ny times book review, c.1983
 
 
 
 
 
 
 

"O dilema é onde enfiar o Henfil!

O que fazer com a estudante de letras que cita Barthes?

Com os professores que descobrem um gênio a cada cadeira?"

Cláudio Portella. "Um meia sete". fodaleza.com (2009)

 

O nome de Roland Barthes apareceu várias vezes na lista de livros das cadeiras que cursei. Mas só o li casualmente. Numa das minhas idas à biblioteca, despropositadamente, O prazer do texto surgiu. Esse livro, que o leitor ler em dois fôlegos, me seduziu. Barthes escreve: "Eu me interesso pela linguagem porque ela me fere ou me seduz". Essa me seduziu. Não sou um leitor que se deixa impressionar por orelhas — embora as leia. Minha fruição — entenda por prazer, gozo — sempre verteu para a interpretação onde inexiste coerência de raciocínio. O que pesa, o que me faz deitar para ler é a desarmonia da semiologia. É a proeminência das palavras que se atiram em litteratim, consciência abaixo e acima.

O prazer do texto é um livro relato-teórico. Barthes foi um dos formuladores dos conceitos pós-modernos. É um romance. O narrador-câmera, não mostrando os objetos e suas formas. O que ele mostra são mathesis e mimesis do texto literário.

O livro fala de poesia, ficção e crítica. Mas não há compromisso. É um legado ao não-compromisso. A beleza da Literatura é unicamente o diálogo entre escritura e leitor. Não há cânone. O cânone nada mais é que uma referência, um dito popular: tanto pode ser um poeta ocidental mundialmente "consagrado", quanto um cordelista do Cariri.

É um romance multifacetado. Dentre as facetas que acho fundamental, até como um bom conselho para grande parte dos escrevinhadores atuais é a em que ele diz: "A arte parece comprometida, histórica e socialmente. Daí o esforço do próprio artista para destruí-la. Vejo três formas para esse esforço. O artista pode passar a um outro significante: se é escritor, tornar-se cineasta, pintor, ou, pelo contrário, se é pintor, cineasta, desenvolver intermináveis discussões críticas sobre o cinema, a pintura, reduzir voluntariamente a arte à sua crítica. Pode também despedir a escritura, submeter-se à escrevinhação, tornar-se douto, teórico intelectual, nunca mais falar senão de um lugar moral, limpo de toda sensualidade de linguagem. Pode enfim pura e simplesmente pôr-se a pique, parar de escrever, mudar de profissão, de desejo".

Ele não nega nada. Tudo é permitido. O prazer do texto vai além da logomaquia cerebral, do maniqueísmo conjugal texto/leitor. É uma sensação fremente, um desejo peremptório de arder eternamente no fogo do inferno. Vital!

 

 

  
 

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O livro: Roland Barthes. O prazer do texto. Trad. J. Guinsburg. São Paulo: Perspectiva, 1977.

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[Publicado originalmente no jornal Alto Madeira. Porto Velho/RO. Sexta-feira, 28 de dezembro de 2001]

 

 

 

 

 

dezembro, 2009