1

1948 - 2004

orum o
palíndromo atravessado
na frente dos sem-narinas
o orum não oscila
entre ser algo
ou nada
não queda à mão
mas o pensamento o
pensamenta tanto
e de tal modo
que às vezes até consegue
deter num fotograma
o cine-orum
em termos de
rente afrografia
emprestada ao silêncio
do corpo


*


negror de transegum
axévier hipérion é
meu hipograma meu
paragrama
cerco
de obsessões acústicas
encosto que se anagramatiza
fora da consecutividade da
cláusula temporal

programa de negro
software rasgacéu
achega de
xangô multilingual

na
quebrada
de xangô xangô
de cara
com o arnaldo

xingou e foi
xingado

 

 

2

DOIS DO DOIS: OLOMÍ

mar em festa as gentes
   infestando as águas da mãe grande
o sentamento das coxas encimadas
   por quadris de contrabaixo o velido
vestido com vida própria que se
   sustenta nas próprias barras
longo-cerúleo
   a escorrer do colo até os tornozelos
lambendo rente suas curvas
   untuosas sempre recomeçadas
deambula senhora dona sobre escuma de flores
   deslinda-se lisa
bailadora de melífluo pensamento
   fleuma de chama branca
pétalas verdes um pé após outro
   olho alongado apenas para o que está
à altura dos seus olhos se espraia
   vai-vai (esteira de aéroporto) incansável
ou como que pousada em andor
   suspensa acima de dor e adoração
serena sereia sarada
   avião levando a pique cópia de barcos
de brinquedo objetos do artesanato mercante
   desova de coisas baratas
na praia clara
   odalisca de todas as luas loas e olas
olorosa bunda barroca
   suas ancas justificam o epíteto:
sacudidora da terra
   sovaco nu polido como a concha
pelo lado côncavo
   se homero conhecera iemanjá iorubá
talvez conformara mais doce
   o mar de odisseu filho de laertes

 

 

3

buracos cegos vulto
encarvoado contra o caldo sulfuroso do sol

ectoplasma sujo tirésico

maçaroca de cordões espuma
esperma encardidos

o querosene asqueroso
do regime hidrográfico do hades
mijo comburente com que prosérpina
limpa as pregas da pele

e eu ensopo a estopa
dos meus coquetéis de vanguarda

a vida sobre a linha da terra é clássica
a morte (mar
adentro) barroca

verso que não se pode ler em silêncio
ultima verba e se a linguagem
é tecnologia básica aquelevale poema
será por definição high tech
último grito

 

 

4

nunca escreve senão caprichado fac
ta cartula
a caligrafia é licenciosa

a mão e o teclado
são de pesquisador

de néscio as
razões quando não as noites
em claro

 

 

5

auto
denominam-
se
ramagens inteligentes e
todavia
engatam farfalatório
num esgalho do pensamento
estreitam-se em seguida
esmagam o
amuo desalmado do mato matacavalo
borda
da incerta vereda
de tanta pena
peneira
e pernada

 

 

6

OGUM, 2004

o assentamento do quatro
ogum justiceiro encarnado
as armas de mercúrio
nariz de abas brabas
os tacões alados de hermes
a espada e a palavra armas
de jorge
wordswordswords
swords
parolagem brasa assoprada sem coração
verba
algum para ogum

despojos de guerra
banquete após uma expedição de conquista
ogum sentado firmeforte no quatro
se sua cadeira vermelha
aquele estrago

ogum bebum
gira dedibrônzeo o compasso na ponta
de um quatro
entrada de sola que talha
sempre dentro do esquadro
aparta-nos ogum de retrato e
de sol quadrado


ogum brugurundum nos quatro
costados de qualquer besta quadrada
à espádua do iracundo não chegam
os retardatários dardos da inveja

 

 

8

persona (hálito
através de) de cuja fala
não se tem noção
máscara cambiante
afivelada ao palimpsesto
urbano
para melhor ocultar (
revelando) seu rosto terrível

em tamanho desnatural
metonímia metediça
a cútis do frontispício reticular
recresce se
projeta sobre os tipos liliputianos

visita que enche as medidas
como se trespassara inconveniente
um imunológico olhomágico
e ficara infusa no lado de cá
do individual

 

 


Ronald Augusto (Rio Grande - RS, 1961). Poeta, músico, letrista e crítico de poesia. É autor, entre outros, de Homem ao Rubro (1983), Puya (1987), Kânhamo (1987), Vá de Valha (1992) e Confissões Aplicadas (2004). Traduções de seus poemas apareceram em Callaloo African Brazilian Literature: a special issue, vol. 18, n. 4, Baltimore: The Johns Hopkins University Press (1995); Dichtungsring — Zeitschrift für Literatur, Bonn (de 1992 a 2002, colaborações em diversos números). Artigos e/ou ensaios sobre poesia estão publicados em revistas do Brasil e sites de literatura: Babel (SC/SP), Porto & Vírgula (RS), Morcego Cego (SC), Suplemento Cultural do Jornal A Tarde (BA), Caderno de Cultura do Diário Catarinense (SC), Todapalavra, Slope, entre outros. Ministra oficinas de poesia. Escreve o blogue Poesia-pau. É um dos poETs.