marconi drummond, objeto aéreo, 1994

 
 
 
 
 


 

O ensaio

 

 

Estes são realmente pensamentos

de todo homem em qualquer tempo e lugar,

não são originais meus;

e se não são de vocês tanto quanto meus

não querem dizer nada

ou quase nada;

e se não são a pergunta

e a resposta à pergunta,

não significam nada;

e se eles não se colocam tão perto

quão distantes parecem,

não valem nada...

 

(Walt Whitman, Folhas da Relva)

 

 

Citar vem do latim: citare. Referir ou transcrever (um texto) em apoio ao que se afirma, segundo o Aurélio. A língua que falamos no dia a dia favorece os tagarelas, soneteiros e os que falam pelos cotovelos. Quantas palavras imprecisas, ditas ao vento, são necessárias para descrever o silêncio? "Sobre aquilo de que não se pode falar, deve-se calar", sintetizou o filósofo Wittgenstein.

 

Aforismos e epigramas, máximas e pensamentos, sentenças e ditos memoráveis nos lembram que tudo na vida é por aproximação, da matemática ao amor. E pode crer, "o que hoje é demonstrado, um dia foi apenas imaginado", como afirma o poeta Blake.

 

Toda citação maior é uma espécie de pensamento lúcido, fragmento condensador de uma possível beleza-verdade, farol que ilumina o mundo em ruínas. A citação é nuvem "onde o sol cala", como no Inferno de Dante: "No meio do caminho desta vida / me vi perdido numa selva escura, / solitário, sem sol e sem saída".

 

Jorge Luis Borges era um escritor pródigo em citações. Rescreveu argumentos, lendas e fantasias de outros séculos. No ensaio intitulado "Livro", Borges anota que, "certa vez, perguntaram a Bernard Shaw se ele acreditava que o Espírito Santo havia escrito a Bíblia. Ele respondeu: Todo livro que vale a pena ser relido foi escrito pelo Espírito Santo". A bíblia não é nada mais do que um mosaico de citações, sermões e parábolas.

 

Muitos leitores acreditam que os citadores são pensadores originais. Lucrécio achava que "nada pode ser criado a partir do nada". Já André Gide, por sua vez, diz que, "todas as coisas já estão ditas, mas, como ninguém escuta, é preciso recomeçar sempre". A citação é uma lembrança do que "poderia-ter-sido", do "não-mais" ou do "tarde-demais".  O pensador romano Pompeu é o autor do célebre dístico que diz "navegar é preciso, viver não é preciso". Esta sentença popular também foi citada por Plutarco e pelo poeta Fernando Pessoa.

 

Poetas, filósofos, pregadores e animadores sempre foram mestres em citar o pensamento dos outros. Mas há quem use as sentenças para ter uma visão do mundo ou para simplesmente levar a vida. No entanto, "um fragmento tem de ser como uma pequena obra de arte, totalmente separado do mundo circundado e perfeito e acabado em si mesmo como um porco-espinho", como muito bem definiu Friedrich Schlegel.

 

 

 

 

Razão

 

 

A citação nos leva a um livro, a um lugar qualquer, a um tempo exato. Desafia a realidade, ensina a ver o mundo com os olhos dos outros e a conhecer as coisas do nosso jeito de ser. "Ser ou não ser, eis a questão". Freud afirma que "sou onde não penso". "Nada do que é humano me é estranho", pensa Terêncio. Esse era um dos aforismos preferidos de Karl Kraus, especialista em citar para ironizar.

 

Um aforismo é a síntese do conhecimento. Kraus diz que um aforismo jamais diz a verdade; ele sempre diz uma meia verdade, ele sempre diz uma verdade e meia.

 

 

junho, 2009
 
 
 
 
Pedro Maciel (Belo Horizonte/MG). Autor do romance A hora dos náufragos (Rio de Janeiro: Ed. Bertrand Brasil, 2006). Segundo o poeta e tradutor Ivo Barroso, "Pedro Maciel nos faz acreditar na possibilidade de que a literatura brasileira possa ainda nos apresentar alguma coisa de novo que, curiosamente, remonta à própria arte de escrever: o estilo. Seu livro A hora dos náufragos nos perturba pela força de sua linguagem. O que há de mais próximo desse livro seriam os famosos fusées de Baudelaire".
 
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