El anarquista de las bengalas

 

Yo soy el anarquista de las bengalas,

el anarquista único, el que permanece y pasa:

he tenido nombres en los que dormían las frutas

de los corazones raros. A todas horas trabajo,

y en especial cuando la gente afirma

que no hago nada. Sé lavarme el alma

sobre papel y nada, colocar bombas de relojería

en las ciudades que siento en las espaldas,

buscarle y con olvido las cosquillas a un amor

que prefiguro con distancia y a través de todo eso

seguir estando en todas partes habiéndome

marchado.

Porque yo soy

el anarquista de las bengalas. Cada vez

que enciendo una tu corazón

y mi corazón se apagan.

 

 

 

O anarquista dos foguetes

 

Eu sou o anarquista dos foguetes,

o anarquista único, o que permanece e passa:

tive nomes em que dormiam os frutos

dos corações raros. A toda hora trabalho,

em especial quando afirmam

que não faço nada. Sei lavar a alma

sobre papel e nada, colocar bombas-relógio

nas cidades que assento nas costas,

tirar do sério e esquecer um amor

que prefiro à distância e através disso

permanecer em todas as partes enquanto

caminho.

Porque sou

o anarquista dos foguetes. Cada vez

que acendo um teu coração

e meu coração se apagam.

 

 

 

 

 

 

Para una teología del insomnio

 

Minuciosamente sueño a Dios durante el día

para por la noche poder creer que me perdona.

 

Desde la culpa de no ser feliz, de no haberlo sido,

desencuaderno mis ojos huecos y de sobras sé

que no dormir es un rastro del infierno.

 

 

 

Para uma teologia da insônia

 

Minuciosamente sonho com Deus durante o dia

para à noite poder acreditar que me perdoa.

 

Desde a culpa de não ser feliz, de não tê-lo sido,

arregalo os olhos ocos e de sobra sei

que não dormir é um sinal do inferno.

 

 

 

 

 

 

Leyenda

 

No porque tanto el Registro Civil como las calles

preferidas por las ancianas floristas lo desconozcan

en todo tiempo y mundo la mujer

que me trajo al mundo por un solo

instante va a dejar

de llover sobre Dios

con la exacta forma

del amor y del pájaro.

 

 

 

Lenda

 

Não porque tanto o Registro Civil quanto as ruas

preferidas pelas velhas floristas o desconheçam

em todo tempo e lugar a mulher

que me trouxe ao mundo por um só

instante deixará

de chover sobre Deus

com a exata fora.

 

 

 

 

 

 

Los adioses

 

Del amor nos queda ya la más seca sangre.

Y como en el mundo no hay papel bastante

piedras son los ojos

en los que golpean.

 

Todos los adioses

tienen aún mi nombre.

 

 

 

Os adeuses

 

Do amor resta-nos o sangue mais seco.

E como no mundo não há papel bastante

pedras são olhos

nos que golpeiam.

 

Todos os adeuses

ainda têm meu nome.

 

 

 

 

 

 

¿Fábula y signo?

 

Como jamás habíamos pensado que Dios podía ser tan pequeño

como para dudar de su propia existencia

nos sorprendió encontrarlo con los dientes desnudos

en las orillas del frío.

 

Dichosos por saber que lo teníamos dentro,

lo tendimos al sol, como si fuera una fiesta.

 

 

 

Fábula e signo?

 

Como jamais havíamos pensado que Deus pudesse ser tão pequeno

a ponto de duvidar de sua própria existência

nos surpreendeu encontrá-lo com os dentes desnudos

nas margens do frio.

 

Felizes por saber que o tínhamos dentro,

o estendemos ao sol, como fora uma festa.

 

 
 

 

Poemas decapitados

 

 

A las soledades juntas

 

Dadme los nombres, los nombres tristes del mal antiguo,

de la sangre nombres y también del lirio,

nombres enfermos que no sean gran qué,

nombres para nosotros digo, para poetas pequeños

y poca cosa, para los poetas que soy

dadme esos nombres y haré arañas que tejan

destinos más dulces a los días.

 

 

Às solidões juntas

 

Dá-me os nomes, os nomes tristes do mal antigo,

do sangue nomes e também do lírio,

nomes doentes que não sejam grandes como,

nomes para nós, digo, para poetas pequenos

e pouca coisa, para os poetas que sou

dá-me esses nomes e farei aranhas que teçam

destinos mais doces para os dias.

