Mil lâminas cortavam minha face...

 

         — Você não presta! É uma puta dissimulada!

         — É mesmo?

         — Olha que eu te meto a mão na cara, sua vadia!

         — Verdade?

         — Não me olha assim, hein! Pára de fingir que está calma, porque esse seu olhar cínico lança um milhão de facas afiadas.

         — Eu quero mais é que você morra, você é um frouxo!

         — Quem aqui que é frou.............................................................................

 

         Saí para procurar a constelação de Escorpião. Meu tio Bentinho disse que se a gente saísse à noite podia ver um escorpião andando no céu. Até o seu rabinho em forma de gancho podia se ver.

 

         Era a coisa mais linda que eu já tinha visto. A lâmina alumiava tremelindando no peito farto da mulher gorda. O sangue vermelhinho, vermelhinho pelo chão. Os gritos estridentes vindos de todos os lados. Os faróis, as buzinas, as sirenes, os homens de branco... Mil mãos me apalpando, me fechando os olhos. A chuva veio devagarzinho, devagarzinho, clareando o sangue, escurecendo o asfalto. Meu corpo encharcado de água. Somente depois escapuliu difícil de meus olhos uma lágrima. Só então descobri, pela voz chorosa de minha tia, que o peito ensangüentado jogado no asfalto era o de minha mãe. As lágrimas ainda não amargas da infância se misturaram ao açúcar do pirulito ainda entre meus dentes. Eu não chorava porque minha mãe estava ali, estendida, vomitada no chão, mas porque a chuva, aos pouquinhos, ia desmanchando o desenho de sangue que se formava na calçada. Um desenho que eu nunca soube decifrar.

        

         Um mês para o casamento e eu me sinto um esquizofrênico recém-saído do hospício, com as palavras girando desordenadas na cabeça. Olho para o meu rosto, minha barba negra e áspera desaparece. Vejo apenas uma criança, assustada e infeliz observando o céu.

         Alguns anos de convivência e todas as minhas imperfeições transfiguradas no rosto de um filho que me culpará eternamente. O rosto de um filho com as feições da minha mulher. Isso é nojento! A boca dele sugando seus seios.

         Da minha janela eu vejo uma nuvem. Todos os dias a mesma nuvem, ela nasce para mim, se extinguirá com a minha morte. Eu me irrito com ela, tão infinita, tão irritantemente a mesma... Existiam nuvens na minha infância, mas elas se transformavam com uma facilidade impressionante, nessa fase eu nunca vi duas nuvens com a mesma forma.

 

         MIL LÂMINAS cortando minha face e as agulhas arranham no vinil uma parte daquela música do Pink Floyd em que aparece um riso lunático. Olho para o espelho e minha barba continua por fazer. Ou, então, estou dentro de um ônibus lotado, os vidros todos embaçados, e numa letra de criança o meu nome escrito. Tento apagá-lo, ele não se move, como se fosse inscrito dentro do vidro. Quando faço menção de quebrá-lo, acordo, num total descontrole do destino de minhas mãos dentro de meus piores sonhos.

 

         A agulha gira na última faixa do disco.

 

         Não consigo caminhar até o altar. Existe nela o olhar vinho e provocador de minha mãe, em mim, a mão em punho e impulsiva de meu pai. A mesa está coberta de talheres, garfos, facas... são os presentes de casamento. MIL LÂMINAS ATORMENTAM MEU CÉREBRO. Na minha barriga a marca do meu último suicídio. Escorre uma lágrima, ela se perde nas linhas incongruentes de minha face. O copo de água com gelo transpira entre meus dedos, enquanto os cubos bóiam indiferentes no líquido translúcido. Lá fora, pela primeira vez, encontro a constelação de Escorpião, até sinto sua ferroada no meu calcanhar. O calcanhar de Aquiles, aquele do qual tio Bentinho tanto falava.

        A noite está tão clara que posso até enxergar os Anéis de Saturno. Do meu pulso escorre um líquido escuro, viscoso e coagulante, do meu bolso furado caem delicadas flores de laranjeira, completando finalmente o vago desenho que nunca soubera formar através do pueril e trêmulo tracejado.

