Sob a ira das víboras
na agonia das cortinas
onde atiravam pedras
no aterro de mim mesmo
meses a fio
o veneno de acônitos
no atear-se fogo
no açular o nervo do açúcar
querer algo além dos cômoros

 


Silêncio é forma
contar é ato
livre, imprevisto
traço de luz
ele se aquieta
contraste & vulto
que rompe súbito
em outra véspera
voz das camândulas
no livre curso
lis de petúnias,
fisionomia,
muda, da sombra,
& os avelórios
cortando os dedos,
a cada conta

          para Claude

 


O que fiz do tempo
êxito?
De acácias paralelas
agora em fevereiro
talvez o da... mirra
a anunciar a sina —
tigres famintos em busca da presa;
a estátua, de kanisha
cessaram os sapatos com a vida
I have been overkilled by my peers
o que digo
enigma?
(da janela, os automóveis, fluindo
kanisha é Ganesha,
um deus da Índia,
estátua, carniça!)
·
o nada transmigra
o bodisatva mija
o buda mijava
quando não era argila

 


A nuvem é um espaço
abrupto. Um céu brusco
É um espaço muito
pouco firme e úmido
quando chove
é um espaço acústico
Espaço que se funde
(um abutre atravessa uma nuvem)
o raio rompe, ignívomo,
vômito de fogo,
o céu nublado da janela
do edifício no crepúsculo fulvo

um céu de rosas adunco
o vento traga as nuvens
êxtase
É um espaço vizinho

pó de meteoros e abismo
não está ao alcance do úmero
ou das mãos
É um espaço aflito

apátrida
para a chuva, as cifras e o cacto
lua ao meio-dia
É um espaço inútil

do ponto de vista de um número
É o espaço último
quando um míssil
noctilucente triste lúgubre

          para a Vera Barro

 

 

 


Minas, silenciadores, a dissolução prévia do corpo, nadis, flama, recôndito, Sundevil, Léxis-nexis, arpa, sard, cisa, carmina, estrondos, satcoma, satélites, retratos na parede, capricórnio, gama, gorizont, ISSO, parasita, morgancanine mantis, ionosfera, reflexo, & o surto de outras figuras, batedores, white noise, sexo, enseadas, Speakeasy, colmilho, miras estriadas, os ópios de emergência, e um vento, índigo, explosivo, mania, gases úteis para o exercício diário da vida, janela, Bubba, the Love Sponge, onde pousava, de madrugada, a brisa

 


Na virtude dos músculos, dias diamantinos, no frêmito de ser & quando efetivo, na força das vigas, no ânimo de paredes, erguidas, gerânios no canteiro, tijolo, um a um, firmes, fio avariado, pupilo de um suicídio, alento de silhueta, na derrocada da cor, estilhas de vidro, aranhas na cama, sol em surdina, persistindo, no tumulto de pancadas, cúpulas, ópio hipnótico, clemência dos meses, brio de ladrilhos, lâmpadas sob o teto, o alento em si do vento no flagelo da janela e demais utensílios, déspota de portas, escombros do cômodo, caliça, verdugo de seu próprio muro, maciço

 


Caras-douradas, monos-carvoeiros, iguanas, tiês incandescentes, bromélias, orquídeas, saíras, do cimo das árvores, araras, precipitam-se: berloques, chircas, tônis, jias, néticos, Avi Shelter!, no Mar da Ligúria, Cúpula-cáfila, de réplicas — abatis, por mísseis e cifras — contra o plus, o sm@sh, o black — aqui, no Sul, o vento alastra o fogo, o fogo queimando a Mata — Gênova, disparos, balas na cabeça, o corpo esmagado pelo jipe, dos carabinieri — punk bestia!, Alimonda, estigma decapitado, agora, "alcoólotra, amigo das drogas" (Fa Lun Gong, calado! e os da Coca-Cola, na Colômbia, atraidos, assassinando) YA Basta! contro li alieni, lábaros e carros incendiados, vitrines destruídas — o corpo, respect!, vômito & os da tribo bux nígrous, livres, em algum lugar, recôndito, das florestas das Guianas reanimando, escombros

21.07.01

 


Hoje é domingo ontem foi sábado, dia 1º de janeiro será feriado porque ouço música na sala e a lua não estará em um novo quarto, a semente é vermelha e dura, a madeira é escarlate, a semente é de madeira: vermelha e negra, de uma única fruta; a semente não cai da árvore, a semente tem asa, a semente tem pêlos, a semente é um pássaro de pena escarlate, a semente é madeira, que acorda nas grunhas, nos hortos e, uma vez, acordou na praia de Trindade; (há outros poucos tipos de semente de tenteiro, um deles, casca, da vagem, marrom, âmago, amarelo, vivo, e a semente é vermelha, rutilante, a vagem, sinuosa, vai secando), a semente só cai da árvore depois de no mínimo dois anos — a semente é lenha, a semente é fogo, a semente é vermelha, cinza, nas terras úmidas do Pará, é estrela, mucunas, buiuçu, ou, aqui, no sul, olho de cabra, tanto faz, a semente é colar, da árvore, flores só a intervalos de vários anos, (um vaso, no canto da sala, agora num silêncio sibilino, sinistro), pétalas negro-violáceas, algumas vezes mais claras fugazes

dezembro, 30, 2001

 