 

 

 

Uno de los finales que dicta el precipicio

 

Y pensar que en unas piernas abiertas

sólo hay unas piernas abiertas

y que mi tarde o esta vida

no son más que una colina

que el fracaso del tiempo

alisa eternamente.

 

 

Um dos finais que dita o precipício

 

E pensar que em umas pernas abertas

há apenas umas pernas abertas

e que minha tarde ou esta vida

não são mais que uma colina

que o fracasso do tempo

alisa eternamente.

 

 

 

Donde tirita el nombre

 

La soledad es una frontera donde tirita el nombre,

y detrás de ella no hay más que un infierno

donde las yemas de los dedos no guardan dibujos

que puedan distinguirnos.

 

 

Onde treme o nome

 

A solidão é uma fronteira onde treme o nome,

e atrás dela não há senão um inferno

onde as pontas dos dedos não guardam desenhos

que nos possam distinguir.

 

 

 

Y eso que hace tiempo que sé que tengo que escribirte una cosa parecedida:

 

La adolescencia es una pantera echa de mimbre,

pero detrás de la noche aún sostiene al mundo.

El silencio de sus pasos oigo, si se va la tarde,

y mi cursi corazón te sueña etcéteras.

 

 

E isso que faz tempo sei que tenho que escrever uma coisa parecida:

 

A adolescência é uma pantera feita de vime,

mas atrás da noite ainda sustém o mundo.

O silêncio de seus passos ouço, se a tarde se vai,

e meu coração brega te sonha etcéteras.

 

 

 

 

 

Póstumo

 

De todos mis amigos

yo tuve la muerte más extraña:

 

con el alma dislocada

fui silencio por la página.

 

 

 

Póstumo

 

De todos os meus amigos

tive a morte mais estranha.

 

com a alma deslocada

fui silêncio pela página.

 

 

 

 

MONTOBBIO, Santiago. El anarquista de las bengalas. Barcelona: March Editor, 2005.

— Tradução de Fernando Fábio Fiorese Furtado

 

 

 

 

(imagens ©sight)

 

 

 

 

 

 

 

Santiago Montobbio nasceu em Barcelona, 1966. Licenciado em Direito e Filologia Hispânica pela Universidade de Barcelona. Professor de Teoria da Literatura da Universidade Nacional de Educação à Distancia (UNED). Publicou pela primeira vez como poeta na Revista de Occidente, em maio de 1988. Seu livro Hospital de inocentes (Madrid, 1989) mereceu o reconhecimento espontâneo de autores ilustres: Juan Carlos Onetti, Ernesto Sábato, Miguel Delibes, Camilo José Cela, José Ángel Valente, Carmen Martín Gaite. Publicou também Ética confirmada (Madrid, 1990), Tierras (França, 1996), Los versos del fantasma (México, 2003) e El anarquista de las bengalas (Barcelona, 2005), finalista do Prêmio Quijote, concedido pela Associação Colegial de Escritores da Espanha ao melhor livro publicado no ano mediante votação dos seus sócios. Os textos em prosa de Santiago Montobbio foram editados em El Norte de Castilla por decisão de Miguel Delibes. Colaborou em revistas da Espanha e América, tais como: El Extramundi, Papeles de Iria Flavia, La Gaceta del Fondo de Cultura Económica e Casa de las Américas. Foi traduzido para o inglês, francês, italiano, alemão, romeno, danês e português. Versões de seus poemas foram publicadas em Paris (La voix du regard, passage d'encres), Bruxelas (Le journal des poètes), Roma (Pagine), Londres (The Review, International Pen), Nova Iorque (Terra Incognita). Ocupa na Espanha a vice-presidência da Association pour le Rayonnement des Langues Européennes (ARLE), de Neuilly-sur-Seine, e é correspondente em Barcelona da revista desta associação, Europe Plurilingue, publicada pelas Éditions Université Paris 8.

 

 

 

 

 

 

Fernando Fábio Fiorese Furtado é professor da Faculdade de Letras da Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF). Ensaísta e poeta, publicou Corpo portátil: 1986-2000 (reunião poética, 2002), Dicionário mínimo: poemas em prosa (2003) e Murilo na cidade: os horizontes portáteis do mito (ensaio, 2003). Mais em Poemas e Na Berlinda.