 

 

 
 
 
 

 

         Costumo olhar a rua debruçado no parapeito. Olho para o velho sentado imóvel na cadeira. Ele sempre está olhando pelas grades do portão. Eu nunca sei se ele olha as coisas que passam ou as coisas que já passaram. Os velhos têm essa vantagem sobre nós, quando a vida está entediante, eles vivem a emoção de causos de trinta anos atrás. Observo também os pássaros, eles nem sempre batem as asas e voam. Algumas vezes tropeçam atrapalhados com suas duas pernas. Ciscando no chão feito gente besta. Meu vô contava que as aves eram seres endemoninhados, por isso, tinham sido castigados com pernas que não serviam pra nada. Eu acreditei por muito tempo nisso. Mas, hoje eu me pergunto: "Por que Deus lhes daria asas então?". Meu avô responderia que não foi Deus.

 

         — Você é irritante!

         — Você tá louca?! Eu só pedi um café e você me vem com quatro pedras na mão.

         — O problema é esse, você pede, pede, pede, o tempo todo só pedindo.

         — Tudo bem, não te peço mais nada.

         — Vai ser mesmo muito engraçado. O que vai fazer? Vai mandar em vez de pedir?

         — Quem sabe não é uma boa solução.

         — Você fica ainda mais insuportável irônico.

         — Desculpa, meu amor, na verdade, eu nem sei porque a gente tá brigando.

         — Deve ser porque eu gosto de reclamar de barriga cheia, não é isso que você vive repetindo?

         — Não digo mais, pronto! Não falo mais nada, tá bom assim?

         — Olha bem pra minha cara e me diz: qual é a semelhança entre mim e seus pássaros?

         — Até onde eu saiba nenhuma, existe alguma?

         — Pois eu te digo qual é a semelhança: é a gaiola.

         — Ataque de feminismo agora? Você quer dizer, então, que eu sou um carrasco e estou te prendendo??? Desculpa, mas não tou vendo gaiola nenhuma.                                                            

         — Não, quero dizer apenas que me sinto presa. Depois de todos esses anos... Você sempre construindo todas essas gaiolas, sempre num silêncio sepulcral, de repente só enxergo grades ao redor de mim.

         — E o que pretende fazer?

         — Não sei ainda.

         — Você está querendo fugir agora? Até mesmo os pássaros se acostumam com as grades, ninguém é livre, eu não sou livre, seria ridículo ser.

         — Nem por isso eles deixam de se debater dentro das gaiolas.

         — Pára de me apavorar, o que vai fazer? Você sempre soube e até achava graça porque eu era o construtor de gaiolas.

         — Com o tempo as piadas perdem a graça. Talvez eu faça como seus pássaros, passe a vida me debatendo, até perder todas as asas, até esquecer da minha condição de pássaro e passe os dias olhando pelos vãos das grades como uma condenada.

         — Eu não posso fazer nada, se a condição dos pássaros é voar, a minha, é cortar-lhes as asas. Afinal, você sempre soube, como já disse, eu sou um simples construtor de gaiolas, essa é a minha triste condição. É o que Deus espera de mim, que eu atrofie as asas que Ele, sem pensar, criou.

        

         À tarde os pombos devoram as migalhas da cidade. Ao acordar ainda sinto o cheiro de suas fezes. Durante o dia ela sempre repetia um trecho daquela canção do Elvis: "como podemos ser felizes com tantas suspeitas em nossas mentes?". Antes dela partir, um pássaro negro, de canto triste, às vezes, pousava no peitoril da janela, outras vezes, ciscava solitário no chão.

         Marta era minha mulher. Até o dia em que ela fugiu com o Circo (as mulheres são mesmo excêntricas). Alguns dizem que se apaixonou pelo equilibrista. Talvez seja verdade, ela adorava os pássaros soltos e sem asas (aquelas aves domesticadas que fogem das gaiolas e por ironia, sempre acabam devoradas pelos gatos).                                                                                                           

         Na manhã de sua partida, encontrei um pombo morto na escada. Era um aviso. Certas noites, sonho com pombos ensangüentados por toda a casa.

