*

 

Em câmera lenta

A menina japonesa me sorri

 

Seu uniforme azul marinho

Guarda o vento da bicicleta

 

Entre o castelo do oriente

E a montanha azul da Rússia

Vai-se o tempo para sempre

 

 

 

 

 

*

 

Aquele som de flauta

Me vem toda noite

É do carrinho de udom

 

Por vielas de asfalto

Em meio ao meu sonho

E temor

 

No outro lado da terra

O carrinho de udom, ao longe

Canta sua música triste

 

Parece que canta só pra mim

 

 

 

Pedra pão

 

Sobre o asfalto molhado

Diviso o mar

 

Na chuva da tarde

O mesmo momento

Em que ficava lançando

Braços de papel na água

 

A tinta a óleo de nossa velha casa de madeira

Formava mosaicos como uma doença na pele

 

Meu pai se foi na distância

A mãe me disse

Que Deus faça de pedra pão

 

Estamos tão tristes no Japão

 

 

 

 

 

*

 

Lágrima tragada

Presa na garganta

 

Palavras me disseste

Saudades de Eduardo

 

Meu telefonema atravessa o mundo

Te encontra na manhã adormecida

 

Lembrem-se que vos amo

 

 

 

 

 

*

 

Tudo se acaba com o tempo

Pedra cimento sentimento

 

 

 

 

 

*

 

Ela tem um jeito triste

Como triste é o fim nas sombras

 

Uma bicicleta preta

Sobre ladrilhos de prata

Atravessa Takasaki

 

A estudante pára

Sua pele é clara

 

O cabelo é preto

Os olhos puxados

 

Um cachorro no sol

O mundo no coração

 

 

 

 

 

*

 

Teu hortelã respira um perfume delicado

Dança na brisa e ultrapassa os cabelos de Larissa

Meu melhor achado

O maior segredo

Impresso na palma de minha mão

 

Calo e suspeito da perfeição

 

 

 

 

 

*

 

Vamos andar na tarde de maio

Nossas mãos coladas

Um sorriso nos lábios

 

Recordar das crianças

Apontar o Fuji san

 

Vamos andar pelo Japão

Que o verão vem vindo

Nos cabelos do arroz

 

 

 

 

 

*

 

As meninas chinesas vestidas de amarelo

Cantam a cantiga

No meio da plantação verde de chá

 

Aprendo com teus gestos passageiros

Nos teus olhos posso ver meus próprios sonhos

Nos teus sonhos posso ver o mundo inteiro

 

 

 

 

 

*

 

A velha senhora de seda

Tem na cara uma máscara de cera

Cospe nos trilhos da velha estação

 

A velha japonesa

Amargando a perda da beleza

A decrepitude do verão

 

Quase desmaia

Lenço branco cor da saia

Em demasia pense em tudo

E sobre tudo penso em vão

 

 

 

 

 
 
 

*

 

Na pequena coluna de pinheiros

As colunas cinzas do cemitério

Guardam kanjis com nomes ilegíveis

 

Tantas aflições esquecidas

No silêncio abreviado da tarde

 

Nenhum fogo fátuo explode

E te traz na minha lembrança

 

 

 

 

 

Yurakuchô

 

Essa manhã passei em Tóquio

Manhã em que o vento frio come o outubro

E o mundo reorganiza suas enormes digitais

 

Deus deve estar rindo de minha inútil matéria

E de quanto tempo perco

Espionando toas essas pessoas

 

Talvez até hoje espero

Na estação de trem

Um aceno de ninguém

 

Esse amontoado de olhos a consumir as janelas

Dos expressos silenciosos a caminho da manhã

 

Partem como a primavera

E ainda fico a espera de uma pequena palavra

Um desejo de bom dia

 

A hora passa na manhã vazia

 

 

 

 

 

*

 

Sepultei tua ausência

Não quero mais falar nisso

 

Posso sair e andar sozinho

No vazio de Shinjuko

Sem pensar no que te dizer

Porque não vieste

 

Não quero mais falar nisso

A tua ausência

Não mais me importa

 

 

 

[Poemas do livro Cadernos do Japão. São Paulo: Massao Ohno, 1999]

 

 

 

 

Antonio Carlos Floriano nasceu em Itajaí (SC), foz do rio Itajaí-Açu, em 13 de junho de 1961, e vive em Florianópolis. Filho de marinheiro, viveu a infância em Itajaí, Santos (SP) e Paranaguá (PR). Entre 1992 e 1996, residiu no Japão. Foi Secretário de Cultura de Itajaí, onde criou o "Festival de Música de Itajaí". Atua como produtor cultural. Publicou Celacanto, com Bento Nascimento (Itajaí: Edição dos Autores, 1989); Cadernos do Japão (São Paulo: Massao Ohno, 1999); Hanami (Itajaí: Oficina da Palavra, 2001) e Poesia (Itajaí: Oficina da Palavra, 2002).