Figuras do Antigo Testamento, Escultura, Madeira, 1978

 

 
 
 
 

 

 

1. O ARTISTA

 

Maurino Araújo é caso único na atualidade plástica. De estilo expressionista barroco, é, artística e emocionalmente, contemporâneo dos mestres escultores do século 18. Não lhes copia o estilo, mas cria e se aprofunda dentro da escola que se afigura viva. A arte contemporânea não o influencia, aflorando em cada peça que executa a vitalidade intensa do barroco.

 

Deformados, inquietantes, inquisitivos são os santos e as mulheres que suas mãos fazem surgir do cedro ou da peroba. Com sentido profundamente religioso, marca as figuras, em blocos ou isoladas, com o selo místico de sua alma. Contorcidas em proposital deformação, sofrem e gemem ante o peso da própria humanidade.

 

De onde tamanha carga de sofrimento? Aparentemente, não do tranqüilo e modesto escultor. Não será por passagem direta, sem interrupção, como que um mensageiro de uma época marcada pela intransigência, pelo misticismo fanático e anseios abafados? A mostra palpitante de um mundo que sobreviveu incólume à ação dos séculos.

 

Ao falarmos das obras de Maurino Araújo, precisamos fazer um breve retorno ao passado, não só pelo percurso estilístico do artista como pela própria formação cultural brasileira. Observamos a presença do barroco que ainda vive e rege a obra de muitos artistas contemporâneos, seja na identificação de estilo, seja no espírito da profunda religiosidade popular vigente em Minas Gerais e no caráter mestiço que o torna singular ante o praticado em diferentes lugares do país.

 

 

 

Figuras do Antigo Testamento, Escultura, Madeira, 1978

 

 

2. O ARTISTA E A TRAJETÓRIA

 

Através deste processo podemos observar a trajetória de Maurino como a da própria história da arte mineira. A primeira fase da obra escultórica  de Maurino é intimamente ligada aos cânones do barroco com as rocailles, formas redondas, volutas, dramas. A estilização da forma estética expressionista — carregada de emoção e sentimento. Posteriormente seu processo criativo se modifica ao entrar em contato direto com a arte da Nigéria, sobretudo a praticada em Ifê, durante o período em que esteve na África e também através de livros e visitas a museus europeus e brasileiros.

 

A descoberta do ouro em Minas Gerais, no final do século 17, ocasiona profundas modificações no cenário brasileiro e para a cultura que começa a se instalar, mescla de portugueses, cristãos-novos, ciganos e a massiva presença de africanos. Com a proibição de se instalarem ordens religiosas nos Campos das Minas Gerais, frutificam as confrarias de leigos brancos, pardos e negros, competindo entre si pelo apuro e desenvolvimento artístico em seus monumentos religiosos. O século 18 se caracteriza socialmente pela presença de mestiços, notadamente mulatos, no ofício das artes — o que representava um caminho de afirmação profissional e de ascensão social para eles, desde que a sociedade não previa o seu aparecimento e tão pouco a sua inserção no meio. Aos negros eram destinados os trabalhos dos eitos e das lavras; aos brancos era vedado, por questão de "status" social, qualquer trabalho exercido com as mãos, exceto escrever, atividade considerada como intelectual e proibida aos demais.

 

Música, arquitetura e escultura religiosas se desenvolveram muito nos séculos 17 e 18 e com elas puderam os negros e, notadamente, os mestiços afirmar sua criatividade na arte e na manufatura, sendo que estas últimas lhes eram oficialmente vedadas pelos Decretos Reais, como o de 20 de outubro de 1621, que dizia textualmente: "Nenhum negro, mulato ou índio pode trabalhar como ourives".

 

Isso na região das lavras de ouro que usava, entre tantas, a técnica dos bantus na extração de minério e das pedras preciosas. "Além dessas restrições, cuidadosamente desleixadas, aos negros e seus descendentes não foram permitidos o exercício da artesania e o uso de símbolos nas esculturas e objetos de cultos originais. Só lhes restava integrar-se aos trabalhos de talha, esculpir os adornos e imagens ou pintar e dourar os templos e símbolos da religião dominante – a católica. Exatamente por aí, pelas brechas e pelos desvãos por eles criados é que, sorrateiramente, passam a herança simbólica, os caprichos de estilo e a herança humana destes cativos. Todas as leis e contigências vedavam-lhes qualquer expressão de sua gentilidade, forçando-os a integrar-se na religião que se confundia com a própria administração da colônia. Não se tratava portanto, do Brasil em autonomia e nem da África em continuidade" (Clarival do Prado Valladares, 1979). Essa prática singular confere ao barroco mineiro, com seus artistas e oficiais, uma situação marcante entre os demais.

