©cláudio oliveira
 
 
 
 


 

O poema

 

 

Não há nenhum Virgílio a me guiar

no inferno nem nenhuma Beatriz,

movida por amor, a me salvar

no paraíso: em meu caminho, estou

 

sozinho. No lugar que não tem sombras

sem sol nem sol sem sombras, no lugar,

embaixo, sinto o asfalto, em cima, o céu,

no meio estou e nem sei mais se estou.

 

De tão pequeno, sou ainda menos

que nada. Nada sou. Ou um qualquer

sem nome, musa, deus, inferno ou guia.

 

Ou um qualquer, no meio do caminho

de sua vida sem começo ou fim,

sem se encontrar achado nem perdido.

 

 

 

Razão

 

 

Todo poema é um acontecimento. Ele começa sempre pelo meio. Pelo meio da rua, pelo meio de outros poemas, pelo meio de outros textos, pelo meio de amores, pelo meio de amigos, pelo meio de cidades, pelo meio de viagens, pelo meio de cafés, pelo meio de alegrias, pelo meio de brigas, pelo meio de bancos, pelo meio de conversas... Pelo meio da nossa vida. Uns irrompem tão inesperadamente, que não teríamos nada a contar sobre eles. Eles se contam. Eles nos contam. De outros, teríamos tanto a contar, que talvez um dia... "Feche os olhos e leia" é um destes.

Desta vez, entretanto, serei breve. Cláudio [Oliveira] havia chegado de Veneza, onde havia encontrado Giorgio [Agamben] pela segunda vez. Logo, tomamos um chope e, depois, passamos 3 dias juntos no Vale do Socavão. Ele me disse que, como da outra vez em que estivera com ele, Giorgio o levava frequentemente para ver a pichação num prédio da cidade e, muitas vezes, tomava o caminho mais longo apenas para passar pela pichação. Disse também que, tempos atrás, a pichação em tintas vermelhas estava se apagando, o que levou Giorgio a pedir que seus alunos a fortalecessem para que ela pudesse permanecer mais tempo. Giorgio amava aquela frase. Cláudio, que também a amava, fotografou a pichação, que diz: NON C'È + NESSUN VIRGILIO A GUIDARCI NELL'INFERNO. Cláudio já havia usado essa frase ao fim de um de seus poemas/textos inéditos. No momento, eu estava lendo e relendo a "Divina Comédia", inteiramente apaixonado por ela. Pelo meu próprio momento de vida e pelo que viviam pessoas muito próximas a mim, ler a completude de uma vida, do mais terrível ao mais extático, foi de grande importância. Que poema incrível, esse que se aventura pelas maiores e mais díspares intensidades que um homem pode experimentar. Eu estava encantado. Mais uma vez, a totalidade do mundo ali e o mais forte pensamento aliado às mais fortes intensidades. Como encantado fiquei igualmente pela força da frase escrita na frente de um prédio em Veneza. Como Giorgio e Cláudio, amei imediatamente essa frase.

Desde então, comecei a pensar em fazer um poema que tivesse essa frase. Fiquei tentando fazer o poema no dia seguinte ao que Cláudio foi embora do Vale do Socavão. Ao longo do dia, buscando o poema na cabeça. Já ao fim do dia, no entardecer, senti que talvez houvesse conseguido dois ou três versos e levei o black (meu laptop) pra piscina já sombreada e fiquei ali, escrevendo, escrevendo. Já era tarde da noite quando ele estava pronto.

Pouco antes disso, eu tinha ficado uma semana com Gabi em Buenos Aires, regados a vinho e tango. Na volta, não parava de ouvir Piazzola, sobretudo o cd com Gerry Mulligan, que já tinha há anos. Não só eram lindas as músicas, com as mais belas melodias que podem ser feitas, como o tom melancólico se mostrava também lindamente nos diversos títulos. Uma de suas músicas se chama "Cierra tus ojos y escucha". Achei essa demanda ao ouvinte muito linda! É preciso fechar os olhos para escutar Piazolla. É preciso se livrar de todo o resto para ficar só com aquela música. Pensei que podia tentar uma variação para o título de um poema, até porque "Fecha seus olhos e leia", além do tom do Piazolla, ainda cria um paradoxo inultrapassável, com reticências por todos os lados. Não sabia que poema seria. Acabou sendo este. Isso não tem nem um centésimo de toda história que pode ser contada deste poema.

 

 

 

 

março, 2009

 

 

 

 

Alberto Pucheu (Rio de Janeiro/RJ). Escritor e professor de Teoria Literária da Universidade Federal do Rio de Janeiro. Publicou, entre outros, os livros A fronteira desguarnecida (Poesia Reunida 1993-2007) Rio de Janeiro: Azougue Editorial, 2007 e Pelo colorido, para além do cinzento;  a literatura e seus entornos interventivos(Ensaios. Rio de Janeiro: Azougue Editorial, 2007). Mais em seu site.

 

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