Wilmar Silva - A origem em Coração de Jesus, a vida a partir de Montes Claros: o que é o mundo nas Gerais?

 

Aroldo Pereira - Com dois anos saí de Coração de Jesus e em Montes Claros veio a descoberta do mundo. O Gerais é um lugar na geografia mineira, que forja pessoas do quilate de um Darcy Ribeiro, José Maria Alkimin, Raimundo Colares, Cyro dos Anjos e Carlos Alberto Prates Correa. É o lugar em que começou a revolução de 30, com a Dona Tiburtina. E, mais recentemente, vem lançando outros olhares através de pessoas como Sebastião Nunes, Amora Pereira, Betinho, Anelito de Oliveira, Elcio Lucas, Wagner Rocha, Mirna Mendes, Joba Costa, Guilherme Rodrigues, Igor Xavier, Alex Sander Nassau, alguns destes parceiros permanentes do Salão Nacional de Poesia Psiu-Poético. O Gerais, mais do que nunca, é uma referência universal, registrada na obra do nosso Guimarães Rosa.

 

 

WS - Fale das primeiras sexualidades com a poesia.

 

AP - Foi aos 8 anos de idade, época em que eu não batia punheta. Surgiu numa aula de Dona Socorro, aula de português, que me fez descobrir a inquietação das palavras.

 

 

WS - Ativista do EPC (Encontro Popular de Cultura) na corrente de 1980 em Belo Horizonte, além do acontecimento em si, que reflexos aconteceram no espelho de Aroldo Pereira?

 

AP - O EPC foi um marco na cultura mineira. Foi um momento de descobertas e grandes diálogos. Naquele momento em que pessoas como Mauro Lúcio, do grupo Transa Poética, o editor Wagner Torres, a cantora Titane, o compositor Rubinho do Vale, a poeta Rita Espeschit, o jornalista José Edward Lima, Rogério Salgado e vários outros, estavam buscando organizar um espaço permanente para viabilizar um projeto que abarcasse o que vinha acontecendo culturalmente em Minas, e tivemos a oportunidade de dialogar com artistas de todo o país através daquele movimento. Foi bastante importante, porque através da cultura, fizemos também uma luta política pela democratização do país.

 

 

WS - Como nasceu o Salão Nacional de Poesia Psiu Poético, na cidade do calor Norte de Minas, Montes Claros?

 

AP - Começou com a revista Kathedra, publicada na segunda metade da década de 70. Depois veio o Espaço de Prática Poética, uma publicação mimeografada com os poetas Gabriel Cardoso, Zacarias Mercau, Nadir Antônio Cunha, Renilson Durães e eu. Mas o Psiu nasceu principalmente da ação organizada do Grupo de Literatura e Teatro Transa Poética.

 

 

WS - Performance enquanto linguagem frente ao Transa Poética: como ser na prática o mutismo do poeta e ainda realizar elementos que tanto pertencem ao ator como ao performer, in loco ao vivo?

 

AP - Hoje em dia a performance e a instalação fazem parte da linguagem poética, e eu, por ser um artista fragmentado, utilizando dos elementos do teatro, do cinema e da música, tenho tranqüilidade para transitar por estas áreas sem maiores limitações.

 

 

WS - E a dor de viver é realmente uma dor de piquenique, como diz Ledo Ivo na orelha de seu livro Cinema Bumerangue?

 

AP - O Ledo, como crítico e poeta, fez a sua leitura do Cinema Bumerangue. Necessariamente, não tenho que concordar com ela, mas no nosso piquenique há muito pedregulho e formiga cabeçuda.

 

 

WS - E quando Jorge Mautner escreve na 2ª orelha do livro "Aroldo Pereira é um poeta mineiro do Brasil-universal": a aldeia é universal, ou apenas uma metáfora?

 

AC - Mautner é minha noiva predileta, e tem uma leitura bastante nietzschiana das coisas. Mas toda aldeia é universal, tanto Lontra quanto Londres.

 

 

WS - Fale de sua veste/valise que sempre usa em suas apresentações?

 

AP - Aquela é uma roupa/homenagem ao Helio Oiticica e ao Arthur Bispo do Rosário, criada pela artista Raquel Monteiro. Além de ser um objeto de cena, me dá liberdade para dançar.

 

 

WS - Foi também vocalista da banda punk Ataq Cardíaco no final da década de 1970: o que pensa sobre as diferenças entre um poema e uma letra, ou todo poema é uma letra e/ou toda letra é um poema?

 

AP - Geralmente, para quem trabalha com a linguagem poética e tem a música como suporte, as diferenças são claras na forma de passar a mensagem. Caetano e Bob Dylan são grandes poetas que se utilizam da música para veicular a sua poesia. Agora, existem os poetas que só conseguem se traduzir através do poema em livro. As diferenças existem. A intensidade da palavra cantada é completamente diferente daquela que você lê em silêncio.

 

 

WS - Ao escrever "gasto minha vida buscando uma palavra que contenha a dimensão da minha dor" — essa dor é uma dor comum a todos os seres ou é uma metáfora da falta?

 

AP - O artista, através do seu artefato, quer seja cinema, poesia, música, pintura ou dança, cria porque é incompleto, e a ação de estar criando é a forma de tentar se complementar infinitamente.