         Sinto saudades, ela falava tanto de prisão, no entanto, nunca percebeu que sua liberdade era paga com o meu cárcere. Faz muito tempo que não a vejo. Um palhaço, passa por aqui e me dá notícias vagas e duvidosas. Ele disse que hoje Marta se apresenta como a Mulher Barbada. Não devo ter reparado quando se deu essa mudança, logo ela, que vivia olhando no espelho. Penso que tenha sido alguma anomalia provocada pelo convívio com as aves (o pássaro negro mesmo depois de sua partida, cisca no peitoril da janela feito um sambista louco e triste. Tem dias que acho que cortará as próprias asas, para que possa cair sossegado em cima da morte).

         Muitas noites eu penso em suicídio, outras fico acordado observando o sono leve dos pássaros, desde que ela se foi eu gosto muito mais dos pássaros. Antes não, mas agora enxergo a semelhança que ela tanto falava. As asas me lembram a ansiedade que ela sentia em voar. Seu canto, suas penas espalhadas nos cantos da gaiola. E o pássaro negro sempre pousado no peitoril implorando piedade. Seu olho cinza e cego mergulhado em tristeza. Ela se foi, mas algo ficou (agora entendo os pêlos pelo banheiro), talvez o barbeador que compartilhávamos. A lâmina está enferrujando. Eu nunca consegui tirá-lo da beira da pia. Todos os dias eu olho para ele, eu tenho a esperança que, num momento de lucidez, ela deixe o Circo e volte pra casa. Entretanto, o barbeador nunca se move, a não ser hoje de manhã, ao entrar no banheiro, eu não o vira, olhei para o chão, lá estava ele, caído e intacto. Na torneira uma barata triunfante levantava suas antenas compridas e asquerosas.

         Foi difícil, mas hoje levantei, lavei a cara, fiz a barba e tomei uma decisão: irei até o Circo. Essa decisão é ridícula, eu sei, detesto essa alegria tonta e debochada sob a lona. Porém, os tolos precisam pagar por seus erros, então, irei e acabou, nada fará com que mude de idéia. A tarde toda eu escutei Black Bird dos Beatles. Eu não esperava a chuva, todavia ela veio. Eu sempre achei que havia uma relação entre o canto e a parada da chuva, deve existir alguma semelhança entre as aves e o arco-íris. Assim como há uma certa semelhança entre Deus e o Diabo. Depois do canto de hoje, nunca mais enxergarei as tempestades, sinto isso. A chuva não fez com que desistisse dos meus planos.

         Fui até o Circo e só a lembrança do cheiro da lona me causa náuseas. Ela estava lá, não linda, mas necessária, ela ignorou minha presença, me tratou como um simples público pagante. Eu a perdoo, o ódio é próprio dos fracos. Eu só não podia me deixar intimidar, afinal, os tolos precisam pagar por seus erros. Olhei para o equilibrista e ele não pareceu menos louco do que eu, talvez a altura lhe proporcione uma importância que não tenha. Aproximei-me, o vermelho do nariz do palhaço tomou conta de mim: "ah, ah, ah, o equilibrista se equilibra nas barbas da mulher, ah, ah, ah...".

         A única coisa que me recordo é da barba comprida e macia e da faca brotando de sua barriga, não, não fui eu, eu juro, ela brotava como uma planta que desvirgina a terra (ou como um pássaro que atravessa os vãos da gaiola desvairado).

         Agora, das grades da janela onde me encontro, apenas vejo grandes cipestres azuis... Trago no bolso uma foto de meu avô (ele também construía gaiolas). Ele tinha olhos pequenos como os dos passarinhos e como eles se assustava facilmente. Bastava alguns passos mais fortes e ele se armava com a espingarda, embora, nunca houvesse balas dentro dela. Meu vô era um sonhador.

         Quanto a mim, ainda construo gaiolas, mas não crio mais pássaros. Tudo que voa, pode, de repente criar asas.  

