BODES D'ALMA

 

ou

 

A purificação das paixões

 

 

 

 

À todos os corações,

que já pastaram em busca do amor

 

(*)

oh! dor que arde em meu peito

diga se eu verdadeiramente seria

tristonho como uma vaca

se profanasse a rotina

 

cansei da ordem das coisas

dos astros dos anos e asnos

que delimitam fugazes, meu tempo de vida

 

cansei do bailar pendular

que alterna as noites e dias

 

cansei de joão e maria (da lua) bonita

de histórias floridas

das moças perfeitas

do beijo engasgado, que perdi um dia;

dos sorrisos falsos

daquelas meninas, que por vez ou outra, poderiam ser minhas

 

cansei de organizar gavetas e livros na estante, e discos na vitrine e perfumes no container;

de fazer ginástica para perder a barriga

da vaidade que me tira a gordura e (a) proteína;

de todas as burro-cracias, tão necessárias, hoje em dia.

cansei de ter que escrever poesia bonita, com rima;

dos "cidadões" literatos, bem sucedidos;

academicistas

cansei da linguagem polida

deste poema

provavelmente

o "mais-maior"

de toda minha vida

 

e das estrofes separadas, como as de riba;

cansei da comida

que poderia, ser ou não fria

cansei de fazer papel de bonzinho

de ser educado

ser polido

todos os dias

cansei de agredir a mim mesmo com essa droga de rotina

de ler poetas famosos

que poderei, ou não,

superar um dia

cansei dos filósofos (que malham) na academia

e de tentar abordar aquele olhar promissor da fisiculturista

de beber vinho

 fugir

dançar

de parir a mentira

cansei de fingir que perdôo

aquilo que sei (fingindo) que não sabia

cansei da tv brasileira

da cor

baranga da nicotina

dos casamentos alheios

que são, para satisfazer a família;

de ouvir besteiras

das mentes dos gênios de hoje em dia

cansei do jornal

e do cara escroto da banca de cima

cansei dos marmanjos folgados que vendem maconha na esquina

do capoeirista

que se acha o foda e "morde" as "mina"

do latido estridente

do cachorro de rua

que adotou a vizinha

cansei cansei cansei cansei cansei cansei cansei cansei cansei cansei cansei cansei cansei cansei cansei cansei cansei cansei cansei cansei cansei cansei cansei cansei cansei cansei cansei cansei

de escrever vinte e  oito vezes

esta palavra de cima

cansei de ver o boizinho engravidar a menina

de duvidarem (e por isso, ter eu que provar)

ser bom guitarrista

de ver banda tocar em churrascaria

gente arrotando

palitando os dentes

pedindo "raul"

(ou) vindo-buzina

cansei do olhar torto do gerente de banco

que não acredita "na" fantasia

de professores toscos

em jantares a dois

com a dona patroa

no bar da esquina

cansei desta droga de insatisfação

que parece gostar

de minha companhia

cansei de ser guerreiro

sem armadura

sem cavalo

sem exército

e sem dia

cansei deste desabafo

que poderá ou não

agradar a retina

das  falsas beatas, divinas!

que falam pra mim

como fazer, pra ser salvo um dia;

cansei de espíritos brincando de espíritas

de sensacionalismo barato

e fingimento

elitista

cansei das correntes de sete orações e cajados mágicos

que curam o câncer e trazem a vida

dos gritos de louvor desafinados em periferias

dos cento e quarenta e quatro mil salvos

e eu não estar na lista

cansei de dois homens vestidos iguais...

que andam de dia

de "ter", ou dizer, "tinha"

de ser dizimista

cansei de não ter, certificado de reservista

das multas de trânsito

magníficas

cansei do pãozinho mucho e da cara amarrada

daquele dono "fudido" da padaria

cansei cansei cansei cansei cansei cansei cansei cansei cansei cansei cansei cansei cansei cansei cansei cansei cansei cansei cansei cansei cansei cansei cansei cansei cansei cansei cansei cansei

de repetir nova-mente

esta estrofe ridícula

cansei de ter que dar uma pausa

para levar a fita

que o cara da locadora, me cobra todos os dias

cansei da fisioterapia

da garota de branco nutricionista

da atendente, que já poderia ser minha

dos gatos malhados, ou pardos, de todas as esquinas

cansei de acordar

com a mesma cabeça, todos os dias

de sentir culpa

por gostar de brincar

na região da virilha

cansei de sentir-me feio para chegar na patrícia

de ser valorizado, de frente ao espelho

e ter ego inchado somente na pia

cansei de ter que avisar

a que horas eu chego

no outro dia

cansei da mania de ser egocêntrico, sistemático, exigente, artista

e gostar mais da beleza, do que de gente bonita

de ter o estranho costume

secundarista

cansei de escrever um pouco

só por mania

e de pensar se seria ou não

reconhecido

um dia

cansei de achar que isso tudo é uma reles fantasia

e que a donzela encantada

será apenas: uma poesia

cansei!                                            

 

(*) dedicado à rotina: a mais cruel das repetições

 

   espero

   por damas de véu

   por flores de mel

   pôr dedo no anel

 

 

 

 

 

*

 

negro vestido, costas à mostra

flor da montanha

boca de rosa

fome do corpo

casta ditosa

dia vermelho

fome amarela

pequeno desejo

grande janela

sede tinhosa

negro vestido, costas à mostra

pedra de toque

curvas em choque

suor atrevido

gaita de foles

sons de limpeza

ossos de cobre

cama da alma

mente fogosa

negro vestido, costas à mostra

assaz perigosa

a rua de pele

a placa de pare

o seio vermelho

os lábios em rosa

negro vestido, costas à mostra

atrás da porta

nervos em trapo

a fome singela

um homem cansado

a tarde donzela

a lua chorosa

negro vestido, costas à mostra

fome sede escama peixe flor água mar piaba

terra fossa semente goiaba

azul camisa cantiga sabão piada

calo faca corte fala

joão tião fogão comida gelada

fome do corpo sede da alma

gosta?