 
 
Régis Bonvicino nasceu na cidade de São Paulo, em 1955. É casado com Darly Menconi e tem três filhos: João, 24, Marcelo Flores, 17 e Bruna, 11.

Seus três primeiros livros Bicho Papel (São Paulo, Edições Greve, 1975), Régis Hotel (São Paulo, Edições Groove, 1978) e Sósia da Cópia (São Paulo, Max Limonad, 1983) foram por ele mesmo editados. Hoje, estão reunidos no volume Primeiro Tempo (Editora Perspectiva, Coleção Signos, 1995). Entre 1975 e 1983, dirigiu as revistas de poesia Poesiaem Greve, Qorpo Estranho — com dois números — e Muda.

Publicou, em 1985, a antologia crítica Desbragadaantologia e estudo da poesia de Edgard Braga (São Paulo, Max Limonad). Em 1987, publicou seu quarto livro de poemas: Más Companhias (São Paulo, Olavobrás). Em 1989, iniciou seu trabalho com a Editora Iluminuras (São Paulo), onde publicou: Litanias da Lua, poemas de Jules Laforgue (1989), 33 Poemas (1990) — prêmio Jabuti de poesia do ano —, Uma carta uma brasa através (1991), reunindo sua correspondência com Paulo Leminski, Outros Poemas (1993) e A pupila do Zero (1995) — com traduções do argentino Oliverio Girondo. Publicou, em colaboração com Guto Lacaz, o livro "infantil" Num Zoológico de Letras (São Paulo, Maltese, 1994).

Participou de leituras de poesia no exterior: Buenos Aires (1990), Miami Book Fair (1992), convidado para Copenhague em 1993. Em 1995, participou, a convitede Henry Deluy, da III Bienal Internacional de Poetas em Val-de-Marne, lendo poemas em Paris (Maison de La Amerique Latine), Marselha (Centro Internacional de Poesia). Leu poemas em Berkeley, com Michael Palmer, e também em San Francisco State Universty (1996). Em 1998, apresentou-se com Charles Bernstein no Segue Performance Space, de Nova York. Fez leituras em Santiago de Compostela, na Universidade de Santiago (1999), em Iowa City (2000), com Michael Palmer, e em Chicago (2000), com Horácio Costa. Em 2001, participou do IV Encontro Internacional de Poetas de Coimbra. Em 2002, esteve na Sunny-Buffalo e na NYU, para leitura de poemas.

Outros trabalhos de tradução: Passagens (Ouro Preto, Gráfica Ouro Preto, 1996), com versões de textos de Michael Palmer, e A Um, com traduções de poemas de Robert Creeley (São Paulo, Ateliê Editorial, 1997).

Ossos de Borboleta saiu em 1996 (São Paulo, Editora 34).

Editou, com Michael Palmer e Nelson Ascher, a antologia Nothing the sun could not explain/ 20 contemporary Brazilian poets (Los Angeles, Sun & Moon Press, 1997), com segunda edição em 2003, pela mesma casa editorial. A Sun & Moon editou também Sky-eclipse/Selected Poems, antologia individual de sua poesia, em 2000.

Lançou, em 1999, "Envie meu dicionário", poemas, cartas e crítica, em co-autoria com Paulo Leminski (São Paulo, Editora 34). Em 1999, publicou Céu-eclipse, também pela Editora 34. Em 2000, editou, na revista, New American Writring a antologia Lies About the truth — com Murilo Mendes, Carlos Drummond de Andrade e os poetas mais novos. Publicou, em 2001, Cadenciando-um-ning, um samba para o outro, poemas traduções e diálogos com Michael Palmer.
Saiu, em 2002, em Portugal, pelas Edições Quasi, uma antologia de sua poesia, intitulada Lindero Nuevo Vedado.

Seu mais recente livro de poemas é Remorso do Cosmos (de ter vindo ao sol), lançado pela Ateliê Editorial (São Paulo, 2003).

Vários de seus poemas estão traduzidos para o chinês, o inglês, o francês, o espanhol, o catalão e o dinamarquês.

Edita a revista de poesia Sibila, desde 2000.

Mais, em: www.regisbonvicino.com.br