 

 

 

(imagens ©guy bourdin)
 
 
 
 

 

 

Na estante ficavam à mostra várias fotos, o malabarista, a bailarina, o soldado de chumbo, o picadeiro, o palhaço que nunca me fez rir e a corda que nunca teve coragem de envolver meu pescoço.

Pai nosso que estais no céu, santificado seja o vosso nome.

Facas de dois gumes penduradas nas paredes denunciavam tua ânsia suicida. Não fora homem suficiente para enforcar seus últimos pesadelos. Covarde! Nem tivestes peito de fazer jorrar teu ódio ralo desses pulsos finos, brancos e esquálidos... Os suicidas farejam lentos no lado negro e infinito do tabuleiro. Uma travessia longa e bestial. Ela gargalhando feita esquizofrênica: "Um homem de 1,70 quase não é homem".

Venha a nós o vosso reino seja feita a vossa vontade assim na terra como no céu.

Não gostava de olhar para sua cintura, eu via cobras saltarem do seu umbigo numa acrobacia ouça, perigosa e incompreensível.

          O pão nosso nos dai hoje.

Anões povoavam seus sonhos mais pervertidos. Metade da vida já atrofiada no nascimento, por pouco um fórceps não deforma seu pescoço. Causavam-te pena e soberba aqueles pedaços de gente que traziam transfigurados na face de morte vindoura.

Perdoai as nossas ofensas assim como nós perdoamos a quem nos têm ofendido...

Brinquedos quebrados enfeitavam seu quarto. Você gostava de rir da desgraça alheia. Era teu patético divertimento, saber que algo no mundo sangrava com uma dor mais pungente do que as tuas chagas secas de ressentimento. Um Deus sádico regia teu universo.

O jardim estava sempre coberto de rosas brancas. A cor excessiva das flores te incomodava, parecia uma afronta, Lembrava do suicídio que nunca teve força de cometer, gostava de acreditar na palidez de tudo. O sangue corre tímido e anêmico nas tuas poucas veias.

A água da privada girando, girando... Um velho disco riscado vomitando aquele mesmo trecho "... batidas na porta da frente é o vento... eu bebo pra ter argumento... ele zomba do quanto eu chorei...". Despejo o resto da bílis no vaso. O espelho alonga minha cara. O barbeador na pia me entristece, há anos não sou mais menino, mas ainda posso ver nitidamente o talho que fiz no meu rosto com cinco anos, me barbeando pela primeira vez, ainda escuto os gritos desesperados da minha mãe e meu pai dizendo: "eu também já fiz isso, mulher!". Esse espelho me envelhece.

Na cama você era gigante de cem braços. Sempre me esmagando, me fazendo pequeno e sarcástica repetia!: "Um homem de 1,70 quase não é homem". Todos os meus membros tentavam percorrer seu corpo, numa luta insana e inútil, pequenas lâminas rubras brotavam da sua pele dilacerando meus dedos, uma guerra de perdedores. O sangue escorria incolor entre seus seios, mas isso não te saciava. Cartas de baralho em cima da mesa, você jamais se cansava de jogar. Nunca descobri se eu era o Coringa ou um simples palhaço que te fazia gargalhar feito uma insana.

Teu olhar tinha o encanto de fogos de artifício e como eles não bastavam dois minutos e eu já podia sentir sobre os lençóis o peso de pólvora, chumbo e enxofre. Essa nuvem de fumaça nunca mais me deixou respirar em paz. O gosto de fósforo e desodorante barato continua nas frestas grandes dos meus dentes, seja talvez, a causa de todas as cáries de minha boca.

Garrafas de todas as cores estão dispostas na prateleira. Azul, roxo, rosa, amarelo, verde, vermelho. Um copo de cherry. Todo teu sangue me escorrendo goela abaixo. Um porre o teu rosto se duplica na minha cabeça. Os carros passam rápido como flashs, lembranças de uma peça que nunca assisti. As pessoas me encaram como se eu tivesse cometido um assassinato. Vejo miolos espalhados pelo bar. Não se olha um homem com as esquinas dos olhos, nem se fixa em sua retina cega por mais de um minuto. Posso vê-la jogando convulsivamente a cabeça para trás, posso escutar ela gargalhando: "Um homem de 1,70 quase não é homem".