negro vestido, costas à mostra

homem triste

mente cansada

poema atrevido

telha molhada

cabelo negro

luz apagada

fruta docinha

língua virada

pele de âmbar

mente afogada

caroço moído

fruta gelada

pimenta do reino

cheiro de palha

vida da terra

e noz moscada

caminho incerto

estrada errada

camisa de linho

taça gelada

guerreiro da vida

dama esperada

subindo o vento

subindo a escada

ave no céu

ave afogada

vôo de deus

navalha ferida

pele sangrada

gosta?

negro vestido, costas à mostra

espólio esposa sorriso e goza

vida morada vitória derrota

caminho distância estrada nervosa

mistério divino pergunta teimosa

homem resposta

negro vestido, costas à mostra

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

*

 

bem aventurada a língua ousada,
bem aventuradas,

as madeixas presas, a pele macia, a face em rubro (vermelha e malva)

a casta ditosa, a blusa folgada.
bem aventurada a pergunta
bem aventurada a questão, instigante, cortante, aguda e afiada
bem aventuradas as sensações de um estranho na sala
bem aventuradas as tragadas
bem aventurado o tabaco, cheiroso, esguio, macio
amigo de mais valia,
desejada prata
bem aventurada donzela
bem aventurada, zombeteira, esguia, palhaça
bem aventurada aquela que ousa, dançar e cuspir em fantasmas de casta
bem aventurada, ovelha
bem aventurada a presa do lobo e o prato da ceia (desgarrada)
bem aventurada, pelo desapego
à conversa
bem aventurada, a empedernida alma de seda fiada
bem aventurada a gota d'ouro
bem aventurada a divina insatisfação
bem aventurada!
bem aventurada!
bem aventurada!
o amor é um solteirão severo
mas ainda há de amá-la

 

 

 

 

 

 

*

 

rugiram os leões da alcova
atravessaram as pontes e vestiram as máscaras
estenderam o tapete rubro-sangue, afinaram as harpas, cornetas, liras, e, no momento grandioso da estrela
salpicaram flores, entre aplausos e rimas:
falácia!
em nenhum momento, desejaram verdadeiramente o contato
(na verdade estas famílias estavam na mais alta)
torre do castelo
dourada...
além do mais, os menores costumavam feder
(necessidade?)
curiosamente,
certa paixão alheia à história
caminhou pelos fundos:
grand finale!

 

 

 

 

 

 

*

 

ultraje,
despi as roupas da prudência e esquartejei a linguagem
mal estar!
eis a diferença entre cativar ou livrar uma alma
(responsabilidade que se espalha como o pó)
vislumbrando os campanários, encontrei acredito,
uma jóia de princesa
bem lapidada, doce melaço, apetitosa beleza
(seus luzeiros como flechas, eram brilhantes como turquesa)
seria prudente, roubá-la?
jogá-la no dorso de um cavalo sadio,um potro, e preparar...
uma cama de flores divinas?
amarelas?
"sonhas, poeta
sonhas por deveras!"
seria, imaginar tudo isto, uma grande quimera?
vou-me embora, mas,
sorrindo em pensamento cismo:
à ele retorna, o que for divino

 

 

 

 

 

 

*

 

naquela tarde,
exatamente naquela tarde
vi um corredor aveludado, de longos cabelos, acastanhados;
exatamente naquela tarde, estavam lá:
cheirosos e penteados
naquela tarde, exatamente naquela tarde,
tentei em vão fixar meus pensamentos: irônicos, acadêmicos;
e sem licença, exatamente naquela tarde,
vazei as retinas alheias, descendo,
por entre íris e nervos: ópticos incandescentes
naquela tarde, exatamente naquela tarde
sem ao menos saber do que se tratava
cheguei a um lago, estomacal e quente
tudo isso!
exatamente naquela tarde
naquela tarde, ousei tocar em vísceras apaixonantes
nicotinadas
naquela tarde, exatamente naquela tarde
furtava-me o desejo, o controle e o arbítrio do instante
naquela tarde, exatamente naquela tarde
senti algo impressionante
exatamente,
naquela tarde!

 

 

 

 

 

 

*

 

alívio,
eis o que desejei verdadeiramente, oh! belas senhoritas
todavia confesso, que o perdão me excita
(e o seu tempo, que só vem por merecimento)
escorrega, dignifica, massageia e explicita
vontades
estas, definitivamente diferentes e furtivas
me intrigam!
ah! se baco fosse mesmo meu amigo:
o que seria de mim? sem a diária taça de vinho?
o fascínio de um homem, está mesmo no vício?
palavras...
(cá pra nós: será que o blake escapou do equívoco?)
"o caminho do excesso, leva ao palácio da sabedoria!"
eu, que sou homem comum,
levei pizza!

 

 

 

(imagens ©affordable illustration source / imagescom)

 

 

 

 

 

Sou Rodrigo Starling, 26 anos, solteiro, filósofo, poeta, humano. Fundador e atual presidente da OPA! Oficina de Produção Artística, sendo, inclusive, idealista. Publiquei 4 opúsculos: Paz: o começo (2002), Alea jacta est (2003), Breviários do cárcere (2004) e Confessório ardente (2006). Não gosto da vaidade, mas amo a ousadia. Sou integrante do VIDES — Voluntariado Internacional de Desenvolvimento e Educação Social do Brasil onde atuo como Diretor de Desenvolvimento Institucional. Acredito nas parcerias. Leio os poetas comteporâneos, incluindo os deste site. Aceito críticas.