 

A forte presença do mestiço ainda é marcante na segunda metade do século 19. Começa a declinar quando o período barroco se obscurece sob o impacto da chegada da Missão Francesa, trazendo o neoclassicismo diretamente ligado à formação da elite européia e de pronto adotado pela nascente "elite" brasileira, como forma de expressão estética refinada em choque com o barroco do próprio "fazer acadêmico", prevendo anterior passagem e aceitação pelos Liceus de Artes e Ofícios ou pela Escola Nacional de Belas Artes. A arte se torna a expressão da nobreza. Poucos países incluídos na Diáspora Africana têm a história de suas artes tão marcadas por homens de etnias negras como o Brasil. Verificamos que as estéticas africanas, ou a sua tradição, constituem uma estrutura fundamental na obra de muitos artistas contemporâneos, assim como na criatividade popular.

 

Vivendo em meio à época (1960-1970) de pesquisas ambientais, conceituais e outras expressões da arte atual, Maurino conserva-se plenamente integrado ao mais autêntico e real sentido dos ideais estéticos barrocos.

 

A dramaticidade do corte é acentuada pelo sombrio das cores: o azul profundo, vermelho escuro, o sépia e o marrom invocam antigos dramas perdidos na escuridão dos tempos. "Maurino, em sua despretensão, traz a proposta do santeiro, entretanto, por seu extraordinário talento criativo, ele logo se identifica ao nível do escultor imaginário. Nenhuma de suas imagens imita, ou repele os padrões da hagiografia tradicional. Por ser um expressionista de grandes possibilidades, Maurino revisa o assunto, interpreta um atributo do texto hagiológico e nos oferece uma nova virtualidade da imagem. O acréscimo da policromia de suas peças é a sua contribuição como pintor, perenizando um recurso do expressionismo barroco" (Clarival do Prado Valladares, 1979). Não  apenas o barroco europeu, como cita Clarival, mas também da arte iorubá, notadamente a do século 16 na cidade de Ifé (Nigéria) com seus redondos, volutas, elipses, expressão dramática e emocional irmanados pela sensibilidade criativa de Maurino, nas décadas de 1980 e 1990.

 

Entre nós permaneceu viva a tradição santeira popular e com seus representantes temos Francisco Fátima de Araújo, Cláudio Gerais, Wilson Serrano, entre outros. O próprio Maurino, em sua primeira fase era, sem dúvida, o santeiro-mor das Minas Gerais. Começando a esculpir em um meio no qual a influência barroca e a arte santeira são historicamente significativas, Maurino não fugiria dessas influências iniciais.

 

A ênfase na beleza, a impressão de volumes nos mantos, o atarracado das figuras, o movimento retorcido dos corpos, a tensão de forças na escultura, quase sempre com movimentos circulares, a forte expressividade, a dor, as peles claras, a expressão sofrida e angustiada de seus santos e anjos fazem de Maurino um significativo nome do expressionismo barroco: a alma fala e fere a madeira em cada talhe do artista. Somente na figuração de Jesus, São Francisco e Nossa Senhora da Conceição, o artista atenua a expressão de dramaticidade. Nessas, suas devoções iniciais, confere um maior plano à calma e à espiritualidade, enquanto os demais se revolvem num plano mais humano e terreno, desde que seus santos têm muito mais ligação com a terra do que com o céu.

 

 

Anjo Negro, Escultura, Madeira, 1978

 

 

3. O ARTISTA, A TRAJETÓRIA E O HOMEM

 

Maurino Araújo nasceu no dia 28 de maio na cidade de Rio Casca, na Zona da Mata, Mina Geral, em 1943. Passou parte de sua infância no Paraná, onde, na escolinha rural em que estudou, a professora mandava-o desenhar, no quadro-negro, fascinada com o talento precoce do aluno. Estudou seis anos no Seminário de São João del Rei, MG, transferindo-se em 1965 para Belo Horizonte.

