Ícone ínfimo

 

só dorso de luz

nada que atordoe

o fio do fundo

nada que turve

a aura mínima

 

só pura abulia

nada que perturbe

o eco do fugaz

nada que urgente

o átimo imerso

 

só vôo mortiço

nada que perfure

a nódoa cerúlea

nada que arruíne

o ícone ínfimo

 

 

 

 

 

 

Os eugenios da paisagem

 

são cinqüenta

séculos (ternos)

são você a vida

exposta a resposta

de bosta e meias-

verdades cáusticas

são os eugenios in-

gênuos a ver navios

e derramar guaraná

com soda na memória

é o rabo da tainha

na bicicleta alemã

zunindo adeuses e

beijos escandidos

da corada mãe-ímã

moldura carunchada

espectral gigante

de pira olímpica

 

uma porção se vingou

a outra virou poção

de estupor dormente

 

 

Para minha mãe Else

 

 

 

 

 

 

Fóssil d'alma

 

um susto silente

ofertório de besos

 

quem é o ciclone

do olhar maralto

 

transido oriente

desaba con gusto

 

o que é o azougue

do olho mareado

 

recuerdos sueltos

atam o que ficara

 

 

 

 

 

 

Movie-junkie

 

sou um reles

traficante de

fotogramas

 

antes fazendo fita

do que viver sem

Viveca Lindfors

 

movies não

há mais timing

livre-se deles 

 

do cowboy que fui

restam furtivas

infância e infâmia

 

a bala na lua

Méliès de olho

a dor irisada

 

queimei o filme

queimei o poema

queimei se amei

 

 

 

 

 

 

Eurus

 

sopre este poema

da  página enxote

pro nume  que dá

a  lume sopre aqu

eloutro suma com

todos e deixe o tí

tulo  sumo do que

um dia  ex íncubo

do  verbo fora po

esia viés  que ag

ora seria  não és

 

 

 

 

 

 

Rio-tempo

 

rio-tempo de cujos gritos

lavra a surdez das gavetas

 

temporal de vis vislumbres

consome-se em rutas rotas

 

gestos-lesma ecos concisos

embotam a desvida intuída

 

gazua gaze unha-se úmida

sob equimoses do estorno

 

sorrateira é a usina desse

que ver de enésima messe

 

 

 

 

 

 

Crípticos

 

feito um frio suicida

deixe sempre tudo atado

 

feito um pensamento fugidio

deixe sempre tudo a tento

 

feito um rio a montante

deixe sempre tudo de início

 

feito um mau pressentimento

deixe sempre tudo no ponto

 

feito uma saudade à-toa

deixe sempre tudo à vontade

 

feito uma treslouca aposta

deixe tudo sem resposta

 

 

 

 

 

 

Para algum futuro

 

para algum futuro

todas as braçadas

ouro de quimera

 

para algum futuro

cárcere da vileza

penúltima certeza

 

para algum futuro

desfrute a prumo

remos a contrapelo

 

para algum futuro

pútridos humores

se créditos tiver

 

para algum futuro

exorcize convícios

 

 

 

 

 

 

Todavia

 

uma sombra assenta

liquefaz o que estava

imperceptivelmente

borra o que perdura

agora sim o homem

é o seu perfeito sósia

 

 

 

 

 

 

Silenciário

 

silêncio

canivete

suiço

 

silêncio

garrote

vil

 

silêncio

haraquiri

zen

 

silêncio

cárcere

privado

 

silêncio

bala

dundum

 

silêncio

bolo

fecal

 

silêncio

praga

vodu

 

amor

silêncio

fake

 

 

 

 

 

 

Curare

 

de cor o pulso

estardalhaça

veios fórmicos

 

túnel da alma

a mão do boxer

vasculha boba

 

carcaça tímida

gemido vizinho

de ais falhantes

 

maré de gosma

rosa-pinkpink

lágrima fálica

 

um arroto seminal

escapole chocho

cicatriz de oxigênio

 

 

 

 

 

 

Velhera

 

tempo lavradio

à-toa

 

totêmico tempo

a toda

 

cavalariço do soçobro

à coda

 

entes da simetria perfeita

 

 

 

 

 

 

Transontem

 

Omi

foi tão lindo

você pasma

exatamente

do lado Hans

(velho nazi)

tia Hete

se contorcendo

(a cuia de chimarrão

 ardosa)

teu corpete

de bolinhas

pretas (e branquelas)

o lenço bodunhento

asfixiando

a boquinha

de chupador de ovo

Omi foi tanta lindura

(Omi!)

ali estirada

pisando nós

indesmancháveis

um'alça

ia chumbando

quando menos

o buraco e seu alvo

(desfrutáveis)

escancarando

Lutz und Jochen

esperneando cães pulgas

ricochetes de guerrilha

rugas medalhas creolina

e a Hete

se cagando escondidinha

e você (vó!)

arrepiando plantinhas

danadinhas

nascituras

tão puras

Omi

(tentáculo de vendeta

espetáculo do capeta)

esplêndido

ver-te verdolenga

sorry (indo)

nos lábios de mármore

o pesar d'alma

em dobro

 

 

(imagem ©sirkka)

 

 
 
 
 

Sylvio Back é cineasta, poeta e escritor. Autor de trinta e seis filmes (dez longas-metragens, o mais recente, Lost Zweig), teve publicado em 1986 o seu primeiro livro de poemas, O caderno erótico de Sylvio Back (Tipografia do Fundo de Ouro Preto, Minas Gerais). Depois vieram Moedas de luz (São Paulo: Max Limonad, 1988); A vinha do desejo (São Paulo: Geração Editorial, 1994); Yndio do Brasil — poemas de filme (Ouro Preto-MG: Editora Nonada, 1995); boudoir (Rio de Janiero: 7Letras, 1999); Eurus (Rio de Janeiro, 7Letras, 2004); Traduzir é poetar às avessas — Langston Hughes traduzido (São Paulo: Memorial da América Latina, 2005) e Eurus — bilíngüe — português-inglês (Rio de Janeiro: Ibis Libris, 2006); kinopoems (e-book, Cronópios Pocket Books, SP, 2006); e As mulheres gozam pelo ouvido (São Paulo: Editora Demônio Negro, 2007). Back tem igualmente editados livros de contos, ensaios e dez roteiros de seus filmes.

 

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