Todo escritor é em si seu arsenal de angústias da influência à moda de Harold Bloom. Sendo assim, é normal e salutar que ao ler, entremos em contato com os precursores. Por mais nova e inventiva que seja uma lírica, no caso, a lírica amorosa, é comum associá-la a outros arquitetos das palavras de outros tempos. Normal seria dizer que puxamos um fio de ligação com os anteriores e até com os que vivem o mesmo momento. Criando, então, novos mundos que se tocam, se revelam e se mostram interligados.

 

No caso de Suzana Vargas e O Amor é Vermelho — seu mais recente livro (103 páginas, Editora Garamond) —, percebemos que Camões, Gregório, Vinicius e Cecília Meireles vivem em seus versos. Mas ela não fica só no diálogo com seus precursores e coloca uma grande dose de contemporaneidade em seus textos, o que faz de seu projeto algo que transcende a simples epigonia. A autora coloca-nos em contato com os sentimentos e sentidos do tempo em que vivemos. O amor em tempos de desunião e de certa indiferença para com ele é o alvo de Suzana, que não foge do assunto e ainda coloca nele sua pitada de intensidade. Ela parece que vive em cada verso: ora à espera da paixão, ora vivendo-a em seu mais cotidiano desejo. O ser amado aqui aparece — ao contrário de muitos — não de uma forma mitificada ou idealizada apenas. É ardente o sentimento que constam dos versos dela: como se o amor, mesmo sendo um sentimento difícil de lidar, deva ser experimentado para que o ser humano consiga a tão almejada completude.

 

Estar enamorado é pertencer a um outro mundo: um mundo vermelho como nos mostra a escritora. Aliás, esta cor é a eleita por Suzana Vargas para provar que as rosas exalam o perfume que roubam de ti e que o amor é eterno enquanto dura.

 

Em versos elaborados e singelos, permite-nos ver que é importante que o poeta de hoje não perfume a flor. Seria muito fácil simplificar o tema ou exacerbá-lo a um extremo que não convém a ele.

 

 

Falar de amor é fácil?

 

A fixação do ser humano em viver dias românticos vem levando a humanidade a tratar de forma menor o enamoramento. A música popular é recheada de exemplos que o minimizam, relegando a uma mera atração física aquele sentimento que é o que move os corações. Falar dele — segundo uma música cantada por Ivete Sangalo — é fácil. Ou é fácil ou extremamente fácil para você e todos cantar junto. Por isso que é difícil escrever sobre algo que todos sentem e que é banalizado pela mídia. Os meios de comunicação despejam a todo o momento canções que expressam de um modo pobre o que deve ser visto como sentimento superior.

 

O amor é o fogo que arde sem se ver e por arder tanto não merece a banalização que vem sofrendo em tempos pós-modernos. Amar é estar em outro lugar do discurso. Dedicar-se ao ser amado de uma forma que o “euteamo” possa sempre amarrar ainda mais os enamorados. Neste jogo de sedução e de erotismo, neste lugar valioso onde vive o sentimento mais puro, podemos entender todos os meandros que cercam esta poética: ela não se furta a ter a dose de erotismo necessária sem reduzir o tema a sexo, simplesmente. A sedução que o leitor sentirá é diretamente proporcional ao que a vontade de potência amorosa da autora nos possibilita ver. Também não podemos definir o livro — apesar de falar de enamoramento — como um opúsculo erótico. São 36 poemas delicados e preciosos. Cada um aborda um momento específico de uma relação ou da solidão da espera angustiante pelo objeto do desejo.

 

Trechos bem que poderiam constar de um livro clássico que é dedicado à questão, de Roland Barthes: Fragmentos do Discurso Amoroso, uma reunião de frases/citações que abordam todos os caminhos por onde passa o ser humano em busca da felicidade amorosa. É o caminho que nos mostra Suzana Vargas como podemos perceber aqui: "O amor sem olhos/sem ouvidos/para minha música atrás/muito atrás de sua nuca". Ou ainda: "Você é minha música agora/A ponte do que foi e o que será/nunca memória".

 

Como se não bastasse o teor poético deste vinho amoroso que é o livro e seus poemas, também temos contato com as fotografias de Antonio Lacerda. Tudo numa sintonia, onde o casamento de duas artes distintas é coeso. O resultado é uma obra rara em que a arte está a serviço do verdadeiro sentimento profundo. Um sentimento que transborda sem esbarrar em obsessões ou paranóias: coisa muito comum nos nossos dias de luta feroz contra o que nos separa de nós mesmos. É como se quebrássemos um espelho e não tivéssemos os treze anos de azar e sim de sorte, por ter olhado nosso interior através da própria imagem e encontrado lá dentro o que nos faz ao mesmo tempo diferentes e iguais aos outros seres humanos. Por isso, não me furto a dizer que a poesia de O Amor é Vermelho é humana e cheia de requinte. Sem crueldade, é onde mora todos os jogos de amor que fazem a vida ter algum sentido.

 

Chego à conclusão final, que a tentativa da autora é alcançada com grande sucesso e seu livro tem qualidade literária para figurar entre aqueles que fazem a diferença quando o assunto é paixão. Tudo com muita verdade. Sem se perder em tentativas de vanguardismo que poderiam fazer ruir uma bela construção. A arte é perene. Tudo acaba. Mas o verdadeiro amor — discordando aqui do poetinha — é eterno. Eternos como os versos de Suzana Vargas.

 

 

 

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O livro: Suzana Vargas. O amor é vermelho. Rio de Janeiro: Garamond, 2005.

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julho, 2008

 

 

 

Rodrigo de Souza Leão (Rio de Janeiro, 1965), jornalista. É autor do livro de poemas Há Flores na Pele, entre outros. Participou da antologia Na Virada do Século — Poesia de Invenção no Brasil (Landy, 2002). Co-editor da Zunái — Revista de Poesia & Debates. Edita os blogues Lowcura e Pesa-Nervos. Mais na Germina.