Ao seu lado eu era sério, não ria e só me permitia pensar de olhos fechados, como quando criança sonhando ver o sol do Chile nascendo entre os montes, seus seios imensos na concha ridícula da minha mão, qualquer descuido e... Você seria capaz de roubar todos os meus segredos. "Um homem de 1,70 quase não é homem". A sombra da cruz na porta invadia o quarto. Você se incomodava, eu me ausentava, sabia da sua saudade da época em que trabalhava com um grupo de mambembes,  percorrendo o mundo, cada dia vestia com um fantasia diferente. Encenando vidas interessantes, adiando essa insipidez hoje estampada na tua pele, esse câncer lento que corrói tua alma. E agora? A que se reduzira? A uma boneca de porcelana barata trancada sempre no mesmo quarto implorando a Deus um gozo rápido e indolor, vendo infinitamente o sol nascendo no mar e se pondo na esquina sem movimento da sua casa. Era só o que eu podia te oferecer, miligramas do meu esperma. Levantava nua e colocava a cruz embaixo da cama. Achava tudo aquilo profano, mas me calava "...perdoai as nossas ofensas. Amém". No criado-mudo um cinzeiro e um vaso com flores: "Mares de lírios, essas suas mãos lívidas e mortas tecendo ausências".

Ultimamente minha pele cobria-se de uma penugem loira, que me tornava ainda menos atraente para seus olhos de tigresa no cio. Choros de criança e barulho de chocalhos estouravam meus tímpanos.

Os garçons as garrafas, no fundo todos nós um dia sentimos vontade de fugir com o Circo ao lado do Homem-bala. Agora somos apenas tolos espectadores esperando o Circo passar só mais uma vez na cidade de terra e descobrir como o mágico tirava tantos coelhos da cartola. Os líquidos  derramam-se sobre os corpos. Coágulos nojentos despencam da sua boca. Vinte e cinco anos e rebola feito uma vaca de dezoito. Rebola como se ainda estivesse num bordel cheio de vedetes. E agora? Como posso acreditar que um porre irá me salvar de tudo isso? Buracos se abrem ao redor do meu banco. Rodas gigantes, carroças, cavalinhos de pau. Sonho todas as noites com você, mas não consigo enxergar seu rosto. Cadela, sempre com tinta na cara sardenta.   

Sonho todas as noites com o sol do Chile nascendo na concha ridícula das minhas mãos. Minha língua cortante percorrendo cada centímetro das suas costas.

O homem empilha as mesas vermelhas do bar maquinalmente, é o tipo que trepa com a esposa em cinco minutos e apesar da infelicidade não tem paciência para uma amante. As pessoas desaparecem sem deixar vestígios. Apenas alguns filtros amarelados de cigarro barato e restos de cerveja derramados no chão. Quarenta anos e o meu quadril gira no compasso daquela vadia. Chocalhos coloridos invadem as órbitas tortas dos meus olhos.

Um anjo negro de asas púrpuras rompe do seu ventre, deixando um abismo no lugar. Você se ajoelha e se contorce fingindo arrependimento do seu útero.

Bendito é o fruto do vosso ventre Jesus...

Só lamento por ela não sentir as dores do parto.

Respiro aliviado, aquela vadia não saberia ser mãe. Cuspo uma saliva amarga, acendo o último cigarro do maço.

Perdoai as nossas ofensas. Amém.

 
 
 
 

 

 

Márcia Barbieri. Formada em Letras (Português/Francês) pela UNESP, participa do Curso de Mestrado em Literaturas Africanas na USP. É professora de Língua Portuguesa na Rede Estadual de Ensino. Ministra aulas particulares de Língua Francesa e faz revisão de textos. Edita o blogue Minha Vida Não Vale Um Conto.