Vera Lúcia de Oliveira é Doutora em Línguas e Literaturas Ibéricas e Ibero-americanas (1997), pela Universidade degli Studi Palermo (Itália). Ensina Literatura Portuguesa e Brasileira na “Università degli Studi di Lecce” (Itália) e recentemente ministrou cursos na área de Pós-graduação na Universidade Estadual Paulista (UNESP), em Assis — São Paulo. É autora de trabalhos sobre poetas contemporâneos publicados em revistas brasileiras e estrangeiras. Além da produção ensaística, é também poeta e foi premiada em diversos concursos, tendo os seguintes livros publicados: A porta range no fim do corredor (poesia), Scortecci, São Paulo, 1983; Geografie d’Ombra (poesia), Fonèma, Veneza, 1989; Pedaços/Pezzi (poesia), Etruria, Cortona, 1992; Tempo de doer/Tempo di soffrire (poesia), Pellicani, Roma, 1998; La guarigione (poesia), La Fenice, Senigallia, 2000; Uccelli convulsi (poesia), Lecce, Manni Editore, 2001. Na Bienal de São Paulo, foi lançado o seu livro Poesia, mito e história no Modernismo brasileiro, São Paulo, Ed da UNESP e EDIFURB, 2002. Na Itália, foi lançado, no mesmo período, na Embaixada Brasileira, em Roma, a antologia poética Illuminazioni (Salerno, Multimedia Edizioni, 2002), do poeta Lêdo Ivo, que a autora traduziu, organizou e prefaciou. O seu último livro de poesia é No coração da boca/Nel cuore della parola, Adriatica Editore, Bari, 2003. Mais, em: http://space.tin.it/computer/cmaccher.



Estou estilhaçada
silêncios saem da boca
mansos
estava desenhando
palavras
perdi o jeito de amanhecer

tenho tantos pedaços
que sou quase infinita


(Geografie d’Ombra. Veneza: Fonèma, 1989)

até prova contrária
não amassem o corpo de pegadas
não agucem a espera da morte
não contaminem a propensão à luz
não passem rolo compressor

nas palavras da alma

não decretem que não existe

até prova contrária

o direito ao esquerdo

 

( Pedaços/Pezzi. Cortona: Etruria, 1992)

.....................................Para Gladys

Não é no mar que deponho as redes
não é âncora
o maciço do mar
o mar não projeta o gesso das urnas
o mar rasga as cicatrizes
.....
corrói as agulhas

Não conhece demora o mar

Não foi olhando o mar que aprendi a retalhar as palavras
no silêncio pesado da casa
cavoucando na cidade
as doenças do charco
sonhando cemitérios menores para sofrear a evasão
das coisas
..............
da seiva

Buracos que as goteiras afundavam
e o chão acalentava como uma coisa que se deve inchar
que deve por destino absorver o brejo

Por isso estou diante do mar como quem tem medo
como quem engole com pressa os remendos
as pedras
os estiletes que o mar no seu movimento corrói


(Geografie d’Ombra. Veneza: Fonèma, 1989)

canções
....perfumes
..gemidos
que o vento incrusta
nas ruas
em dias triviais


rondam
enrouquecidos
..loucos


chamam nossa alma


(Tempo de doer/Tempo di soffrire. Roma: Pellicani Editore, 1998)

o vento na árvore é Deuso
Deus escolhe a rocha
onde pousar seu rastro de árvore
e a unha-fome de tirar
da pedra p
veia de pedra que se fia
em planta provisória ra
onde rasga

Deus escolhe
para cada raiz a roca
para cada galho seu precipício
para cada fome sua forma de filtrar
o máximo
...da consunção



(Tempo de doer/Tempo di soffrire. Roma: Pellicani Editore, 1998)

o corpo de um torturado
escava através dos séculos
sua intensidade de dor e morte


mas Deus, para quem não existe a história
como atura o horror
desse instante
onde só o que muda é a boca
que grita?


(Tempo de doer/Tempo di soffrire. Roma: Pellicani Editore, 1998)

a árvore genealógica destes cortes
testemunha que o amor

sem um mínimo

de aniquilamento
não existe


(Tempo de doer/Tempo di soffrire. Roma: Pellicani Editore, 1998)

minha infância era cheia de trens
também minha adolescência

se encheu de rodas



de manhã acordo
aprendo:
vida está
é


paralisia é o nome mais doloroso que tem a morte



(Tempo de doer/Tempo di soffrire. Roma: Pellicani Editore, 1998)

estou de bem com o mundo até
um tanque de guerra se cansa

da guerra até um pássaro pára

para

repousar


e depois o céu hoje é de um
azul que faz mal aos olhos
agudo que a gente fica ali
barriga pro ar
admirando as andorinhas
...que volteiam
matutando no que pensam lá no alto
no que
sabem
se sabem que estou de bem com o mundo
que volteiam lá em cima também para mim


(Tempo de doer/Tempo di soffrire. Roma: Pellicani Editore, 1998)