faro e fino trato

te adivinho
no bouquet
de um vinho tinto
:
tenho instinto
um tanto
etílico

 


pródiga


a vida
pousa
a vida
pulsa
a vida
passa

avida_
mente
     
a vida se desgasta
e não poupa-nos
da paus/\________

 


ciclo

o tempo estende-se,
dias a fio,
contíguos,
que perduram
— pendentes —
pelas barras do destino.

          não demora,
          o tempo exíguo,
          recolhido,
          será passado
          a ferro brando.

[enquanto uma nova era
de horas aguadas,
na máquina do tempo,

espera...]

 


ego

eis-me aqui
diante do espelho:
um nonsense

face
&
disfarce

eis-me aqui
um contra-senso

reflexo
&
avesso

eis-me aqui
ante meus versos:
uma antítese

imagem
&
miragem

a bem da verdade
reconheço o que viso:

um oásis de vaidade
pregando no deserto

eis-me aqui:

narciso
&
eco

 


pantomima

prefiro o gesto, à palavra
sou mais o não dito, subentendido
no jeito mundo que ele me toca

me toca fundo
essa cena muda

me deixa úmida
in loco

 


ais ou enos

se há coisas
que causam
náuseas,
há drágeas
para o sintoma.
há ampolas,
gotas,
há placebo.

para sexo
indigesto,
tomo enos.

[onde estão meus ais?]

 


eu, tu, ele, noz

essa noz
engelhada
ora torta
ora semente
como esse nós
inde(is)cente da gente

ora poda
alma lacrada
ora poder
romper na palma
ora podre
[pobres de noz]

esse nós
entre tantos
podia tanto
nada entretanto
pôde

 


conto final

um ponto encerra
a sentença
que me condena
: pela reticência
vírgula
pelo et cetera

um ponto finda
o erra-uma-vez
e me livra
da reincidência

 


a quem interessar
possa:

tenho pressa
de saber o fim
e ainda estou no começo
mal inicio
o romance
já conheço a sina
dos amantes

amei-o endfim
amei-o mail
— e mal pacas —
amei-o (pró)logo

leio sempre
de trás para a frente

[e compro o livro
pela capa]

 


viúva negra

para cada boca
que me sorve
sirvo
o mesmo veneno

vario
conforme o beijo
a dose de ar
cênico

 

 
 
 
 
 
 

vulto

palavra,
não estou sozinha.
essa minha clausura
admite companhia
: poesia que me povoa
verso que apavora
fantasma, que é Pessoa

 


(en)tanto
 

        "A felicidade é como a pluma
        Que o vento vai levando pelo ar
        Voa tão leve
        Mas tem a vida breve
        Precisa que haja vento sem parar"
        Tom Jobim
 

não creio
em carma causa efeito
acaso destino
assim estava escrito

acredito
na brisa que passa
na brasa que bisa
na bossa nossa

no tom no tato
no tento

eu e tu: momento

 


fúria & fleuma

às vezes sou gelo
para ver se facilito
que engulas [num só trago]
o amargo que destilo

não tenha receio
baby
e beba...

minha loucura
descerá mais fácil
com essas duas pedras
[gélidas]
que te fitam

isso
beba mais
baby
[sem torcer o nariz]

esse ar de dura
irá sumindo aos poucos
nessa dose dupla
de mea-culpa
:
não sei se coca
ou cicuta
se xarope
ou morte

on the rocks
meu amor

 


agnóstica
 
não dou ouvido a beatas
nem atendo boatos
que batem
à minha porta
querendo [sem provas]
me doutrinar
 
 

centúrias

eu fumo
tu fome
ele fama

nós tragamos
nossa assaz
sina

 

(imagem© lilly gobbi)

 

 
 

Valéria Tarelho (Santos-SP, 1962) casada, quatro filhos, formou-se em Direito, mas optou pela poesia. Viveu na cidade de Guarujá-SP até dezembro de 1998, quando se mudou para São José dos Campos-SP, onde mora. Seus primeiros escritos — poesia, em maior escala — datam de abril de 2002. Obras publicadas: prosa (em co-autoria) no livro Com Licença da Palavra (Editora Scortecci, 2003); poemas na Antologia Brasileira de Poetas Contemporâneos, vols. 1 a 7, da Câmara Brasileira de Jovens Escritores e no Livro da Tribo 2004 e 2005 (Editora da Tribo). Teve um poema selecionado para integrar o livro Panorama Literário Brasileiro 2004/2005 — As 100 Melhores Poesias de 2004 — Câmara Brasileira de Jovens Escritores. Participa, ainda, de diversas antologias, em formato e-book. Mais em seu blogue.