida naquele tecido. Disse-lhe o nome: lese.

 

Tereza despediu-se de mim, repetindo baixinho a palavra nova: "Lese... lese... lese".

 

Fui tomar banho, pensando nela. Lisa, sonhando com lese.

 

No dia seguinte, fui fazer meu passeio habitual, intimamente desejosa de rever a sonhadora.

 

Desejo, hoje sei, compartilhado com ela. Nos encontramos e, entre um sacolé de abacaxi e um de uva, fomos caminhando até a minha casa de novo. Adorável a conversa que se tem com a simplicidade, de quem não tem aparentemente quase nada e tem tanto. Tem sonhos, ilusão, fé, esperança de uma criança.

 

Neste dia ela conheceu o Valdenir, na época, jardineiro do local. O olhão dela brilhou e naquele momento presenciei o nascimento de um amor.

 

Voltei para o Rio no dia seguinte, com o pressentimento que a partir dali não perderia Terê de vista.

 

Dito e feito. Dois meses depois voltei num feriadão e fui convidada a ser madrinha do casamento.

 

Disse a ela que era precipitado, que um ato desses deve ser pensado. Mas Tereza falou categórica que estava louca, loucamente apaixonada pelo Valdenir.

 

Nada mais acrescentei, apenas abençoei. O vestido, fiz questão de presentear.

 

No verão de 1994, a menina lisa entrou de lese, louca de felicidade na capela da cidade.

 

Hoje, no final do meu jardim, tem uma casinha com azaléias na entrada, e uma geladeira sempre cheia de sacolé.

 

De que sabor? O sabor do amor.

 

 

 

 

 

 

Madalena nunca está contente.

 

Ela é do tipo que no verão sonha com chocolate quente à beira da lareira e no inverno idealiza uma cerveja estupidamente gelada na praia.

 

Deixo claro que Madá, apelido da Madalena por causa da música do Ivan Lins, não faz o gênero infeliz, pelo contrário, é muito sorridente e alto astral com os outros. Com ela mesma, é extremamente inconstante.

 

Ela se diz quase feliz no casamento, mas que necessita de um amante urgente:

 

— Um amante fogoso e romântico vai ocupar o espaço vazio de minha vida. Depois que Luana, minha filhota, casou-se, esse espaço que era de uma quitinete virou uma mansão. Tenho certeza de que com um amante serei mais tolerante com o Ferreira (maridão dela), e completaremos bodas de ouro.

 

Nossa sauna às terças-feiras é terapia de grupo para mulheres que entraram na meia idade e que, se não estão em crise, estão quase. E se não estão nem quase, fazem gênero. Os principais sintomas da crise são as afirmações, medos e posturas adquiridas em um determinado momento, tipo: "Melhor uma de cinquenta do que duas de vinte e cinco"; "panela velha é que faz comida boa"; "já aprendemos tudo na cama e não esquecemos nada". Evitar o espelho logo que se acorda (incrível como o rosto depois dos quarenta sofre metamorfose no decorrer da noite) e nunca sair de casa de cara lavada. Vira essencial pelo menos um batonzinho.

 

Particularmente, acho que metade da crise seria resolvida quebrando-se espelhos. Aliás, quem foi que descobriu o espelho? Certamente, foi um cara de vinte anos, que hoje seria um surfista sarado.

 

É difícil ser sadia mentalmente, madura e resolvidíssima para se olhar no espelho sem intermediários (batom, blush, botox) perto dos cinquentinha.

 

Solteiras, casadas, divorciadas, viúvas, AAAs (amada, amante, amiga), todas no período da menopausa, no momento de adeus ao absorvente, sentem um vazio existencial. Aquele sangue mensal é a prova concreta de juventude. Meus ovários estão com tudo, tá? Meu útero é inteiraço.

 

A TPM, além das perturbações físicas, é essencialmente um estado emocional. Amamos aquilo que declaramos odiar. Existe prazer em dizer que se está com TPM. Sim, ela é o nosso álibi em relação à terceira idade.

 

Então, chego à conclusão de que ter um amante, quando você tem um casamento satisfatório na cama, quando ainda existe diálogo, quando ainda existe carinho, é um absorvente. Ele é usado quatro dias ao mês, para acalmar os conflitos, para fazer suportar melhor o peso da existência, para colonizar angústias.

 

Quando não queremos ou sequer sonhamos em fazer um balanço honesto de nossas vidas, quando não queremos domesticar nossa angústia, convocamos um amante para resolver essa parada. Ele é uma testemunha do nosso vigor, para nós mesmas. Não que a menopausa tire o vigor. Não mesmo. Acho até que hormônios dão um pique violento.

 

Acho que é raiva mesmo, de saber bem o que é bom e ter certeza de que não fizemos nem a metade do que poderíamos ter feito. Volto a lembrar o Edu. Paixão malresolvida.

 

Você que está lendo isso, está concluindo que estou como a Madalena, incomodada com a idade.

 

Incomodada ficava a sua avó.

 

Eu estou é injuriada.

 

 

 

 

 

 

março, 2009

 

 

 

 

Rosa Pena (Rio de Janeiro-RJ). Escritora, professora e administradora de empresas. Publicou PreTextos (Editora All Print, 2004) e Ui! (Rio de Janeiro: Editora Bagatelas!, 2007). Mais em seu site.

 

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