 

Trazia a necessidade íntima de se expressar através da arte. Necessitando de um material resistente para suas peças recorre à madeira e, nessa ocasião, toma como mestre o Aleijadinho (1730-1814). Estuda minuciosamente suas obras. A expressão da face e do corpo, o corte da madeira, nada escapa da sua visão aguçada. A impressão é profunda e sentida. Fica gravada na mente, deixando em suas obras leves resquícios dessa influência poderosa. Trabalha de preferência com o cedro, utilizando-se do formão e da grosa para retirar da madeira pesados blocos esculturais. Começando como distração, a escultura tornou-se paulatinamente a expressão do seu íntimo, uma necessidade imprescindível do espírito.

 

Apenas em 1970, passou a dedicar-se exclusivamente à arte. Nota-se em várias de suas obras, uma intensa expressão de sofrimento contido, como se não pudesse suportar o fardo de suas revelações. O corte rápido e preciso confere um tom dramático, aos agrupamentos de figuras.

 

Cursou o seminário franciscano, decidido a seguir os passos do santo de sua devoção: São Francisco de Assis. Mas, os tempos mudaram e com eles as ordens. Desencantado, Maurino deixa o recolhimento do convento, dedica-se com maior afinco ao exercício da escultura já iniciada. O tema sacro não foi escolha, mas imposição do próprio espírito. Santanas, franciscanos, mulheres de Jerusalém, o Cristo e a Madona se processam numa maravilhosa sucessão de blocos esculpidos e encarnados com um processo criado pelo próprio artista: cera, cola branca, tinta xadrez e até querosene para acentuar o envelhecimento das peças. As cores são escuras e sombrias: sépia, azul-escuro, vermelho-grená e verde acentuando a dramaticidade das peças.

 

Dessa fase diz o próprio artista: "Não nego que o sofrimento estampado na face dos meus santos seja o sofrimento da própria humanidade. Nas classes humildes, as pessoas são mais próximas, sentem e sofrem juntas uma dor que se torna comum".

 

Começou expondo na Feira de Arte da Praça da Liberdade (1969/70), em Belo Horizonte. Ali o conheci em 1969. Gradativamente, passei a perceber que da sua lavra não mais saíam santos, apesar de continuar na simbologia inerente a cada um e os nomes indicarem que sim. À medida que amadurece como artista e pessoa, Maurino muda não apenas de traço, mas de intenção e postura artística. O fato de viajar muito, manter contato com artistas de outros estados e tendências diversas, enfim, os encontros e o convívio com representações culturais distintas do meio inicial ocasionam uma profunda mudança na sua obra. Falamos de transformação, da passagem de uma estética a outra, de uma sorte de modificações que perpassam pela obra de Maurino, o abandono do tratamento laudatório e santeiro do passado (sempre com fragmentos críticos) faz surgir do cedro a figura naturalista, altiva, elegante e simbólica dos ancestrais africanos. É o artista pensando consigo mesmo, incomodado com a posição contraditória em que, como pessoa, se encontra nesta sociedade mestiça e, no entanto, tão preconceituosa.

 

 

 

Maurino Araújo, por Sérgio Coelho, 2000

 

 

4. O ARTISTA, A TRAJETÓRIA, O HOMEM E O ENCONTRO COM A ÁFRICA

 

Maurino absorve uma profunda identificação entre o que sente e a antiga arte exercida na cidade de Ifé (Nigéria), abrindo-se para novas influências e abordagens. No consenso dos pesquisadores contemporâneos, os estilos de arte praticados em Ifé e Benin são totalmente diferentes do que se criava nos demais países africanos. Alguns teóricos buscam a origem dessa arte nos antigos povos mesopotâmicos, nos fenícios, no Egito Antigo ou, talvez, em povos anteriores. Muito já se escreveu sobre essas esculturas naturalistas e a técnica de "cera perdida", inclusive Frobenius (Leo Frobenius, 1873-1938), antropólogo alemão, diz que "essa arte de Ifé e Benin está relacionada com o mundo mediterrâneo, datando do primeiro milênio antes da era cristã".

