©ross anania
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 

Enquanto as palavras se perdem no tempo e os momentos certos se vão, ela se pergunta até quando as coisas ficarão escondidas por detrás desse gigante pano de fundo, branco. Branco porque cega, o preto simplesmente esconde.

Gira um mundo de pensamentos, um mundo de idéias, um turbilhão de perguntas. O tempo está demorando pra passar e acalmar, o tempo ainda não trouxe determinadas respostas e a paciência já está por um triz. Mas a coragem não chega pra que ela resolva sozinha e de uma vez só, o tempo está demorando a trabalhar.

E também, quem garante que tudo o que se pensa ou que se vê é realmente tudo o que se deve pensar ou enxergar?

Ela não sabe, mas não agüenta essas consoantes mudas e nenhuma explicação. Dói, o entre vírgulas vazio. A falta de palavras. Dói porque ela sempre quis tudo organizado, esquematizado e explicado. Pingos nos i’s e pontos finais. E dói mais quando as palavras não chegam na hora e seus lábios não se movem.

Levanta da cama, lava o rosto e olha fixo no espelho; arruma o cabelo de qualquer maneira, escolhe um vestido leve, uns brincos, um batom.

O café sem açúcar e algumas torradas. Enquanto passa a geléia de morango nas torradas, imagina diálogos e situações. Réplicas e tréplicas, quase um debate político. Às vezes as coisas só são um pouco mais difíceis na sua imaginação, talvez ela devesse esquecer. Já passou, se passou já morreu, calou. Mas se passou porque teima em ser presente, um fantasma que às vezes volta, mas não consegue mais assombrar e incomoda somente porque não vai embora de uma vez e a mesa tem que ter sempre um lugar a mais.

Liga o computador, lê os e-mails antigos, os novos, escreve alguns e não envia. Liga a televisão passa os canais, 41, 36, 22, 61, 52... tantos canais e nada. Liga o rádio, sintoniza. E enquanto continua relendo algumas coisas, cantarola junto à banda, talvez mais alto que o próprio rádio.

O tempo passa, nenhuma idéia e nenhuma sombra de coragem. As atitudes são difíceis de serem tomadas, quando os resultados são imprevisíveis, mas, nessa altura do campeonato, já não se tem muito que perder. Ou se perde tudo, ou não se perde nada, e entre tudo e o nada existe a possibilidade de uma nova direção. E ela só queria a sinceridade, uma verdade que foi esquecida, uma revelação. Queria uma tarde num café, numa lanchonete, na praia, pôr conversa em dia, palavras onde ficou vazio, conteúdo onde falta explicação, um olhar sincero e um sorriso, alguma coisa que mude tudo, ou mantenha tudo igual...

"Mas se as pessoas são capazes de se enganar, imagine enganar os outros."

Levanta da cadeira, escova os dentes novamente. Olha fixamente seus olhos no espelho. "E quem sou, afinal?"

Volta e apaga todos os e-mails antigos. As palavras são, na verdade, um meio de ocultamento, não adiantava guardar, e muito menos lembrar. Ela remói, porque não é capaz de acreditar...

"A mão que, um dia, ajudou levantar foi a mesma que empurrou num poço mais fundo... talvez não em um poço, mas talvez a mesma que deu um tapa na cara. O que importa é que foi a mesma mão."

Tapas na cara não são coisas que se esquecem facilmente, até serem revidados, de maneira mais sutil, claro.

Pega as chaves do carro, tranca a casa e vai à praia...

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Raisa Pinheiro Arruda. (Fortaleza - CE). É estudante do 5º semestre de Psicologia na Universidade de Fortaleza (UNIFOR).