 

 

WS – "E eu pensava que se lançasse um disco poderia fazer uma revolução" (1978). Afinal aconteceu a revolução ou a revolução é um sonho?

 

AP - Eu tenho feito uma revolução permanente, tendo filhos e livros e conhecendo pessoas.

 

 

WS - Exemplo de nomes de artistas citados em seu livro Cinema Bumerangue: fosse passar "uma temporada no inferno", que poetas você ressuscitaria?

 

AP - De cara, o Torquato Neto, mesmo não sendo psicanalista (risos). Depois, o Carlos Drummond de Andrade, o John Cage, a Ana Cristina César e o Oswald de Andrade.

 

 

WS - A seu convite, participei três vezes do Psiu Poético, onde vi e fiz apresentações em escolas e espaços da periferia. Que resultados acontecem com experiências nesse sentido?

 

AP - Com o Psiu-Poético a gente vem descobrindo muitos talentos através do projeto Poesia Circular, que acontece com estas visitas às escolas e bairros periféricos. É uma forma de inserir crianças e jovens no universo literário. Para Montes Claros tem sido muito positivo. Temos algumas revelações como Jonatha, Natália, Lucas, entre outros jovens poetas.

 

 

WS - Que pensa sobre a poesia contemporânea brasileira de agora?

 

AP - Temos bons poetas trabalhando na cena atual brasileira. Acredito que o que falta mesmo são publicações mais cuidadas e com tiragens maiores, para que o público tenha acesso. Mas em todos os lugares do país novos nomes vem surgindo. O que falta mesmo é uma melhor divulgação.

 

 

WS - Poesia é literatura?

 

AP - Não propriamente. Poesia é invenção que contém os elementos da literatura, música, dança, cinema, instalação e diversas outras linguagens.

 

 

WS - Performance é poesia?

 

AP - Pode dizer/ a quem quiser saber/ q eu ouço a canção/ e penso no poema/ q o cd a instalação/ o enquadramento da cena/ a performance a inquietação/ tem sido o meu eterno problema ("Você não sabe com quem está falando" – Aroldo Pereira – 13/04/2006)

 

 

WS - Se poetas nascem, o que é preciso para escrever um poema?

 

AP - O poema está inserido na inquietação de quem cria. É preciso estar vivendo.

 

 

WS - Como será a sua apresentação ao projeto Terças Poéticas, na tarde/noite do dia 18 de abril de 2006?

 

AP - Ainda não sei com clareza, mas vai ser muito bacana. Estarei recebendo como convidados a Helena Soares, o Jovino Machado, o Eugênio Magno, Giovani Sassa e o multi-artista Sebastião Nunes. Pra quem gosta de surpresas, pode ir que teremos várias.

 

 

WS - E a presença do poeta Sebastião Nunes: como acontecerá essa provocaça?

 

AP - O Tião Nunes já é o inusitado. Só de ele ter aceitado compartilhar dessa celebração poética já é uma boa provocação.

 

 

WS - Que sentido tem a um poeta como Aroldo Pereira receber a Medalha da Inconfidência de Minas Gerais, a ser entregue no dia 21 de abril de 2006, em Diamantina?

 

AP - Tiradentes é realmente uma figura da maior importância na história não contada do Brasil, e, por esta medalha ser um ícone da inconfidência mineira, eu me sinto em casa, em ser lembrado para estar recebendo-a. Mas o que me incomoda muito é saber que é a primeira vez que um poeta está sendo chamado a recebê-la. Acho que era uma grande falha da premiação, principalmente pela tradição poética de Minas Gerais. Certamente muitos outros a mereceram.

 

 

WS - Que linguagem explora em seu livro inédito no prelo, que contém um título de invenção: Parangolivro?

 

AP - A linguagem do susto, da inquietação e da luminosidade. É mais uma tentativa de me aproximar da poesia, esta amante sedutora, inconstante e fugidia.

 

 

WS - Há indisciplinas no processo de criação de Aroldo Pereira?

AP - Eu sou indisciplinado por natureza. Mas com a poesia a coisa é diferente. Ela exige muito trabalho e concentração. De vez em quanto passo noites e noites, tentando lapidar um verso, e isso exige uma doação sem tamanho. Mas cada um tem a sua disciplina. A minha é meio indisciplinada.

 

 

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Aroldo Pereira. Poeta, ator e agitador cultural, gerente da Secretaria Municipal de Cultura de Montes Claros-MG. Autor dos livros Canto de encantar serpente, Azul geral, Hai kai quem quer, Amor inventado, Cinema Bumerangue e Parangolivro. Participou das antologias poéticas Signopse, A poesia na virada do século e Cantária, organizadas por Wagner Torres; Antologia da moderna poesia brasileira, organizada por Olga Savary; O melhor da poesia brasileira — Minas Gerais, organizada por Sérgio Alves Peixoto e Gilberto Mendonça Telles. Seu nome batizou o Centro Acadêmico do Curso de Letras da Universidade Estadual de Montes Claros — UNIMONTES, e é verbete no volume II da Enciclopédia da literatura brasileira, organizada por Afrânio Coutinho. Integrante do Grupo de Literatura e Teatro Transa Poética, ex-vocalista da banda punk Ataq Cardíaco, inventor e coordenador do Salão Nacional de Poesia Psiu Poético.