 

Nessas esculturas se ressaltam a diversidade e as faculdades plásticas do africano sendo por isso consideradas a "arte clássica" da África, falando-se, na atualidade, da real existência do "mundo iorubá" em contraponto ao "mundo grego" dos ocidentais. As proporções são conservadas dentro de uma estética que busca uma beleza ideal. É inegável que a liberdade plástica das etnias africanas proporcionou ao ocidente a criação de uma arte nova e surpreendente.

 

Não se trata de transposição pura da estética ou busca do ethos, mas da influência que trouxe, à escultura ocidental, uma série de elementos novos com a liberdade criativa, visão do essencial impulso livre de expressão simbólica. Sob a influência dos entrechoques culturais, neste melting-pot brasileiro, Maurino passa a situar sua nova fase. Não mais a hagiografia cristã, não mais personagens brancos, mas figuras negras — sobas, reis, mulheres e homens do povo. Também mudam o trato da madeira e a encarnação das figuras.

 

Na junção do naturalismo de Ifé e a conseqüente herança do barroco mestiço, Maurino nos apresenta os personagens do seu mundo interior. As peças que anteriormente mostravam, nítidas, as marcas da goiva e do formão agora são lisas, amaciadas como no trato das cerâmicas. As cores mudaram, não apenas da pele, também as dos trajes, a encarnação torna-se menos dourada e decorativa (o barroco mineiro) e passa a ser mais sintética e com os tons rebaixados (a arte nigeriana).

 

As figuras não trazem a angústia de um barroco tardio, mas apresentam severidade e força interior ancestral. Na confluência dos estilos de Ifé e Benin e do barroco mestiço de Minas Gerais, Maurino conseguiu um estilo fundamental e pessoal com a afirmação das tão diferentes origens e a compreensão de que a arte é o grande amortecedor desses choques, encerrando em si o próprio conceito de universalidade.

 

Teria Maurino intencionado a transformação? Seria espontânea? Algumas vezes tocamos neste assunto, que poderia ser um ponto de vista pessoal ou, quem sabe, estaria vendo algo que só existia para mim. A essa pergunta Maurino, muito do seu jeito, apenas sorria manso e desconversava. O assunto não lhe agradava por ainda não estar maduro. A pergunta persistia, pairava no ar. Por que Maurino insistia no imaginário sacro, se, na verdade, o que esculpe é uma revisão dos próprios valores?

 

O santeiro-mor de Minas Gerais não mais o era, pois suas esculturas humanizaram-se, o que o reposiciona como um dos maiores escultores brasileiros contemporâneos. Maurino apenas sorria e nada afirmava ou desmentia até que ouvi de seus lábios a espontânea declaração que passo integralmente: "Os meus santos não tem nada de santos. O que vejo, o que faço são pessoas humanas. O que me interessa são as pessoas. Em vez de buscar um Deus invisível, busco no homem o Deus que ele pode ser". Estava aí, madura e segura, a afirmação do que pressentíamos há muito tempo.

 

A sensibilidade do negro tem expressiva presença na cultura brasileira, vitalizando significativamente as manifestações artísticas. Especialmente no que se refere às linguagens plástico-visuais não se buscou ainda estudar em profundidade a contribuição das culturas africanas, embora sejam abundantes, na bibliografia brasileira, as referências à presença do negro e do mestiço na conformação dos fundamentos de uma arte nacional no período colonial. A importância dessa contribuição, que vem sendo dada ainda hoje com igual vitalidade, merece aprofundado estudo a fim de que possamos reabrir certos caminhos fundamentais da criação artística. É possível que, a partir destes fatos, os produtores de arte encontrem novas alternativas de expressão, tal como aconteceu com a arte européia no início do século 20, que, a partir das influências negras, iniciou um processo revolucionário como o cubismo. 

