*

Fica
entre resíduos
essa mão vazia
de palavras e versos.
Esse vazio dissolve
meu olhar
as mãos sujas
encobrem o trabalho
do teu verso
do teu traço
Cantamos a dor
de dizer o mundo.

 

 


*

Envolva-me com tua paisagem
Escreva-me nela
Me comova
Me dissolva
Meu
Ofertório
É meu corpo:
o pai nosso de cada dia
para a oração
o fazer para a crucificação nossa de
todos os pai-nossos
e de todas as ave-marias.
                           
                                   De resto
                                   é o mesmo mundo.

 

 


*

        A José Paulo Paes


O soluço
Não soluça
O canto
O teu verso, José
Foi sempre um canto maduro
Imaturado de amor
Se  morres —
Morrer a cada verso
E és capaz de nascer
A cada verso
Nessa mesma profusão
de versos
em que jogas com tua solidão
— a do poeta.

 

 


*

Para escrever um poema
não basta um pássaro
ou uma flor:
basta  o escrever
se é que basta:
esse pão
essa comida
esse vinho
do escrito
à impressão.

Fica um grito
entalado na garganta.
Tudo o que temos
não basta.
É preciso tirar da morte
da palavra
esse silêncio bastante
de si mesmo
e ouvir uma canção inexistente.

 

 


*

No espelho
ponho a língua para fora:
— o subterrâneo do corpo —
Escondo meus gozos
atrás da língua.
Um toldo
um home-office
o corpo é minha casa
a casa, meu corpo
arquivo de vida
encadernação de folhas — páginas —

Como entender as tolices humanas?

 

 


*

No teclado meu desespero.
Sentindo as notas
As teclas pretas e brancas
suavizam-no
Respeito e respeitosamente
Tiro um som do lugar inexistente
Aquela sinfonia sem som.

 

 


*

Em diagonal vou traçando meus percursos
Eterno retorno de um vazio conhecido

Sou uma polaridade
Do outro lado.
Obstinada procuro
O teu desejo
Só encontro
O espelho devidamente quebrado pela tua mão.
Continuamante
Nessa obssessãosssssssssssss
Procuro os dons
a inspirAÇÃO
a transpiração
Só encontro acasos.

 

 


*

Nessa arquitetura do verso
Frito os ovos e
Deixo-os torrar
Meu tempo
É o meu tempo
Deixe-o prá lá.
Minha palavra se quer nômade
Construo sentidos inexistentes.
Meu nome é exílio
Sou bárbara como meus
contemporâneos,
E me visto de seda para enganar
A qualquerum.

 

 


*

No beijo de Rodin
A arte estremece
As mãos passam nas pernas
E
o pescoço
vai soletrando o que a boca e a língua
sofregamente murmuram
O mármore frio
Aquece os ais de Camille.

 

 


*

Essa paisagem me espanta
Invisivel como tua face
Olhas um espelho que não te espelha
Vives o sonho dos insensatos
Desejas o desejo de um outro clandestino
E passas pela aventura
De uma travessia impossivel.

 

 


*

Uakti tocando de coisas a fazer
O coração da música
Nesse modal temperado
Serial  dos sons
Orquestrados
Na sin  fonia
Dos indios mortos
No coração da terra brasilis.
O canto do uirapuru
jaz no teu canto
de morte de uma nação
e faz renascer a tribo//
a tribo dourada
 pelo  tempo cósmico

 

 


*

OBJETOS
OB     JETOS

OBSCENOS    
OB
CENAS


ESCANDALOSAS QUESTÕES
Não tenho nenhuma resposta,

 

 

 

Vera Casa Nova. Poeta, ensaísta, pesquisadora e professora da FALE/UFMG. Doutora em semiótica pela UFRJ. Pós-doutora em antropologia visual pela Ecole Des Hautes Études em Sciences Sociales, Paris, França. Tem diversos trabalhos, poesias, ensaios, estudos e pesquisas publicados em livros, internet, jornais, revistas, suplementos literários do Brasil e exterior. Autora, entre outros, de Lições de almanaque (Ed. UFMG, BH, MG) e Desertos (poesia, 7Letras, RJ). Carioca, vive em Belo Horizonte.

 

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