 

Maurino Araújo participou de várias exposições individuais e coletivas. As principais: Artistas Latino-Americanos, Bruxelas, Bélgica (1973); Bienal de São Paulo (1976); Festival de Arte, Cultura Negra e Africana, Lagos, Nigéria (1977); Museu de Arte Moderna, São Paulo (1981); V Salão Nacional de Artes Plásticas, Belo Horizonte, (1982); Galeria Bonino, Rio de Janeiro (1983); Artistas Populares de Belo Horizonte, Centro Cultural UFMG, Belo Horizonte (1996); Negro de Corpo e Alma, Mostra do Redescobrimento, Pavilhão Manoel da Nóbrega, Parque Ibirapuera, São Paulo (2000); Quatro Aquarelistas e Um Escultor, sala especial Maurino Araújo, Galeria Agnus Dei, Belo Horizonte (2003). É o único artista brasileiro com obra no Museu do Vaticano (báculo oferecido ao papa João Paulo II, pelo governo brasileiro). Roberto Burle Marx (1909-1994) construiu uma ala em seu sítio, na antiga estrada da Barra da Guaratiba, Rio de Janeiro, especialmente para abrigar as esculturas de Maurino Araújo. O escultor mineiro tem obras no Museu de Arte da Pampulha, Belo Horizonte, MG, museus nacionais e internacionais, fundações, instituições públicas e privadas. Está presente em inúmeras coleções particulares de artes plásticas no Brasil e exterior.  

 

 

 

Anjo Negro, Escultura, Madeira, 1999

 

 

 

 

 

Aquilo que vinha lá de dentro

 

"Toda vida, a tendência para a arte parece que era nascente. Menino ainda, comecei a buscar em todos os meios alguma coisa que pudesse expressar aquilo que vinha lá de dentro. Primeiro eu desenhei muito, depois foi à experiência com argila, com pintura e por fim a escultura — uma nova tentativa, um novo caminho. Esculpi um Cristo, o resultado não foi decepcionante. O Cristo encontra-se hoje numa capela de um dos bairros de Belo Horizonte. Tudo que sei foi à vida que me ensinou, alguma coisa que veio lá do fundo, intuição, sei lá! Alguma coisa parecida. Talvez seja a inquietação interior. Aquela vontade de buscar alguma coisa. (...) Não tenho escola de arte, o que tenho é amor pelo o que eu faço, pelas minhas esculturas. Mas não foram santos as minhas primeiras criações. Quando comecei a entalhar, a primeira peça foi uma figura de Adão e Eva".

 

 

Tudo é humano e sofrido

 

"No ambiente em que fui criado, a gente acaba se ligando ao problema dos outros e parece que há um laço estreito entre as classes menos favorecidas. Então, talvez seja isso que tenha tido também tanta influência na minha vida, pois na minha obra tudo é humano e sofrido, reflexo do que tenho dentro de mim. Tenho muito amor pela arte. Quando crio não penso em vender. Nunca cheguei a pensar que um dia iria vender um trabalho meu. Nunca acreditei que pudesse viver disto; do que eu gosto de fazer. Mas aconteceu".

 

 

A figura negra

 

"Os 'Anjos Negros', de uma certa forma, aconteceram no momento certo. Há tempos esperava uma oportunidade de explorar a figura negra. Pensava muito em fazer madonas negras, mas não havia ainda chegado a oportunidade. Aproveitando o convite para o Festival de Arte, Cultura Negra e Africana (Lagos, Nigéria, 1977) pude explorar a figura negra. No caso, os Anjos (ou Reis) Negros. Por outro lado tornou-se uma coisa meio monótona, pois são dez peças, dentro de um mesmo tema, embora ache que tenha conseguido um bom resultado. Falar dessa inspiração é difícil, porque quando trabalho me envolvo de tal forma que tudo entra por conta deste envolvimento. O talhe é resultado do favorecimento do que quero com o próprio talhar em si. Um golpe na madeira é, muitas vezes, a sugestão. Quanto às feições são resultados de observação nas diversas faces negras que vejo".

 

 

Busco no homem o Deus que ele tem dentro de si

 

"Torno a afirmar que os meus santos não têm nada de santos. O que faço são pessoas, sejam velhas, novas, pretas ou brancas. Em vez de buscar um Deus invisível, busco no homem o Deus que ele tem dentro de si. Sempre tive medo que pudessem benzer ou rezar para uma escultura que faço, pois elas representam figuras humanas".

 

  

  

 

 

 

 

junho, 2009

 

 

Maria do Carmo Arantes (Belo Horizonte/MG). Falecida em 2006. Membro da ABCA (Associação Brasileira de Críticos de Artes) e da AICA (Associação Internacional de Críticos de Artes/UNESCO). Prêmio ABCA 2004 pelos 30 anos de atividades como curadora, pesquisadora, ensaísta e crítica.